terça-feira, 28 de dezembro de 2010
The Who - Tommy - Cousin Kevin
all alone, cousin.
Let's think of a game to play
Now the grownups have all gone away.
You won't be much fun
being blind, deaf and dumb
But I've no one to play with today.
D'you know how to play hide and seek?
To find me it would take you a week,
But tied to a chair you won't go anywhere
There's a lot I can do with a freak.
How would you feel if I turned on the bath,
Ducked your head under and started to laugh.
Maybe a cigarette burn on your arm
Would change your expression to one of alarm,
I'm the school bully !
The classroom cheat.
The nastiest playfriend,
You ever could meet.
I'll put glass in your dinner
And spikes in your seat...
I'll drag you around by a lock of your hair
Or give you a push at the top of the stairs...
What would you do if I shut you outside,
To stand in the rain
and catch cold so you die?
I'm the school bully !
The classroom cheat.
The nastiest playfriend,
You ever could meet.
I'll stick pins in your fingers
And tread to your feet...
We're on our own, cousin,
all alone, cousin.
We thought of some nice games to play
While the grownups were all away.
You weren't much fun
'cause you' re deaf and dumb
But I've had no one to play with today
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Memento Mori
É triste. Mas hoje, sentado nesse banco, pareço compreender o velho. As pessoas passam e me ignoram. Eu também tenho uma história que quero contar debaixo desse sol. Mas as pessoas apenas passam e me ignoram. Ninguém para me ouvir. Será que cheguei no fim? Será que estou acabado? Mas eu quero dizer algo, realmente quero, sinto dentro de mim essa angústia, como um dragão preso se rebelando. Ele destrói e corrompe. Sinto vontade de destruir tudo. Quebrar todos os vínculos e chorar. Mas eu nunca dei a chance. O velho estava aqui um dia, ele queria ser ouvido, e eu era uma das pessoas que passavam. Agora sou uma das que permancem. Aqui. Para todo o sempre.
sábado, 18 de dezembro de 2010
Natal
Papai Noel. Filmes natalinos. Família reunida. Amor ao próximo. Na ceia de Natal a classe média supera em torno do peru a inveja, a falsidade e as intrigas familiares construídas ao longo de um ano inteiro de convivência medíocre. O Natal é tempo de perdão e solidariedade.
Trabalho de escritório. Trabalho mal pago. Assalto no semáforo. Polícia. Novela. Dormir debaixo da ponte. Jornal Nacional. Miséria. Infelizmente, uma hora chega o momento de retirar árvores de Natal e desmontar presépios, e tudo continua como sempre esteve. A sociedade se prepara novamente para corrigir as crianças mal comportadas, e ajudá-las a serem merecedoras de bons presentes da próxima vez...
Feliz Natal!
Texto que seria públicado na Revista Miséria nº 5, caso ela fosse publicada antes do Natal. Mas isso não aconteceu...
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Abalo Emocional
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
domingo, 12 de dezembro de 2010
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
diálogo monólogo
-- Olá, meuquerido!
-- E essa força, como anda, filhodaputa?
-- Mais duro do que o pau de sua mãe numa bacanal, meuquerido!
-- Assim que eu gosto!
-- É, afinal, as maravilhas do cotidiano sempre deslumbram-nos, pobres mortais, né não?
-- Ô, e põe deslumbre nisso, meuquerido filho da puta! Há dias em que acordo, pós-coito ou não, com uma vontade tremenda de gritar por gritar, só pela certeza de propiciar barulho e tirar quem quer que seja da situação calma e certa de sua respiração e rotina.
-- Filhodaputa, meu querido, você é escroto!
-- Ô! Gostaria de ser ainda mais, todavia, tenho minhas limitações. Somente acho que você, meuquerido filho da puta, possui um potencial não aproveitado, nem vislumbrado por você mesmo, de causar mais terror às suas redondezas do que qualquer filho da puta mequetrefe encontrado em toda e qualquer esquina, ônibus, praça, sala de aula, igreja, assembléia, caralho a quatro e etc!
-- Pare de lamber meu saco, filhodaputa, somos, nós-dois-em-um, nada mais nem menos do que dejetos, matéria temporária logo relegada para os confins da podridão. Nem um osso sobrará para elucidar em belos artigos científicos nossa ignomínia.
-- Mas, meuquerido, veja bem, extinção é o que há!
-- Babaca, nunca perca a piada.
-- Ô, mas não sou o babaca, acho que sou o filhodaputa!
Todos em um.
--
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
miguel torga
No cado do tio do Artur, a façanha foi de pura prestidigitação. Na altura exacta em que o rapaz, trabalhador e zeloso como sempre, murava o lameiro da ribeira, o velho sumiu-se como por encanto. Viram-no à noitinha ir buscar a jumenta da relva e trazer-lhe depois feno do palheiro da Chã, mas daí por diante os seus passos apagaram-se sem deixar rastro. Essa noite, embora de Agosto, foi escura e comprida, a condizer com a manha e a perseverança do lugarejo. E nela nem se ouviram gemidos, nem passos suspeitos, nem uivo de cão, nem pio de coruja. Nada. Ao cantar do galo, quando a aldeia acordou, havia no ambiente a mesma calma serenidade do dia anterior. As mulheres acenderam o lume e fizeram o caldo, os pedreiros, na obra do Artur, assentaram os alicerces do novo troço de parede, e só tarde, quase à hora do almoço, é que a jerica, cansada do esquecimento em que o dono a deixara na loja, deu de lá um impaciente sinal de enfado. E foi através desse aviso animal que S. Cristóvão compreendeu que o Bento Caniço habitualmente tão madrugador, não acordara ainda e que o melhor seria bater-lhe à porta.
Bateram, realmente, entraram, e não há dúvida que durante o sono lhe acontecera alguma desgraça. De que natureza, é que ninguém sabia.
A casa não estava roubada, não havia vestígios de luta nem de violência, reinava uma tal melancolia no sepulcro vazio, que o dono parecia ter subido ao céu.
De busca em busca, de suspeita em suspeita, de interrogatório em interrogatório, o mistério cada vez se adensava mais. O Caniço, nem mau nem bom, como era de regra no lugar, se não tinha amigos, também não tinha inimigos. Solteirão, o que lhe pertencia, embora de tentar, fizera-o há muito por escritura ao Artur, seu único sobrinho. De forma que ninguém descortinava maneira de encontrar fio à meada.
Ora, por mais absurdo que seja o mundo, uma criatura não desaparece de noite para dia sem fazer pensar. O homem necessita de sentir uma segurança vital a longo prazo. A morte é aceite por todos como senhora de baraço e cutelo, mas a esperar pelo freguês lá muito longe, numa encruzilhada que tem vários desvios. Por isso, o caso do Bento Caniço, evaporado na terra por obra e graça, desencadeou em S. Cristóvão um vendaval de suspeitas e de investigações. Tudo inútil. Os dias passaram, as raízes de várias sementeiras digeriram os carolos de várias colheitas, e o problema cada vez mais intrincado.
De todos os zelos pela claridade daquele sumiço, o maior era, como de justiça, o do Artur. Honrado homem no conceito da aldeia, bom cristão nos anais da igreja, dedicado à família, não houve passo que não desse, esforço a que se poupasse, a ver se conseguia decifrar o enigma. E, quando verificou que de maneira nenhuma podia valer ao corpo do tio, tentou ao menos salvar-lhe a alma. Nesse capítulo, até o padre Maurício reconheceu que a piedade do Artur roçara pelo exagero. Vinte missas em S. Cristóvao, já são missas! Juntando ainda o ofício a sete vozes, com que mandou encomendar a sombra do defunto, subiu-lhe a coisa a conto e pico, maquia de considerar.
E foi assim, dignificada na diligência vã dos estranhos e no amor devotado do sobrinho, que a memória do Bento Caniço desbotou. Outras mortes vieram, desta vez mais claras e menos perturbadoras, outros interesses ocuparam a atenção lenta e ruminadora de S. Cristóvão, e outras missas de sufrágio fizeram esquecer as vinte do Artur. Apenas as não rezou o padre Maurício. Chegara também no céu a sua vez. E da terceira indigestão do ano, rebentou. Venceu a dos pepinos e a dos pimentos, mas na dos melões o fígado não pode mais.
Era um homem bonacheirão e aberto, da boca de quem saíam, de vez em quando, confidências indiscretas que criavam o pânico no pequeno mundo de silêncio que pastoreava. Talvez para compensar a mudez colectiva, falava ele. E cada paroquiano ou arrostava o ano inteiro com o pesadelo de se não ter descosido na desobriga, ou escarolava a alma publicamente através daquele alto falante. Mas morreu e foi substituído por um colega que infelizmente não lia pela mesma cartilha. Muito mais comedido nas refeições e na língua, o novo prior tinha ideias unificadoras do animal com o meio e punha-as em prática. Seco de carnes, depressa compreendeu que a voracidade palreira do antecessor não estava de acordo com a magreza sisuda do chão de S. Cristóvão. De maneira que fartava o corpo no confessionário dos pecados da aldeia e do que ouvia nessas horas intermináveis de cochicho não vinha nunca sinal ao mundo. Fechado na batina negra, que o amortalhava do pescoço aos pés, acabava de descarregar as consciências da povoação enigmático como um cipreste. Até parecia que nascera ali e mamara a sorna germinação da terra!
No apogeu do seu reinado, chegou a vida do Artur ao fim. Apesar de moroso, o tempo vai batendo à porta de todos em S. Cristóvão. E, quando o Artur menos esperava, soou-lhe também a hora, e foi preciso prepará-lo para a grande viagem com a extrema-unção.
Morreu lúcido e é de crer que despejou o saco, na confissão demorada que fez. Pelo menos o padre Lobato, no fim, deu-lhe a absolvição, ungiu-o, e acompanhou-o depois à última morada.
-- Requiescat in pace...
-- Amen.
Honrada, a mão do Paivoto deixou então cair sobre o caixão as pazadas de terra gorda do cemitério, na comoção devida a uma alma lavada.
-- Que lhe seja leve... - choramingou a Ester.
-- Se fosse inverno, era pior... - gracejou o Jacinto.
Choravam e riam como faz a vida. Mas havia neles o sentimento pungente da negrura do momento, porque ao cabo e ao rabo o defunto fora um homem, e urdira a sua teia de mortal em tudo de acordo com os usos e costumes de S. Cristóvão.
A prova disso é que o próprio Criador, se lhe quis descobrir as malhas caídas, teve de arranjar na serra uma trovoada desmedida e fazer crescer as águas da ribeira como no dilúvio. Só assim a corrente pôde levar o muro do lameiro e mostrar sob os alicerces o esqueleto branco do Bento Caniço -- o que restava do corpo inteiro que o sobrinho ali enterrara na noite do crime, e sobre o qual os pedreiros, no dia seguinte, acamaram pedras inocentes."
Miguel Torga, "Teia de Aranha", do livro Novos contos da montanha.
Rubens e nós 6
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Último Post
Tudo começou no mês passado, quando ela se mudou para a casa ao lado. Chegou a noite provavelmente, pois só percebi algo diferente pela manhã, quando vi o carro na garagem. Mas não me importei. Não tinha como saber. Não.. Realmente. Vivemos nas trevas, meus amigos, nas trevas! Essa é a única verdade. Pensamos que sabemos tudo, pensamos que conhecemos a nós mesmos, pensamos que sabemos os limites! Quanta farsa, quanta mentira. Não conseguimos perceber as simples verdades na nossa frente. Mas só fui saber quem era ela a noite. Quando fui tirar o lixo. Terminei de colocá-lo na lixeira. A noite estava fresca. A luz cheia brilhava no céu, bela. Parecia me chamar, quando senti a brisa e o perfume. Senti alguém atras de mim, meu coração disparou e me virei, tomei um susto. Ela estava ali, a um passo de distância. Primeira vez que a vi, bela. A pele pálida contrastada pelos belos cabelos negros que emolduravam seu rosto, um cabelo cacheado, olhos verdes, usava um vestido vermelho.
- Desculpe. Não queria assustá-lo. Me mudei ontem a noite para a casa ao lado.
Estendeu a mão e se apresentou. Elizabete seu nome. Bela Elizabete. E o perfume, ah, me deixou atordoado. Mas se eu soubesse a loucura que essa mulher me traria, eu não teria ficado tão feliz, não. Um trouxa! Um fraco! isso que sou. Conversamos por algum tempo ali, debaixo do belo céu, abençoados pela lua. Minha alma seria dela naquele momento, se ela pedisse. Minha alma... Estou mesmo disposto a sacrificá-la? Alma. Não! Não posso deixá-la ter minha alma, é por isso que... Preciso me conter. Os fatos precisam ser ditos em ordem, só assim vocês poderão julgar se estou louco! Mas tenham uma mente aberta, porque vivemos nas trevas meus amigos. Viajamos pela escuridão. Isso é a vida. Um grande salão escuro. E o bizarro é que acendemos uma vela e acreditamos que tudo aquilo que vemos na luz fosca e limitada é a realidade! Realidade, essa palavra me faz rir! Se pudessemos acender a luz, se pudessemos deixar o sol entrar no salão, perceberíamos o quão errado estamos.
Naquela noite não consegui dormir. Estava feliz, confesso, feliz. A família ao lado, um casal e duas crianças, foram embora e agora a bela Elizabete morava ali. Bela, bela, bela. Seu perfume, sua voz. Eu sorria e girava na cama. Não conseguia dormir. Não perguntei quantos anos tinha, mas aparentemente éramos da mesma idade. Talvez alguns poucos anos de diferença. Pensava isso. Hoje penso diferente... Estou louco? Ousaria dizer que ela é mais velha, e não alguns anos nem algumas décadas,... Insano? Para você que me lê, talvez pareça um relato sem nexo. Mas chegarei lá. preciso contar os eventos em ordem. Preciso me concentrar. Mas nem o uísque que bebo me ajuda a conter meus nervos. Preciso da verdade.
No outro dia cheguei do trabalho e a encontrei de novo e conversamos de novo. Já era noite. Trabalho na cidade ao lado, e sempre chego em casa já de noite. De noite. Sim, só a noite. Estava feliz em poder conversar com ela, me fez esquecer da fome e do cansaço. E assim foi por um tempo. Eu costumava encontrá-la as vezes na frente de casa e conversavamos. Mas sempre a noite! Esse fato hoje parece de suma importância. Só depois que sabemos das coias é que damos valores específicos a eventos do passado. Só depois que sabemos... Até alguns dias atras isso seria irrelevante, mas hoje! Com tudo que penso é importante.. Mas o que faço? O que faço!? Tento encaixar fatos corriqueiros numa teoria maluca?!
Mas foi a duas semanas atras que começou... Não, talvez não tenha começado, mas foi a primeira vez que percebi. É engraçado como o ser humano tende a acreditar que suas percepções ditam a realidade. Por que eu não ouvia nada não existia nada? Ou estava apenas muito surdo para ouvir? Eu não conseguia dormir naquela noite, não estava muito bem do estomago. Ficava girando na cama, quando não estava no banheiro. E ouvi barulhos. Barulhos no telhado. Lembro que quando era criança e ouvia esses barulhos eu corria acordar minha mãe, e ela sempre me dizia que eram apenas gatos e para mim voltar a dormir. Naquele dia pensei o mesmo. Gatos. Mas será que eram gatos mesmo? Ou algo maior? A verdade é que todas as noites, quando eu estava acordado passei a ouvir esses barulhos. Gatos...
Foi na mesma semana que ganhei meu gato: Alfa. Pensei em nomeá-lo Carlo por um momento, mas decidi que não. Carlo era o nome que um amigo da época de faculdade gostaria de dar para seu gato, quanto o tivesse. Senti que estaria roubando a idéia dele, e optei por Alfa mesmo. Lembro que cheguei do trabalho com ele e a Elizabete estava ali fora. Resolvi mostrá-lo para ela, mulheres gostam de animais não? E foi quando aconteceu. Ainda tenho as cicatrizes no meu braço, que me fazem lembrar o momento que Alfa ficou eriçado, como se algo o tivesse possuído quando me aproximei dela com ele no colo. E ele correu. Não consegui segurá-lo. Correu para debaixo do carro e ficou lá. Fiquei olhando-o perplexo. Não entendi o que havia ocorrido. Mas isso me deu assunto para conversar com a Elizabete por algum tempo. O que me agradou, embora ela não parecesse muito confortável com a situação. Lógico que não estaria, ela... Demorou um tempo naquela noite até que Alfa decidisse sair debaixo do carro e inspecionar sua nova casa. Acho que a agradou, fiquei brincando com ele por um tempo até ir dormir.
Não dormi muito naquela noite, pois logo Alfa me acordou, ficou dando patadas leves na minha cara e se esfregando nela. Queria sair para a rua. Fui até a sala e abri a janela. Mas ele ficou ali parado, sentado do meu lado, olhando para mim. Devolvi o olhar, um pouco irritado. Só queria que ele saísse para eu voltar a dormir, precisava acordar cedo. Depois de um tempo, cheguei a conclusão que aquela situação não levaria a nada, e que talvez eu estivesse errado, e Alfa não quisesse sair. Levei minhas mãos para fechar a janela e ouvi-o soltar um grunhido. Olhei para ele e ele estava com os pelos todos eriçados olhando para o nada. Senti um frio na espinha, e por um minuto fiquei com medo de olhar pela janela, com medo do que veria. Mas pensei que era tudo bobeira e olhei. Pro meu alivio não havia nada. Foi então que surgiu um vulto pulando pelo muro e para cima. Escutei os barulhos no telhado e silêncio. Alfa havia sumido. Não sabia aonde ele estava. Eu tremia. Tremia. O que tinha sido aquilo? Fechei a janela e acendi as luzes. Estava em pânico. Resolvi tomar um uísque. Foi o começo. O começo da minha queda mental. Ah meus nobres leitores. Talvez vocês já saibam, já tenham teorizado tudo. Mas é possível? É possível? Mas tem mais.
Quando criança, eu sempre fui medroso. E lembro que eu costumava ver coisas. Uma vez acordei e posso jurar que havia um demônio no meu quarto, ao lado do armário. Fiquei olhando para ele em pânico e comecei a gritar pela minha mãe, que veio correndo e quando ela acendeu a luz, não havia nada ali. Apenas o armário. Hoje, penso que foi apenas um delírio infantil depois de um pesadelo. Mas será? Será que não tinha nada ali? Outra vez, também criança, presenciei algo único. Olhando pela janela de vidro da sala, eu posso jurar que vi uma sombra passando por elas. Foi rápido. Eu sai correndo, procurei meu pai, abracei ele e fiquei ali com medo. Uma sombra. Também, hoje, acredito que foi um delírio, talvez um jogo de vista, quando você passa o olho rápido por algo e tem impressão que tem algo, mas quando volta o olhar, percebe que não era nada. Mas, quando criança, esses eventos me pertubaram. Poderia nomear alguns outros mais. Mas não. Sempre pensei nesses eventos como manifestações de meu medo. Aquele medo irracional, que ninguém conseguiria entender, por mais que se tente explicar. Eu estava nessa situação. Esses vultos, delírios de infância que tanto tentei racionalizar voltavam a tona. O que eu acabara de ver pela janela não seria apenas uma passada de olho? Foi uma impressão rápida com certeza. E os barulhos no telhado? Não seriam só coincidência. Isso. Coincidência. Me convenci que era coincidência. Nessa noite, dormi com as luzes acessas, algo que eu não fazia desde pequeno. A partir de então, sempre que eu ouço um barulho deitado eu acendo a luz. Amedrontado. Alfa costuma sumir a noite, quando eu chego do trabalho, e volta de manhã, quando estou saindo. Me pergunto se isso é normal de todo o gato, ou se ele se sente mais seguro dormindo de dia e o mais longe possível de casa a noite.
Elizabete. Bela Elizabete. Contei para ela sobre essas coisas. Não deveria ter feito. Não. Não deveria realmente. Me arrependo profundamente. Talvez seja isso... Ou estou vendo coisas demais aonde elas não existem? Como quando criança, me apavorando por nada. As trevas meu amigo! São as trevas! A verdade é outra. A verdade é que quando somos crianças somos mais abertos para o mundo. Crescer é receber um vendas sobres seus olhos, ganhar restrições nas suas percepções. Será que não é isso? Será que, naquela época eu não estava mais aberto para outras possibilidades do mundo, para outras verdades? Os adultos as ignoram com certeza. E o que sou, se não um adulto? Mas não tenho como saber. Eu disse para ela. Contei sobre a noite anterior e ela riu. Me fez sentir como um tonto. E deitei mais sussegado naquela noite. Deitei rindo, pensando em como tudo aquilo não era besteira. Ilusões de uma mente em pânico. Talvez uma essência de minha alma medrosa da infância, que ainda permanecia mesmo adulto. E dormi.
Sonhava com a querida e bela Elizabete. Mas havia algo de sinistro no sonho e acordei assustado. Acendi a luz, recuperei um pouco de minha sanidade, e a apaguei de novo. Me virei, estava quase dormindo quando ouvi um barulho no quintal. Meus ouvidos ficaram mais atentos. Talvez não fosse nada. Então ouvi um barulho na janela do meu quarto, uma pancada. Pulei da cama, acendi a luz desesperado, meu coração a mil. O que era aquilo? Um morcego que talvez se chocou na janela? Estava ofegando, desesperado. Ficava olhando para ela. Mas nada. Nenhuma resposta, nenhum barulho. Desespero. Trevas. Criei alguma coragem e avancei até ela. Fiquei parado ali em frente, observando-a. Comecei a pensar que não era nada. Algum pássaro talvez. Silêncio. Meu coração começou a se acalmar, minha respiração normalizou. Foi só então que percebi o barulho, bem baixo do outro lado. Aquele som. Podia jurar, jurar que do outro lado da janela havia alguém. Eu ouvia o barulho de uma pessoa respirando, e o pânico subiu a minha cabeça. Eu estava ficando louco. O que eu deveria fazer?! Abrir a janela era a única resposta. Abrir a janela e ver o que estava do outro lado. Mas não tinha coragem. Não sei quanto tempo se passou ali, até que decidi que para minha própria sanidade só havia uma resposta. Girei a chave do cadeado. Respirei, e puxei a janela. Não havia nada. Apenas escuridão. Fechei-a e sentei na cama aliviado. Me deitei de novo e dormi, pela segunda vez com a luz acessa.
Eu estava sendo possuído pela insanidade. Mas era a doce Elizabete que me trazia de volta ao reino da razão. Contei para ela de novo minha experiência estranha. Ela me disse para procurar um psicólogo e deu risada. Me sentia como um tonto quando conversava com ela sobre essas coisas. O mundo parecia tão óbvio, tão real. As trevas se dissipavam. Meus medos irracionais iam embora. Quanta ingenuidade, existe algo de sinistro em tudo isso. Eu sei que existe e provarei. Mas antes preciso terminar meu relato. Até aqui, talvez não tenha nada demais, só minha mente perturbada. Talvez, vocês achem que eu deva ir a um psicólogo lendo tudo isso. Mas não. Sinto que eu nunca pude ver tão claramente. Eu sei o que preciso fazer.
Foi a quatro dias atras. Eu estava trabalhando num relatório em casa até tarde e tenho a mania de andar pela casa enquanto reflito. Odeio escrever. Mas é necessário... E entre um paragrafo e outro eu dava uma volta pela casa. Até que resolvi andar pelo quintal também. Estava ali, era lua cheia novamente. Maravilhosa lua, nos olhando da distância. Ela deve saber das coisas mais do que eu, do seu ponto de vista privilegiado. E eu estava ali no quintal, andando de um lado para o outro com uma caneca de chá na mão pensando quando eu ouvi os barulhos no telhado e isso fez um frio percorrer minha espinha e posso jurar que vi minha doce Elizabete no telhado da casa dela. Foi muito rápido, muito rápido. Mas a vi nos olhos e, por isso, tenho certeza que ela me viu também se ela realmente estivesse ali. Muito rápido, um segundo ela estava ali, e no outro já tinha desaparecido. Deixei a canecar cair e o chá quente queimou meu pé, embora só fosse perceber isso alguns minutos depois, quando estivesse com a porta bem fechada e sentado no meu sofá. O que foi aquilo? Real? Mesmo que fosse real, com certeza tinha uma explicação. Não conseguia explicar. Lembrei do Alfa e da reação estranha a ela. E comecei a tremer. Meu coração, minha respiração. Estava em pânico. Essa noite não dormi. E confesso que senti um alívio quando sai de manhã para o trabalho.
Esperava encontrar Elizabete e contar essa estranha história para ela. Imaginei ela me chamando de loucos, nós dois rindo juntos e eu mais aliviado. Mas não a encontrei quando cheguei do trabalho. Achei que seria muito ousado ir até a casa dela buscando conversa. Não sabia se tínhamos já intimidade para tanto. Fiquei em casa, pensando em tudo aquilo, em todas as experiências recentes. E talvez por não ter dormido na noite anterior, cai no sono ali no sofá mesmo, o dia tinha sido estressante. Acordei no meio da madrugada. Resolvi tomar um copo de água e ir para a cama. Andei até a cozinha e parei na porta, travado. A janela da cozinha dá para o quintal de casa e ela é de vidro. Não dava para ver muita coisa por causa da escuridão, mas havia uma sombra estranha ali. Meu coração disparou e eu acendi a luz da cozinha e do quintal ao mesmo tempo e gritei, gritei em terror. Ela estava no quintal. Ela estava ali, os olhos vermelhos, e os dentes, os dentes... Eu estava em pânico. Não sabia o que fazer. Comecei a rezar, rezar, pelo amor de deus! E quando abri os olhos de novo ela havia sumido. Não dormi. Fiquei no meu quarto, sentado num canto com uma faca a noite inteira, e só quando amanheceu que me aliviei. Peguei meu carro e fui pro trabalho. Deus, o que foi tudo isso? Não voltei para casa, fiquei num hotel e estou aqui até hoje, aonde estou escrevendo.
Estou louco? Estou Insano? Não! Tem que haver explicação. Tem que haver uma explicação. E eu preciso das respostas. Preciso delas. Não conseguirei viver sem tê-las. Minha mente está em agonia E eu conheço a cura. A única cura possível. Preciso voltar para casa e enfrentar a situação. Preciso investigar Elizabete, dar um jeito de entrar na casa dela, dar um jeito de saber quem ela é. Eu preciso disso! E se eu estiver certo, ah se eu estiver certo. Preciso de respostas para toda essa escuridão. E esse post será meu testamento para vocês, caso eu não volte. Não deixo nenhum bem material a vocês, meus queridos leitores, mas deixo minha insanidade.
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
resenha
2. Deathspell Omega / A chore for the lost //Álbum: Fas - Ite, Maledicti, in Ignem Aeternum [2007]
3. The Pogues / Waxie's Dargle // Álbum: Red roses for me [1984]
1.
"Talvez seja melhor calar,
porque falando é meio caminho andado.
Por outro lado, eu fiz um estudo
e sei que é melhor falar besteira do que ser mudo.
E sendo eu um grande entendido no assunto,
eu paro e vejo como tem gente besta no mundo.
E sinto quão sábia é a vaca,
que segue cagando e andando pra não fazer ruma.
Mas eu posso ver mais longe,
sobre a cabeça do povo.
Mamãe diz que eu sou um pão
e o que vale é a intenção."
2.
Every human being not going to the extreme limit is the servant or the enemy of man and the accomplice of a nameless obscenity.
Let us be a blight on the orchard, on all orchards of this world, even the least of these words will be judged during the times of reckoning, bearing a latent damnation, a feverish seduction exasperated in death, every letter is a code to extreme horror, utter contempt and divine conflict; it is a lethal to speak the language of resistance, every gasp exhales a particle of the
remission of Golgotha, as if the blazing Logos demanded the exercise of the fragile power just above the annihilation, the one of a harmony in ruins; it is a task for a man who cannot bear any longer to be, a chore for the lost in the denial of free will: perinde ac cadaver.
Le vent de la Vérité a répondu comme une gifle à la joue tendue de la piété.
God of terror, very low dost thou bring us, very low hast thou brought us..."
3.
ou: http://www.youtube.com/watch?v=jAufzEH0ZMY&feature=related
"Says my aul' wan to your aul' wan
'Will ye go to the Waxies dargle?'
Says your aul' wan to my aul' wan,
'I haven't got a farthing.
I went up to Monto town
To see Uncle McArdle
But he wouldn't give me a half a crown
For to go to the Waxies dargle.'
What will ya have?!
I'll have a pint!
I'll have a pint with you, Sir!
And if one of ya' doesn't order soon
We'll be chucked out of the boozer!
Says my aul' wan to your aul' wan
'Will ye go to the Galway races?'
Says your aul' wan to my aul' wan,
'I'll hock me aul' man's braces.
I went up to Capel Street
To the Jewish moneylenders
But he wouldn't give me a couple of bob
For the aul' man's red suspenders.'
Says my aul' wan to your aul' wan
'We got no beef or mutton
If we went up to Monto town
We'd get a drink for nuttin''
Here's a nice piece of advice
I got from an aul' fishmonger:
'When food is scarce and you see the hearse
You'll know you have died of hunger.'"
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
conversa de busão
terça-feira, 30 de novembro de 2010
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
-- Mamãe, já sei o que eu quero ser?
-- É mesmo meu queridinho! O quê?!
-- Paisagem.
...
Há muitos anos atrás, Joãozinho, um arbusto sem raízes, estava já com mais de metro e meio. Os pais mudaram de casa. Os novos moradores não gostaram do estilo do jardim e, em um dia de churrasco, cortaram Joãozinho na altura das canelas, usaram os braços para acender a churrasqueira e fizeram do tronco o prato principal de uma bela fogueira.
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
Coletânea de ideias subdesenvolvidas
2- Só escreve quem passa mal. Só quem passa bem tem o direito de julgar em que grau é idiota quem escreve.
3- O som de uma cadeira quebrando na parede; o som de um violão quebrando na parede; uma musiquinha bonita de 3 ou 4 notas, vinda não sei de onde, tocando durante horas no meio da madrugada; carrinho de necrotério [?] andando sozinho devagar/rápido no quintal; o som de um crânio sendo quebrado conra o asfalto é sempre prejudicado/abafado pelos miolos que eventualmente/necessariamente o preenchem; o som de alguém vomitando/chorando no meio da noite.
4- anotações de ideias subdesenvolvidas.
5- Bateram na porta às 3:26 da manhã:
- Joãozinho!
- Que foi ?! (gritou raivoso dormindo)
- Posso entrar?
- Pode! (gritou raivoso dormindo)
Abriu a porta e entrou e estava pelada - UAU!, gritou raivoso dormindo - depois entrou mais outra, que Joãozinho nunca antes em sua vida toda havia visto. Essa outra também estava pelada.
1,2,3,4,5,6,7,8,9,10
...
1,2,3,4,5,6,7,8,9,10
Depois entrou mais outra que era igual a anterior, e igualmente estava pelada. Passaram-se dois segundos e entrou pelada mais outra que era igual às duas anteriores. Depois disso, a cada dois segundos entrava pelada uma nova igual à anterior, até que não coubesse mais nada entre as paredes, e mais nada entre o chão e o teto.
Joãozinho estava com muita sede mas não tinha como ir até a cozinha. Os olhos ardiam e ainda faltava tempo até o sol nascer.
6 - Se escrever um blog não fosse apenas passatempo, seria, então, uma profunda imbecilidade.
7- Outro dia descobri que a vida é muito mais simples do que parece. O segredo está em não levar tão a sério as coisas. Sim! É isso! É preciso superar as adversidades/a dominação para evitar a reprodução do fracasso. Então saí de casa capaz de criar novas possibilidades. Entretanto, de repente, sem que eu pudesse evitar, veio um caminhão e me atropelou bem na cabeça! Depois disso os miolos se espalharam sem levar a sério as coisas.
1,2,3,4,5,6,7
...
1,2,3
O asfalto ficou quentinho e nojento.
8- "Isso vai mal" - Graciliano Ramos
9- "Sim. Não. Sim. Não" - Graciliano Ramos
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Rubens e ela 5
fiquei com cara de bunda, acho, quando o rubens me apresentou a ela com toda essa naturalidade. acho que foi uma cara de merda qualquer porque ela também fez uma cara que misturava incredulidade, alívio e raiva. ou assim quero eu acreditar. não, eu não acreditava que o rubens tinha feito o mesmo plano com outra pessoa. sim, eu estava aliviado de poder dividir o trabalho com mais uma pobre alma. e sim, eu estava com muita raiva, mas não sabia de quê. estávamos congelados, ainda sem saber o que fazer a não ser trocar olhares constrangidos e curiosos. ela disse: "que merda, rubens! qual o seu problema?". ele respondeu que decidiu envolver-me porque precisava de mais controle sobre o pedrafilosofal. não ia contar nada a nenhum de nós dois. mas disse que estava notando uma angústia muito parecida em nós "acho que pode ser a perspectiva de que os dois vão levar na bundinha junto com o pedrafilosofal no fim do ano que vem". isso era verdade. eu sabia desde o começo que ia me foder assim que o pedrafilosofal tivesse sua eleição impugnada pela justiça eleitoral. "vocês dois estiveram dispostos a sofrer todas as consequências desde o começo mesmo sabendo que minha bunda estaria salva. achei que pelo menos isso seria algo em comum entre vocês. sabiam que comigo não ia acontecer nada. no máximo um tarzanzinho ia ficar pendurado. coisa de um peteleco". rubens explicou que no máximo ele seria rebaixado do cargo de redator chefe quando viu a expressão de incompreensão dela ao ouvir a palavra "tarzanzinho". só sei que no fim ficou tudo bem. depois de muita explicação e passada a raiva, começamos a conversar os três sobre o plano. na verdade o rubens mais observava enquanto eu e ela partilhávamos nossas experiências e nossas esperanças para um futuro já não muito distante. às vezes acho que o rubens gosta de brincar de marionetes. antes achava que era com o pedrafilosofal só. pensando bem, agora, acho que comigo e com ela também. rubens filhodaputa. fazer o que? não temos mais volta. o rubens me disse uns meses depois que ela queria falar comigo. e me passou o número dela. então combinamos de foder com o rubens.
domingo, 21 de novembro de 2010
resenha
-- Acho que já ouvi o suficiente.
-- Mas, ao menos, preste atenção agora... – e cortou-me no meio da frase. Seu juízo dava-lhe, supunha, segurança para todos os argumentos de autoridade imagináveis. Sorte minha a debilidade de sua imaginação. Mesmo assim aproveitava, com redundâncias, as parcas elaborações que lhe vinham em turbilhão língua afora. Bem poderia eu ter apenas saído de mansinho, rabo entre as pernas, servil, um comportamento exemplar, porém não, resolvo meter os pés pelas mãos, quero elucidar para mim mesmo o quanto estou correto e todos os outros estão errados, ou, no mínimo, potencialmente equivocados até que eu tenha uma opinião sobre seus pensamentos e ações. Lembro-me: a unha do dedinho incomodando, sapato do pé esquerdo justo demais, desgraça, talvez encrave, ou, quem sabe, perco a unha, inútil. De repente, percebo um silêncio e retorno minha atenção para o momento: está a encarar-me, espera minha resposta para sei lá o que de tão grave precisava exortar em minha moral, presumo. Fecho um pouco o olho esquerdo, tamborilo a mão direita no queixo, disfarço refletir, e comento:
-- Sabe... Peço arrego.
Viro as costas e bateria a porta, caso houvesse.
Obs: o vídeo não apresenta a música completa...
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Ficou passeando por esquinas aleatórias, sem esperança, apenas pelo prazer de andar durante uma manhã nublada. Não havia nem um bar, um que fosse, pelamordedeus, aberto.
Um ônibus, dois ônibus, parou de contar, passavam pelo ponto em estava sentado. Encarava os passantes para poder dizer bom dia, agora estava mais disposto, queria tirar as pessoas do isolamento matinal, provavelmente prolongado dia afora, fosse pelo trabalho, pela procura deste, pelas ilusões de um dia melhor, pelas desilusões com o momento.
Tempo vai, tempo vem, desistiu. Deixou-se levar pelas horas dos relógios espalhados pelos homens no mundo enquanto apreciava, com calma e alegria, o vagar das nuvens, suas amigas e familiares, que seguiam os caminhos dos ventos para, logo mais, logo menos, dissiparem-se.
domingo, 14 de novembro de 2010
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Rubens e eu 4
resenha
2. Swans / Thank you // Álbum: Filth [1983]
1 -
“Get drunk
Get drunk
Breathe in
Breathe in
Hold it in
Hold it in
Don’t breathe
Don’t breathe
Blackout
Blackout
Blackout
Blackout
Blackout
Don’t talk until you’re spoken to
Don’t talk until you’re spoken to
Don’t breathe
Don’t breathe
Blackout
Blackout
Blackout
Blackout
Blackout
…”
2 -
“Talk to me
Tell me the truth
This smells sour
Burn my face
…
…
This smells sour
Burn me now
…
…
Burn my face
This smells sour
Burn me now”
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
Variação: Dexter
Alguns metros dali estava ele: sentado e observando. Assistia os últimos minutos do jornal no conforto de seu sofá, dentro de sua aconchegante casa. Quando acabou o programa, desligou a TV e foi para seu quarto.
Eles inspiraram com satisfação. As mãos apertadas no volante. A qualquer minuto agora. Faltava pouco, pouco. A noite seria longa, só mais alguns minutos. Precisavam se assegurar que ele já estaria dormindo quando entrassem. Era assim que a caçada funcionava, embora, com certeza, fosse mais divertido quando a caça tinha ciência do seu predador. E eles iriam assegurar que ela soubesse, mas no momento certo. Por enquanto aguardavam. A qualquer momento. Uma hora , uma eternidade, mas o agora chegou, finalmente, e eles desceram do carro.
Caminharam até a porta pelas sombras. Se asseguraram que não havia olhos indesejados e em segundos arrombaram a porta. Estavam experientes nisso já, tão rápidos e eficientes como se tivessem a chave. Moveram-se silenciosamente. Estava escuro, mas não se importaram. Os sentidos estavam no auge. Tudo parecia tão claro. E já estiveram ali, claro, conheciam muito bem a casa. E se moveram rapidamente até o quarto. Deram uma espiada lá dentro. Dormia. Muito bom. Foram ao banheiro primeiro, não porque precisavam usá-lo, mas para deixar uma pequena linda supresa. E retornaram ao quarto, desta vez para ficar.
Observaram a caça e uma estimulante sensação percorreu cada músculo de seus corpos. Eles suspiraram em prazer. Logo ele seria deles. Inspiraram. Logo. Expiraram. Ele tinha uma poltrona logo ao lado da cama. O lugar perfeito para se sentar e observar. Admiravam sua caça, enquanto aguardavam. Não havia graça em eliminá-la assim, inconsciente, sem saber porque e por quem. A qualquer minuto. Cada segundo a fome aumentava. Eles resistiam, sabiam que isso só aumentaria a satisfação. E aconteceu.
Do banheiro uma música começou a soar. Ele acordou assustado. Conhecia aquela música, eles sabiam, e observavam. Ele correu até o banheiro, sem perceber que não estava sozinho no quarto e ali estava ele, dentro da pia, soando. Ele conhecia aquele celular, mas o que fazia ali? Caminhou trêmulo e o pegou. Na tela havia uma mensagem: "Bu!". Eles sabiam que não era muito criativo, mas fazia o serviço, e antes que ele pudesse reagir, um cabo estava em torno do seu pescoço. Tão forte que ele não conseguia respirar.
- É inútil resistir contra nós. - E logo ele estava inconsciente de novo.
A lua, bela, bela, bela lua. No seu auge, tão perfeita, tão cheia, dominando o céu. Assim como eles dominavam o homem na terra. Tão bela lua, os agraciando em seus movimentos. E finalmente o homem acordou. Confuso. Olhou em volta, estava sozinho naquele bosque. Como fora parar ali? Estava na sua casa e... Medo começou a lhe encher a alma. Olhou em volta, conhecia aquele lugar, era familiar. Seus sentidos alerta, se levantou e de novo o cabo estava em torno do seu pescoço. Forte, como da última vez. Sentiu uma pancada nas suas costas e caiu de joelhos. O cabo afrouxou um pouco e conseguiu respirar.
- Reconhece esse lugar? - Eles disseram, saboreando cada palavra.
- Eu, eu... quem é vo... - antes que pudesse terminar a frase sentiu o cabo apertar contra seu pescoço. Não podia respirar.
- Nós sabemos o que você fez. De novo e de novo e de novo. Mas nunca mais. - e eles aliviaram o cabo um pouco, o suficiente para deixá-lo respirar. Eles estavam em controle. E eles garantiram que ele soubesse disso.
- Argh.. Não sei do que estã... - E novamente ficou sem poder respirar. Eles se deliciavam com aquela sensação.
- Nós sabemos. E você sabe também. - Eles respiraram, o ar nunca parecia tão fresco como nesses momentos - vamos começar?
Eles entraram no carro. Estava feito e era hora de se despedirem. Deixou o demônio desvanecer-se nas trevas de sua alma. Ligou o carro. Sacrificou seu poderes para ser humano novamente, por um tempo. Acelerou. Por um tempo apenas, pois eles se veriam de novo e de novo, num ciclo sem fim.
terça-feira, 9 de novembro de 2010
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Rubens e eu 3
bem, resolvido meu problema financeiro, estava na hora de causar problemas financeiros para o filhodaputa. mas desses problemas que ficam escondidos até o momento certo. eu não podia simplesmente forjar números. porque isso seria descoberto com a menor investigação. fiquei trabalhando cerca de um ano e meio só ganhando confiança e liderança no gabinete. ao fim desse tempo consegui me tornar assistente geral. foi o timing perfeito. junto com minha promoção iniciaram-se as campanhas para as eleições municipais e o filhodaputa era uma figurinha que todo candidato do partido queria estampar na testa. eu como cabeça do gabinete em brasília pude perceber algo antes do rubens: nossa campanha de promoção do filhodaputa estava sendo um sucesso. me encontrei com o rubens no rio de janeiro na semana logo após o resultado das eleições municipais e pudemos constatar atônitos. éramos os melhores relações públicas que alguém podia encontrar. foi quando decidimos rebatizar o filhodaputa vendo que todos os candidatos que ele apoiou foram muito bem sucedidos. o filhodaputa era o responsável por várias prefeituras importantes no nome de seu partido. "filhodaputa é o caralho do teu pai fodendo tua mãe. o cara agora chama pedrafilosofal. tudo que ele toca vira ouro", me disse o rubens entre um café e várias risadas. ainda naquela tarde o telefone do rubens tocou. "oi. isso mesmo! foi lindo! pode ver que estamos muito bem. tá fazendo um bom trabalho. não, não, você principalmente. amanhã estarei em são paulo e nos vemos. até". olhei pro rubens, que havia ganhado uns quilos e o hábito de fumar charuto. "rubens, pra quem você tá contando do nosso plano?". não sei porque, talvez o "foi lindo!", mas achei que aquela conversa no telefone era sobre o sucesso indireto do pedrafilosofal nestas eleições. o rubens disse que não. que estava falando com uma jornalista e confessou sorridente que estava querendo comê-la. o rubens é foda.
domingo, 7 de novembro de 2010
Rubens e eu 2
Domingo à noite.
Decidiu que precisava de algo para influenciar seus pensamentos e encheu meio copo de Whisky com gelo. Levou ao nariz e deu uma inspirada. A quanto tempo não sentia esse maravilhoso cheiro. Cheirou de novo e de novo. Maravilhoso aroma da existência.
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Dia de Halloween
No meu tempo, um "Não tem doce" atravessado seria motivo para quebrar a janela do indivíduo egoísta que com certeza tinha Gostosuras e não as quis dividir; tocar fogo no jardim dele...
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Rojoada
Na próxima eleição acontecerá, portanto, "festa da democracia" debaixo da urna da minha seção eleitoral - desde que a classe revolucionária dos mesários cumpra seu papel, que é o de estarem lá todos os elementos que a representam, trampando, para morrerem de rojoada como, bonitamente, merecem. Evidentemente que este ato deverá trazer o questionamento ético a respeito da perda da mão do eleitor seguinte. Mas, pensando bem, o questionamento dura apenas até o momento em que o reacíssimo eleitor fizer-me o favor de apertar 45, apenas 1 segundo antes de que exploda-lhe a mão direita.
Este ato não será revolucionário nem nada. Este ato será ato de travessura de dia de haloween, o qual cai no mesmo dia do segundo turno da eleição, todos os anos! E o halloween anda totalmente bunda mole e vendido ao capitalismo, hoje em dia...
Rubens e eu
imagem
De repente, tocam no seu traseiro, um objeto branco interpõe-se no macio azul-desbotado, gentil mas mesmo assim com intenções equivocadas. O equívoco percebido do ponto de vista de Oswaldo, naturalmente. Ele afundou por instantes na incompreensão e quando deu por si o macio azul-desbotado ficou longe, arremessado foi, junto com o objeto branco, para um novo lugar. Fazer o quê?, deveria seguir outro rumo, incerto, com um possível pisão a esperá-lo quando ele menos esperasse. Mas acostumou-se, em sua breve existência, com a abolição da necessidade da espera, do destino, da sorte, inclusive da espera do inesperado, nada disso ocupava seus passos, inabalável certeza de que na sucessão de infortúnios ainda haveria algo de fortuito logo ali.
Surgiu sorrateiro, foi expulso sem julgamento, a procurar outro lugar, com ou sem macio azul-desbotado.
terça-feira, 2 de novembro de 2010
[sem nome]
Em um mundo onde as distâncias foram encurtadas, as relações foram intensificadas e aumentadas em número. As relações se tornaram mais importantes.
Como eram muitas, foram simplificando-se até se tornarem instrumentais.
Em um mundo onde as relações são importantes e simplificadas, a imagem se torna ferramenta essencial para articular essas relações.
A relação simplificada em instrumento do capital e as imagens enquanto fundamentais na existência dessas relações transformam o mundo em um espetáculo vazio.
Em um mundo espetacular, no qual as relações são vazias, essas tornam-se produtos.
b.
O ser humano médio, a família média, a vida média contemporanea têm suas bases no consumo.
O consumo é o sustentáculo da vida contemporânea.
Ao eximir-se de culpa no que diz respeito as desigualdades, redime a humanidade e simplifica as condições de vida.
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
murilo rubião
(Isaías, XIII, 22)
Pegara novamente no sono e sonhou que estava sendo serrado na altura do tórax. Acordou em pânico: uma poderosa serra exercitava os seus dentes nos andares de cima, cortando material de grande resistência, que se estilhaçava ao desintegrar-se.
Ouvia, a espaços, explosões secas, a movimentação de uma nervosa britadeira, o martelar compassado de um pilão bate-estaca. Estariam construindo ou destruindo?
Do temor à curiosidade, hesitou entre verificar o que estava acontecendo ou juntar os objetos de maior valor e dar o fora antes do desabamento final. Preferiu correr o risco a voltar para sua casa, que abandonara, às pressas, por motivos de ordem familiar. Vestiu-se, olhou a rua, através da vidraça tremente, na manhã ensolarada, pensando se ainda veria outras.
Mal abrira a porta, chegou-lhe ao ouvido o matraquear de várias brocas e pouco depois estalos de cabos de aço se rompendo, o elevador despencando aos trambolhões pelo poço até arrebentar lá embaixo com uma violência que fez tremer o prédio inteiro.
Recuou apavorado, trancando-se no apartamento, o coração a bater desordenadamente. -- É o fim, pensou. -- Entretanto, o silêncio quase que se recompôs, ouvindo-se ao longe apenas estalidos intermitentes, o rascar irritante de metais e concreto.
Pela tarde, a calma retornou ao edifício, encorajando Gérion a ir ao terraço para averiguar a extensão dos estragos. Encontrou-se a céu aberto. Quatro pavimentos haviam desaparecido, como se cortados meticulosamente, limadas as pontas dos vergalhões, serradas as vigas, trituradas as lages. Tudo reduzido a fino pó amontoado nos cantos.
Não via rastros das máquinas. Talvez já estivessem distantes, transferidas a outra construção, concluiu aliviado.
Descia tranquilo as escadas, a assoviar uma música em voga, quando sofreu o impacto da decepção: dos andares inferiores lhe chegava toda a gama de ruídos que ouvira no decorrer do dia.
-- Obras de rotina. Pedimos-lhe desculpas, principalmente sendo o senhor nosso único inquilino. Até agora, é claro.
-- Que raio de rotina é essa de arrasar o prédio todo?
-- Dentro de três dias estará tudo acabado -- disse, desligando o aparelho.
-- Tudo acabado. Bolas. -- Encaminhou-se à minúscula cozinha, boa parte dela tomada por latas vazias. Preparou sem entusiasmo o jantar, enfarado de conservas.
Sobreviveria às latas? -- Olhava melancólico o estoque de alimentos, feito para durar uma semana.
O telefone tocou. Largou o prato, intrigado com a chamada. Ninguém sabia do seu novo endereço. Inscrevera-se na Companhia Telefônica e alugara o apartamento com nome suposto. Um engano, certamente.
Era a mulher, a lhe aumentar o desânimo:
-- Como me descobriu? -- Ouviu uma risadinha do outro lado da linha. (A gorda devia estar comendo bombons. Tinha sempre alguns ao alcance das mãos.)
-- Por que nos abandonou, Gérion? Venha para casa. Você não viverá sem o meu dinheiro. Quem lhe arranjará emprego? (A essa altura Margarerbe já estaria lambendo os dedos lambuzados de chocolate ou limpando-os no roupão estampado de vermelho, sua cor predileta. A porca.)
-- Vá para o diabo. Você, seu dinheiro, sua gordura.
Buscou no bolso um cigarro e verificou com desagrado que tinha poucos. Esquecera de fazer maior provisão de maços. Mandou o nome da mãe.
A mão pousada no fone, colocado no gancho, Gérion fez uma careta ao ouvir de novo o toque da campainha.
-- Papai?
Abriu-se num sorriso triste.:
-- Filhinha.
-- Você bem poderia voltar, ler para mim aquele livro do cavalo verde.
A parte decorada terminara e Seateia começava a gaguejar:
-- Pai... A gente gostaria que viesse, mas sei que você não quer. Não venha, se aí é melhor...
A ligação foi interrompida bruscamente. De início suspeitara e logo se convenceu de que a filha fora obrigada a lhe telefonar, numa tentativa de explorá-lo emocionalmente. Àquela hora estaria apanhando por não ter obedecido à risca as instruções da mãe.
Nauseado, lamentava o fracasso da fuga. Tornaria a partilhar do mesmo leito com a esposa, espremido, o corpo dela a ocupar dois terços da cama. O ronco, os flatos.
Mas não poderia deixar que fosse transferido a Seateia o ódio que Margarerbe lhe dedicava. Recorreria a todas as formas de tortura para vingar-se dele, através da filha.
Oito andares abaixo, a escada terminou abruptamente. Um pé solto no espaço, retrocedeu transido de medo, caindo para trás. Transpirava, as pernas tremiam.
Não conseguia levantar-se, pregado ao degrau.
Foi demorada a recuperação. Passada a vertigem, viu embaixo o terreno limpo, nem parecendo ter abrigado antes uma construção. Nenhum sinal de estacas, pedaços de ferro, tijolos, apenas o pó fino amontoado nos cantos do lote.
Voltou ao apartamento ainda sob o abalo do susto. Deixou-se cair no sofá. Impedido de regressar a casa, experimentou o gosto da plena solidão. Sabia do seu egoísmo, omitindo-se dos problemas futuros da filha. Talvez a estimasse pela obrigação natural que têm os pais de amar os filhos.
Gostara de alguém? -- Desviou o curso do pensamento, fórmula cômoda de escapar à vigilância da consciência.
Aguardava paciente nova chamada da mulher e, ao atendê-la, ia nos seus olhos um sádico prazer. Há longo tempo vinha aguardando essa oportunidade, para revidar duro as humilhações acumuladas e vingar-se da permanente submissão a que era constrangido pelos caprichos de Margarerbe, a lhe chamar, a toda hora e na presença dos criados, de parasita, incapaz.
Escolhera bem os adjetivos. Não chegou a usá-los: uma corrente luminosa destruiu o fio telefônico. No ar pairou durante segundos uma poeira colorida. Fechava-se o bloqueio.
Acordou tarde da noite com um grito terrível a ressoar pelos corredores do prédio. Imobilizou-se na cama, em agônica espera: emitiria a máquina vozes humanas? -- Preferiu acreditar que sonhara, pois de real só ouvia o barulho monótono de uma escavadeira a cumprir taredas em pavimentos bem próximos ao seu.
Tranquilizado, analisava as ocorrências dos dias anteriores, concluindo que pelo menos os ruídos vinham espaçados e não lhe feriam os nervos com o serrar de ferros e madeira. Caprichosos e irregulares, eles mudavam rapidamente de andar, desnorteando Gérion quanto aos objetivos da máquina. -- Por que uma e não várias, a exercer funções diversas e autônomas, como inicialmente acreditou? -- A crença na sua unicidade entranhara-se nele sem aparente explicação, porém irredutível. Sim, única e múltipla na sua ação.
Abeirava-se o momento crucial e custava-lhe conter o impulso de ir ao encontro da máquina, que perdera muito do antigo vigor ou realizava seu trabalho com propositada morosidade, aprimorando a obra, para fruir aos poucos os instantes finais da destruição.
A par do desejo de enfrentá-la, descobrir os segredos que a tornavam tão poderosa, tinha medo do encontro. Enredava-se, entretanto, em seu fascínio, apurando o ouvido para captar os sons que àquela hora se agrupavam em escala cromática no corredor, enquanto na sala penetravam os primeiros focos de luz.
Não resistindo à expectativa, abriu a porta. Houve uma súbita ruptura na escalada dos ruídos e escutou ainda o eco dos estalidos a desaparecerem céleres pela escada. Nos cantos da parede começava a acumular-se um pó cinzento e fino.
Repetiu a experiência, mas a máquina persistia em se esconder, não sabendo ele se por simples pudor ou se porque ainda era cedo para mostrar-se, desnudando seu mistério.
No ir e vir da destruidora, as suas constantes fugas redobravam a curiosidade de Gérion, que não suportava a espera, a temer que ela tardasse em aniquilá-lo ou jamais o destruísse.
Pelas frinchas continuavam a entrar luzes coloridas, formando-se e desfazendo no ar um contínuo arco-íris: teria tempo de contemplá-la na plenitude de suas cores?
Cerrou a porta com a chave."
"O Bloqueio", de Murilo Rubião.
Ainda bem que o Serra não ganhou, para mostrar para nós como o Brasil é ainda um país com muitas diferenças, que só o "Mercado" não resolve esses problemas e que devemos exercer a crítica do que estamos a ver acontecer, que as diferenças econômicas, sociais, ou seja, de classe, ainda são muito discrepantes nesse país.
domingo, 31 de outubro de 2010
Revolução - Tudo ou Nada
Era hora de tomar alguma medida. Assim, as forças policiais foram mobilizadas. Eles deviam buscar os faltosos e trazê-los a força para o trabalho. Em ação paralela, a juíza deveria convocar compulsoriamente alguns eleitores na fila para compor as seções. Entretanto, algo misteriosamente gratificante para a revolução que tomava conta do país acontecia. Ao serem convocados a trabalhar, e ganharem todos os deveres de um mesário, Seu Zé e Dona Maria se transformavam em Companheiro José e Companheira Maria. A consciência de classe os adentrava e os transformava, e eles também tomavam a atitude revolucionária de retornar as suas casas e tomar a atitude mais revolucionária possível, dormir mais algumas horas. Não havia mais fila, na tentativa de arranjar mesários, todos se tornaram revolucionários. E a polícia também falhou. Como dormiam, ninguém atendeu as portas das casas.
E, logo, num estado de emergência, uma decisão precisava ser tomada. O que fariam? Cancelariam as eleições, puniriam severamente todos os mesários oficiais faltosos e convocariam novas? O país entrava em crise. E os militares acreditaram que era hora de uma nova ditadura. Pois era isso que o povo queria! Intepretavam erroneamente que essa rebelião contra o trabalho era um protesto revolucionário a democracia, e alguns setores começaram a organizar um golpe. Enquanto isso, várias pessoas que acordaram cedo para ir votar e trocar figurinhas, atentos a situação inexplicável da impossibilidade de fazer as seções funcionarem, foram para o espaço de discussão por excelência, o bar. E celebraram a liberdade de pensamento bebendo.
Enquanto isso no Infinito, que na realidade não é o infinito, pois o infinito é só uma palavra e por isso incapaz de explicar em toda sua plenitude esse espaço transcendental aonde se encontram forças além da capacidade de compreensão humana, Ilusão observa o caos no paizinho e sorri. O caos sempre é belo. E é o seu território de domínio, o território da Ilusão! Pois em que outro lugar, além do caos, é possível para as pessoas se embriagarem com sonhos e esperanças de acontecimentos que poderão ou não sair dali? Observar os homens almejando por algo, sem saber se isso se realizará ou não, iludidos pelo seu ideal. É a ilusão que torna um ser humano vivo.
- Os eventos fluem - disse Tempo, se aproximando de Ilusão.
- É uma pena. Ver o fim de espetáculo tão belo quanto este.
- Não há outro jeito. Os eventos irão fluir de acordo com o momento. E o momento pede o fim.
- E Morte?
- Já foi. Há muito trabalho pela frente e ela não quer se atrasar.
E assim os dois partiram.
A revolução continuava, e em todas as camas se via a luta. Os mesários estavam na fronte do combate deitados em sua cama dormindo no quentinho. Aqueles que haviam sido convocados na fila do colégio eleitoral vinham logo atrás, alguns estavam tão ansiosos pelo confronto que deitaram na calçada. O grupo de inteligência e simpatizantes se reuniam nos bares para discutir a situação. Muitos eleitores se juntavam a essa luta. E, se não fosse pelo tom acalentado pela discussão e pela violência da atitude dorminhoca, capaz que dissessem que o país estava metade em festa, metade preguiçosa.
Mas uma minoria se movia. Setores do exército entravam em tanques e marchavam para tomar o poder, enquanto políticos discutiam o que fazer quando a possibilidade de votação é zero. E exisitam alguns que rezavam, achando que tal situação era o anúncio da chegada do anticristo. Lógico que eles não poderiam saber, mas em parte estavam certos, não pela vinda do anticristo, já que ele não existe, mas pelo fim do mundo. E, sem que percebessem, marimbondos gigantes sobrevoavam os céus.
Eram enormes, e tinham rédeas, como cavalos alados, ou melhor, seriam como as rédeas de cavalos alados se eles existissem. Cada marimbondo possuía um ser com formas humanas o guiando. E eles observavam a humanidade lá do alto, sem serem vistos. Tamanha era a concentração no embate revolucionário de todas as frentes. Mas logo seu zumbido se tornou insuportável, e todos olharam. E pela primeira vez houve o silêncio e a ordem e a paz.
Ilusão que ia a frente, num dos marimbondos mais imponentes do grupo, mostrou leves sinais de irritação. Talvez não houvesse coisa que ele odiasse mais que a surpresa e o medo. Dois estados de espiríto que trazem a ordem na mente da pessoas. E a ordem, ah, a ordem é a inexistência de qualquer expectativa, esperança, sonho ou desilução. Nela tudo está pronto e garantido.
O primeiro marimbondo era guiado pela Morte, com suas melhores vestes. Tinha que se vestir bem, afinal o Apocalipse só acontece uma vez. E eram verdes, não que gostasse tanto da cor, preferia preto, mas resolveu manter a tradição. Ela ergueu o braço e todos entraram em formação. E quando abaixou foi o início. E junto com a investida de marimbondos uma chuva de bolas de fogo atingiu a terra.
E, assim, acabou a Revolução e o mundo.
sábado, 30 de outubro de 2010
"Você não se encaixa nos nossos padrões empresariais, acredito que em sua área você será muito bem sucedido."
Com essas palavras, foi dispensado. Entendeu o porquê de falaram para ele aquilo para lhe dizer que não atendia o perfil esperado. Com uma linguagem dessas, é possível imaginar que se tratava de alguma super empresa capitalista, monopolista, imperialista globalizada. Mas não, se tratava apenas de uma pequena rede de escolas de inglês que se acredita detentora de um inovador método de “aprenda inglês em um ano” para que o “aluno”, ou consumidor, ou algo assim, conseguir atender aos apelos do Mercado (claro que sempre com letra maiúscula, pois é a entidade suprema que governa nossas vidas, devemos nos referir assim a Ele). Até tinha cortado o cabelo, feito a barba e vestido em roupas que não condiziam com o que era, já que ao alterar sua estética não sentia causando danos à sua ‘ética’.
Obviamente que ao sair do local, sentia uma grande satisfação consigo mesmo, claro que tinha tomado aquelas palavras como um elogio, ainda não tinha “se vendido ao sistema”. Ainda mantinha intacta sua ética, tudo aquilo que achava que acreditava ainda podia ser mantido na sua prática, não apenas em tudo o que lia e sentia. Mas ainda assim sentiu-se incomodado. O problema é que não sabia até quando poderia manter essa postura, algum dia a fome – traduzida para: qualquer problema com aqueles que pagam sua comida e mantém sua vida pequeno-burguesa - poderia chamá-lo a sorrir ao ouvir de um gerente comercial que a máquina não substitui o trabalhador, que você deve correr atrás, aderir a todas as tecnologias e ao Mercado para subir na vida. Teria em algum momento que responder o que querem ouvir. Reproduziria um dia todos os discursos necessários para enquadrar-se no perfil, quem sabe até começaria a acreditar neles. Como o exemplo daquele que aderiu ao discurso dos vencedores.
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Tradução: "Words of advice for young people", William S. Burroughs
Bem, aqui estão algumas simples admoestações para jovens e velhos.
Nunca interfira em uma briga entre homem e mulher.
Cuidado com prostitutas que dizem não querer dinheiro. Não querem uma ova. Na verdade, o que desejam é ainda mais dinheiro. Muito mais.
Se você está negociando com um filho da puta religioso, faça-o por escrito. A palavra dele não vale merda alguma, principalmente porque o bom Senhor está aconselhando-o em como foder com você no negócio.
Evite os pulhas. Vocês todos conhecem esse tipo. Qualquer coisa em que estejam envolvidos, não importa quão boa aparente ser, transforma-se em um desastre.
Não simpatize com os doentes mentais. Diga com firmeza, ‘Não sou pago para ouvir essa baboseira. Você é um tolo em estado terminal.’
Alguns de vocês podem encontrar o diabo e barganhar com ele, caso vivam o suficiente. Qualquer velha alma merece ser salva, ao menos para um padre, mas nem toda alma merece ser comprada. Então vocês podem reconhecer a oferta como um elogio. As primeiras ofertas são geralmente as mais óbvias, sabe, dinheiro, todo dinheiro quanto seja possível. Mas quem quer ser o cara mais rico enterrado em qualquer cemitério? Não haverá muito o que gastar, não é mesmo, velhinho? Fica-se velho demais para ter sucesso em qualquer coisa. Esqueceu de algo, velhinho? Para sentir algo, necessita-se estar presente. Você precisa ter 18 anos. Mas não tem 18, você está com 78. Velho tolo vendeu a alma por um strap-on.
Que tal uma barganha honesta? ‘Você sempre desejou ser médico. Esta é a sua chance. Ora, poderia tornar-se um grande doutor e ajudar a humanidade. O que há de errado com isso?’ Praticamente tudo. Não há barganhas honestas envolvendo trocas de mercadorias qualitativas como almas, apenas pode haver algo semelhante com mercadorias quantitativas como tempo e dinheiro. Então, caia fora, Satã, e não me considere mais burro do que minha aparência sugere. Como um velho catador de entulho certa vez disse-me, ‘Esteja atento às pessoas das quais você recebe dinheiro.’”