segunda-feira, 29 de outubro de 2012
segunda-feira, 22 de outubro de 2012
Lost Highway [1997] - v0.5a
Nota explicativa sobre o v.05a: Faz tempo que não escrevo, por isso dar vida a esse texto foi um parto. Não estou com vontade de revisá-lo tão cedo, mas não estou com vontade de deixá-lo não publicado, por isso posto aqui assim mesmo. Algum dia capaz que eu o revise.
Nota 2: CONTÉM SPOILERS.
O filme apresenta uma narrativa
não linear e não confiável, ou seja, não sabemos até que ponto o que vemos é o
que realmente aconteceu ou imaginação do personagem principal. Acredito que o
próprio filme nos dá uma chave para interpretá-lo na conversa entre Fred, Renee
e os dois detetives depois de receberem as fitas misteriosas. Nela, Fred diz
odiar câmeras porque gosta de lembrar das coisas do seu jeito, que não é
necessariamente a maneira como elas aconteceram. Isso nos leva a pensar que o
filme, é então, essa visão subjetiva que Fred tem sobre os últimos
acontecimentos dramáticos de sua vida, que seriam o possível assassinato do
amante de sua mulher e de sua mulher. Enquanto o personagem de sua mulher é bem
real, é dificil saber se Dick Laurent realmente era amante de sua mulher, ou se
isso é só uma criação da mente de Fred. Talvez seja irrelevante a questão se
Dick Laurent como amante é real ou uma invenção, o que importa é esse caráter
obsessivo do personagem principal de acreditar que ele seja.
Ao longo do começo do filme, nós
somos inseridos na obsessão e superficialidade da vida do personagem principal.
Ela é criada pelas cenas do rosto do personagem, que parece estar sempre
refletindo sobre algo, que provavelmente seria sobre sua esposa, o único
sentido e preocupação na vida do personagem principal. O ambiente ajuda a criar
essa sensaçao, pois no começo do filme, temos uma casa espaçosa para os dois
personagens, o que nos deixa sempre com uma sensação de vazio; existe um
excesso de iluminação artificial e sombras [Imagem 1], que ajuda a criar esse clima
depressivo; e, por fim, não há trilha sonora, só silêncio e sons ambientes.
Assim, Lynch cria pelo cenário e som, uma sensação de vazio, que é própria de
Fred, um personagem que nos parece apático, passivo, superficial, sem um
propósito de existência. Na sua vida, sua grande sombra é Renee, a qual ele não
consegue penetrar, não consegue descobrir quem ela é, o que ela deseja. Nem nós
temos qualquer pista, sobre qualquer coisa dela.
Uma cena interessante sobre esse
mistério de Renee é quando Fred está no bar e liga para ela depois do seu show.
Ela não atende o telefone. Lynch intercala nesse momento cenas de Fred fazendo
a ligação com cenas da casa vazia e o som do telefone tocando. É difícil saber
se as cenas da casa são reais ou subjetivas, ou seja, se é ou não imaginação de
Fred porque Renee não atende. Quando ele retorna, ela está dormindo, o que
realça essa dúvida, se ela realmente sempre esteve em casa ou não.
Após sua obsessão chegar ao
limite e Fred matar Renee, somos introduzidos a um novo personagem, Peter, que
é completamente diferente de Fred. Ele é um personagem vivo, cheio de energia,
romantizado até. Uma de suas primeiras cenas é ele, numa cadeira de praia no
quintal de sua casa, tocando uma música de Tom Jobim no fundo [Imagem 2]. Tudo nisso contrasta
com o cenário de Fred. Isso nos preenche de uma maneira bem diferente, não
existem vazios ou silêncio. Mas em alguns momentos, Peter está inserido nas
sombras também, momentos em que ele se questiona sobre como foi parar na
prisão, ou sobre o ferimento seu surgiu em sua face, momentos que de certa
maneira remetem a Fred. E é interessante a maneira como Lynch trabalha com as
sombras. Elas são bem sólidas no filme, como se engolissem os personagens que
entram nelas [Imagens 3 e 4]. Essa profundidade das sombras criam um tom de mistério e suspense
em cima dos personagens.
Peter é um alter ego de Fred,
provavelmente uma criação da mente do personagem para buscar respostas a
perguntas que ele nunca conseguiu responder. No filme, temos uma cena depois
que Peter mata Andy, em que ele é confrontado com Renee ou Alice, não temos
como saber, e ela lhe pergunta se ele queria falar com ela, se ele queria perguntar
por que. Isso retorna ao mistério de Renee. Peter, seria, então, parte de uma
grande ilusão de Fred para buscar respostas que ele nunca obteve sobre suas
dúvidas em relação a esposa. Por exemplo, no começo do filme, Renee fala sobre
um emprego que Andy ofereceu para ela a muito tempo atras, mas não explica
detalhes, pois supostamente esqueceu. Na história de Peter, Alice, o alter ego
de Renee, fala sobre esse emprego que Andy ofereceu em detalhes, e cabe a Peter
ser um herói e salvá-la da máfia pornográfica de Dick Laurent. Assim, a vida de
Peter começa a ter uma energia e uma aventura que são completamente ausentes da
vida de Fred. Essa mudança na parte visual da filmagem fica clara, como eu já
disse, mas também no som, pois Lynch começa a usar trilha sonora. Assim, a
obscuridade, o vazio e o silêncio praticamente somem no mundo de Peter, exceto
por uma cena ou outra.
O grande mistério em torno de
Peter é como ele e Fred trocam de lugar na prisão. Essa troca nunca existe na
realidade, só no terreno da fantasia. Mas é interessante como por mais que
Peter tente se lembrar ele não consegue, e também nem os pais deles nem a
namorada nunca explicam o que aconteceu naquela noite, embora eles pareçam
saber. Isso me remete a dois aspectos do sonho: o primeiro é o fato de um sonho
não ter começo, e é assim que a história de Peter começa, de repente, e sem um
começo claro, que seria o momento da troca; o segundo ponto, é aquele momento
em um sonho em que você tenta lembrar de algo, algo que parece óbvio, mas
simplesmente não consegue, e sua mente se rebela contra sua vontade consciente.
O sonho só pode existir enquanto um fluxo em que você aceita a coerência
interna. Tentar romper com esse fluxo provoca um estado de agonia, agonia que
Peter sente sempre que se questiona sobre o assunto.
O fluxo do sonho se rompe também,
quando Peter está próximo a realizar seu desejo, que é ter Alice. Mas nesse
momento, ele é impossibilitado e ocorre o despertar. O momento em que ele volta
a ser Fred. É nesse momento que Fred começa a ter ciência de novo de quem ele é
e do que ele fez. É nesse momento que Fred relembra que nunca poderá ter Alice porque
ela está morta, mas também se lembra de ter matado Dick Laurent. Após reviver o
assassinato, ele retorna para avisar a si mesmo que Dick Laurent está morto. Eu
interpreto essa cena como a memória dos acontecimentos de Fred, ou seja, uma
história subjetiva, contada do ponto de vista da mente pertubarda dele. Assim,
essa é a lembrança obscura e escondida no fundo do inconsciente do personagem. Na
memória, as lembranças não precisam respeitar a ordem do espaço-tempo, o que permite
termos passado e presente se alternando nas cenas e ter dois personagens como a
mesma pessoa. A memória também seria algo fechado nela mesma, o que explicaria
esse final ciclico. No começo do filme, Fred já matou Dick Laurent, mas não se
lembra, porque foi outro alter-ego seu que provavelmente o fez, representado
pelo Homem Misterioso (Robert Blake). Esse final é essa memória reprimida que
insere o mistério no começo do filme. As fitas que o casal recebe na casa
seriam representativos dessa obsessão oculta de Fred.
O que me interessa analisar um
pouco agora é o personagem interpretado por Robert Blake, que chamei aqui de
Homem Misterioso (tradução direta do inglês Mystery Man, que aparece nos
créditos finais). Para mim ele seria outro alter ego de Fred. E é interessante
a relação entre os três alter egos. Fred e Peter não podem existir
simultaneamente. Enquanto um está presente o outro ausente e vice-versa. Mas o
Mystery Man consegue existir em paralelo aos dois. Outra relação é que, assim
como Peter odeia a música que Fred toca, mostrado numa cena na oficina, Fred
odeia câmeras, como ele diz na cena com os detetives., e o Homem Misterioso é
portador de uma, e provavelmente ele é o responsável pelos registros nas fitas
no começo do filme. Ele, para mim, seria o fundo inconsciente de Fred, seus
desejos, vontades e memórias mais obscuros. Ele seria o impulso violento que o
levaria a matar Dick Laurent e a necessidade de um conhecimento objetivo e
real, representado pela câmera. O fato dele morar numa cabana no meio do nada é
significativo também. É ali, no fundo da escuridão, longe de todo palco da ação
que reside a personalidade mais obscura, os desejos mais profundos de Fred.
Essa cabana é apresentada numa cena de explosão filmada ao contrário, o que me
faz pensar em todos esses sentimentos dentro do Fred, que explodem e o fazem
perder o controle, mas aos poucos eles retornam para dentro da sua casa, a
cabana, aonde são contidos novamente. A cena da
explosão invertida também é interessante porque ela primeiro aparece quando
Peter está próximo de entrar em cena, e mostra essa inversão da narrativa.
É possível então, que todo filme
seja a memória dos assassinatos de Renee e seu amante na maneira como é
lembrada por Fred, possivelmente na prisão. O começo no interfone seria uma
memória vaga, perdida e sem sentido aparente sobre o assassinato do amante.
Após, o filme segue em dois movimentos: primeiro nos conta a história presente,
até ao assassinato de Renee, e em seguida conta a história passada, até o
assassinato do amante, que seria uma grande alucinação de Fred na prisão,
buscando fazer algum sentido em suas ações e buscar respostas para sua
obsessão: Renee.
Imagem 1
Imagem 2
Imagem 3
Imagem 4
Tópicos Finais não desenvolvidos:
- A primeira vez que a cabana aparece, a cena é construída como se uma cortina de teatro estivesse se abrindo. É interessante essa remissão ao teatro e a cortina, como se fosse começar algo fantastico, começar uma peça, a peça de Peter.
- A idéia da cortina me lembra de Twin Peaks, o que separa o mundo real do mundo fantástico é uma cortina. Além da cortina na hora que a cabana aparece pela primeira vez em A Estrada Perdida, ela aparece várias vezes na casa, como que fanstasiando aquele espaço real.
- A cabana também me faz pensar no Black Lodge de Twin Peaks, apresentam um conceito parecido de certa maneira, algo no dominio do fantastico, aonde existem seres que são fantasmas nossos.
- Tem uma hora no filme que mostra uma foto com Alice e Renee juntas e Peter fica confuso sobre quem é ela. É nesse momento que as barreiras da fantasia começam a se quebrar, e Peter começa a retornar a ser Fred. Em seguida ele sobe para ir no banheiro da mansão e vai parar no corredor de um hotel, o que antecipa algo que está por vir, que é Fred flagrar a traição da mulher e caçar Dick Laurent. Posteriormente, a mesma foto aparece, mas nela Alice sumiu e só existe Renee.
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