O dia amanheceu
verde, o céu vermelho. Janelas fechadas contribuíram para minha confusão
cromática, mas garanto a fidelidade das minhas impressões. Não dormia há pouco
mais de cinquenta horas. Na real, recebi o amanhecer como um susto sutil, sem surpresa
ou ímpetos de agradecer à natureza pela beleza de mais um dia. [...] O assovio
leve do vento pelas frestas e o balançar metálico das folhas e do vidro da
janela garantiam alguma certeza da minha presença desperta. [...] Saí para o
trabalho, passos largos, constantes e com rumo definido, quase automáticos. Deixei
descansando embaixo da cama outro recipiente da minha personalidade. Bom dia,
sol? Não, ele olhou-me ameaçadoramente enquanto eu atravessava a Aquidabã,
resolvi ignorar sua existência apesar de sua claridade que insistia em entrar
no meu cérebro e perturbar qualquer possibilidade de desligamento. Senti que o
outro eu também estava perturbado com essas agressões luminosas, a crescente
distância física ainda não permitia descanso verdadeiro. [...] No trabalho,
comentários variados e desnecessários sobre vidas que não conhecemos tão bem,
mas que julgamos como se soubéssemos inclusive o que é melhor para nós mesmos.
Isso com o acompanhamento e auxílio de planilhas e números. Pausa para café,
mastigo uma maçã, tento absorver cafeína sem vomitar. Amoxicilina: com atraso,
medico-me. [...] Não almoço, continuo acordado, ainda na escola, agora com
alunos. Se saísse do meu corpo, talvez pensasse que estava em plena forma
mental, mesmo que com os visíveis traços de desgaste físico. Isso me diverte. [...]
Parei em casa depois de 18h, não encontrei meus vestígios embaixo da cama,
ainda não sei exatamente onde estive. Lua nova firme entre nuvens e boa noite.
quarta-feira, 16 de outubro de 2019
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