Um conto alheio. Um breve vislumbre de um futuro possível e, talvez, próximo.
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"O bebê estava deitado no berço ao lado da cama, usando um gorro branco e macacão. O berço tinha sido pintado recentemente e enfeitado com fitas azul-claro e forrado com colcha também azul. As três irmãzinhas e também a mãe, que tinha acabado de levantar da cama e ainda não estava totalmente acordada, bem como a avó, estavam em volta do bebê, observando seu olhar e a mãozinha, que às vezes levava à boca. Ele ainda não sorria, mas, de vez em quando apertava os olhinhos e mexia a língua entre os lábios, quando uma das meninas mexia em seu queixo.
O pai estava na cozinha e podia ouvi-las brincando com o bebê.
-- De quem você gosta mais, nenê? -- perguntou Phyllis, apertando-lhe suavemente o queixo.
-- Ele gosta de todos nós -- Phyllis disse --, mas acho que ele prefere o papai, porque ele também é homem.
A avó sentou-se na beirada da cama e disse:
-- Olhe seus bracinhos. Tão gordinhos. E os dedinhos... iguaizinhos ao da mamãe.
-- Ele não é uma fofura? -- perguntou a mãe. -- Tão saudável meu garotinho. -- E, curvando-se, beijou a testa do bebê e puxou a manta sobre seus bracinhos. -- Nós também o amamos muito.
-- Mas com quem ele é parecido, com quem? -- gritou Alice e todas se aproximaram mais do berço, para ver com que o bebê se parecia.
-- Os olhos dele são bonitos -- disse Carol.
-- Todos os bebês têm olhos bonitos -- retrucou Phyllis.
-- Ele tem os lábios do avô -- observou a avó. -- Olhe bem o desenho dos lábios.
-- Não sei -- disse a mãe. -- Realmente, não sei.
-- O nariz, o nariz -- disse Alice.
-- O que tem o nariz dele? -- a mãe perguntou.
-- Parece com o nariz de alguém -- a menina respondeu.
-- Não, não sei -- dise a mãe. -- Acho que não.
-- Esses lábios... -- a avó murmurrou. -- Estes dedinhos... -- disse, descobrindo as mãozinhas e acariciando os pequenos dedos.
-- Com quem o bebê é parecido?
-- Ele não se parece com ninguém -- Phyllis disse. E todas se aproximaram ainda mais.
-- Já sei, eu já sei -- disse Carol. -- Ele parece com o papai. -- E todas olharam mais atentamente para o bebê.
-- E com quem o papai se parece? -- perguntou Phyllis.
-- É. Com quem o papai parece? -- Alice repetiu e todas olharam ao mesmo tempo em direção à cozinha, onde o pai estava sentado à mesa, de costas para elas.
-- Com ninguém -- disse Phyllis começando a chorar.
-- Psiu -- fez a avó, voltando-se para olhar o bebê.
-- O papai não se parece com ninguém -- disse Alice.
-- Mas ele tem que parecer com alguém -- disse Phyllis, passando uma das fitas na frente de seus olhos. E todos, exceto a avó, olharam para o pai, sentado à mesa.
Ele se virara na cadeira e seu rosto estava pálido e sem expressão."
Carver, Raymond. "O pai" In Fique quieta, por favor [tradução de Maria Helena Torres]. Rio de Janeiro: Rocco, 1988.
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caraaaaaaaalho!!!
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