Nos dois primeiros bancos no interior de um ônibus que se desloca lentamente em meio ao engarrafamento, dois trabalhadores pelegos comentam o inconveniente:
Trabalhador 1: - Por que esse busão não anda, Jesus Cristo?
Trabalhador 2: - É que tem uns vagabundos sentados na frente da Prefeitura, fechando a rua protestando.
Trabalhador 1: - Protestando o quê?! Vai arrumar o que fazer...
Dois bancos mais atrás, dois estudantes engajados ouvem a conversa e comentam entre si:
Estudante 1: - Olha só... por que esses pobres não usam essa insatisfação para derrubar as opressões dominantes? Mas não! Ficam aí dividindo a classe, incapazes de demosnstrar solidariedade à luta ...
Estudante 2: - É.
A conversa continua nos bancos da frente
Trabalhador 2: - É o pessoal da saúde que foi mandado embora. Agora ficam aí sentados no meio da rua.
Trabalhador 1: - Saúde?! desse jeito parece mais pessoal da doença...
Trabalhador 2: -Não tem jeito, hoje em dia quem quer trabalhar tem que ser qualificado. Tem que estudar, se esforçar... Se não é mandado embora e quer reclamar. Eu saio às 4 da manhã, passo o uniforme, arrumo a casa e vou pro curso. Depois vou direto pro trabalho. Tem que ser esforçado. Só durmo no busão, do bairro até o centro.
Trabalhador 1: - Esforçado é filho de pobre que tem que ralar desde cedo, aprende a dar valor. O resto é filhinho de papai, tem tudo na mão, aí não aprende, nunca aprende a trabalhar direito. Quem não precisa se esforçar pra ter as coisas não cria amor pelo trabalho. Sem amor o trabalho sai mal feito.
Nos bancos de trás, os estudantes engajados ouvem mordidos e decepcionados os juízos dos trabalhadores pelegos.
Estudante 1: É que nem eu li naquele texto de ontem... enquanto os trabalhadores não superarem o discurso burguês do mérito individual, eles competirão eternamente entre si por migalhas no mercado do trabalho... Só estão preocupados com suas vidinhas: chegar logo em casa... enquanto isso seus iguais estão protestando por seus direitos.
Estudante 2: É.
Estudante 1: Além disso não é só filho de pobre que se esforça... depende da consciência...
Nos bancos da frente:
Trabalhador 1: - E você tem filhos?
Trabalhador 2: - Filhos?! Nesse mundo de hoje?! Como?! Hoje em dia filho não obedece pai! É o fim do mundo.
Trabalhador 1: - Obedece sim... Tem que saber criar. Sem bater, se bater perde. Você tem que saber colocar a palavra certa, ensinar respeito.
Trabalhador 2: - Acontece que hoje em dia você dá a palavra certa em casa... aí eles vão pra rua, vão pra internet, televisão... e aprendem só o que não presta.
Trabalhador 1: - Acontece... os filhos fracos de cabeça vão pela idéia errada... Tem que largar mão deles, deixa sair pelo mundo, sofrer até aprender. Mas tem que largar de filho assim e fazer outros filhos novos. Os que têm condição de ir pra frente vão aprender o certo, enquanto que o que não presta não presta. É a natureza..
Um dos estudantes colocou fones de ouvido, o outro abriu um livro.
Quando o ônibus passou ao lado do protesto dos trabalhadores concentrados em frente à prefeitura, um dos trabalhadores de dentro do ônibus levantou-se, colocou a cabeça pra fora e gritou:
Trabalhador 1: - Vão procurar o que fazer, bando de vagabundos!!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário