quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Da quase revolução individual

Quando eu era criancinha, 8 anos, decidi que não valia mais a pena. "Não compactuo mais com esta merda de vida!", disse em discurso aos pais, que desdenharam, "uuuuuuuhhh!!". Então fui embora de casa. A decisão não foi tomada duma hora para outra, mas foi coisa pensada e repensada, com cálculo e planejamento. Isso quer dizer que quando tomei esta decisão revolucionária, já tinha conseguido juntar algum dinheiro, ganho honestamente, trabalhando como funcionário público no tempo livre depois da escola. Com isso comprei muitos livros. O restante do dinheiro guardei para gastar com cachaça e mulheres.
Então saí de casa com livros e minha guitarra, que eu tive que ligar na sarjeta, já que não podia carregar amplificador algum - tinha 8 anos, meus membros não eram desenvolvidos.
A idéia era lecionar, a preço popular, Teoria da História aos mendigos, para que não caíssem em erros comuns e gravíssimos como a teleologia e o positivismo.
Ficar em casa era tedioso. Sempre a mesma rotina, escola, lição de casa. Os velhos coleguinhas da escola, conforme foram crescendo começaram a ter idéia errada sobre as coisas, tomar atitude de imbecil, desacreditar de papai noel...aí num teve jeito de aguentar! Por isso é que a revolução dos hábitos e a superação da convivência familiar burguesa, impuseram-se como medidas necessárias.
No entanto, quando cheguei ao covívio dos mendigos, fez frio à noite, e a calçada foi dura, e a polícia caceteou-nos, e bateu a fome, e eles não compreenderam em que a concepção de consciência de classe de Thompson difere da de Althusser, nem qual era a diferença entre a primeira e a segunda gerações dos Annales! Então voltei para casa e voltei a viver como gente. Dignidade e normalidade.
Mas é assim mesmo, quando a gente é pequeno fica revoltado por pouca coisa. Depois aprende os valores direitos e vive feliz!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Encontro com a Morte

Três irmãos viviam muito felizes porque trabalhavam em um celeiro, amontoando a palha e cuidando dos cavalos. Na época em que eles viviam, antigamente, o tempo e a disciplina de trabalho ainda eram mais ou menos relaxados. Isso quer dizer que no meio da manhã, ainda antes do almoço, o chefe, dono do celeiro, dos cavalos e da palha, viu passar lá fora, pela janela do celeiro, a moça da quitanda, que era uma beleza, assim como a irmã mais nova dela, que também trabalhava na quitanda. Quitanda era um lugar onde, antigamente, vendia-se alfaces e coisas assim. Embora alface não seja bom para comer, todo mundo que passasse por lá ia perguntar o preço e comprar um pezinho (de alface), só para poder fazer gracejos às irmãs da quitanda. Mas não interessa...O que acontece é que quando a moça da quitanda passou pela janela do celeiro, passou e deu uma piscadela ao dono do celeiro. Antigamente dar piscadelas significava um convite para dar umazinha atrás do celeiro. O dono do celeiro saiu correndo porque essas coisas quase nunca lhe aconteciam, uma vez que ele era feio, pobre e desinteligente, e naquela época as pessoas se importavam muito com isso. Não valorizavam, portanto, o Amor Puro e Sincero.
Quando isso aconteceu, os três irmãos que trabalhavam no celeiro não acreditaram. Mesmo assim, perceberam que a escapada do chefe era possibilidade para aproveitar o pouco rigor da disciplina e do tempo de trabalho para dar uma volta enquanto o chefe dava-se-bem.
Um dos irmãos era o mais novo. O outro era o do meio. E o outro era o mais velho. Saíram do celeiro. O mais novo era o mais esperto: "Eu ouvi falar de uma pessoa. Ela se chama Morte."
O do meio era meio esperto: "Humm...e você conhece a Morte?" - "Não" respondeu.
O mais velho era inesperto: "Aproveitemos a folga para conhecer a Morte!"
Os dois mais novos somaram suas espertezas e concordaram com a inesperteza do mais velho.
Sairam pelo campo e encontraram um velho-cego-sábio-de-barba-branca-vestido-de-monge.
"Ei, velhote cego!" - O mais novo era o mais esperto e o mais cretino. O velho não gostou de ser tratado assim e não respondeu. Então o caçula continuou: "Você é tão velho, tão misterioso, barbudo...Diz-me uma coisa, onde encontro a Morte?" O velho gelou e ficou sombrio, mas por fim sorriu malicioso: "Mas, meu filho! Tão jovem e quer conhecer a Morte? Eu sou um pobre velho e luto a cada dia para me manter afastado dela." Então, o jovem perdeu a paciência e puxou uma faca ameaçando o velho: "Isso não te importa velho louco! Eu e meus irmãos aproveitamos o dia para conhecer a Morte. Você sabe onde ela está e irá dizer agora!" O velho suspirou desapontado: "Se é o que querem..." e apontou para uma direção em que havia apenas uma árvore solitária no vazio da colina. O caçula, então, deu uma voadora no velho, pois era ingrato, e correu, seguido pelos irmãos, em direção à árvore.
Chegando lá não encontraram ninguém. O irmão mais velho chorou: "Aquele velho enganou a gente!" Mas o do meio começou a bater a cabeça na árvore, de tanta alegria: "Olha só isso! Vocês ficaram cegos?!" Apontou o chão, e quando os irmãos olharam começaram a pular e soltar gritos tão agudos que o velho cego misterioso, já recuperado da voadora, além de cego ficou surdo. Acontece que no chão, estava uma quantidade de moedas de ouro muito maior do que os três irmãos juntos poderiam carregar. Quando perceberam essa condição a alegria transformou-se em desespero, pois queriam levar todo o ouro antes que alguém mais descobrisse sua existência.
O irmão mais novo que era tão cretino quanto esperto, decidiu que voltaria ao vilarejo - onde onde havia o celeiro e as moças bonitas da quitanda - e conseguiria bolsas para guardar moedas de ouro. Os outros dois ficaram muito felizes por ter um irmão tão esperto. No entanto, além de esperto o caçula era cretino, e chegando ao vilarejo decidiu comprar três garrafas de vinho para comemorar com os irmãos, o que não tem nada de cretino, pelo contrário! No entanto, antes do vinho, comprou veneno em porção para duas pessoas: o irmão do meio e o irmão mais velho.
Enquanto o irmão menor não voltava, os outros dois tiveram tempo para fazer as contas e perceber que dividir o ouro por dois seria mais proveitoso que dividir por três. O argumento moral veio do mais velho: "Nosso irmão é nosso irmão, mas é um cretino!" O irmão do meio não era bobo e lembrou: "Seremos os dois mais ricos do vilarejo. Casaremos com as irmãs da quitanda!" , "Quando o irmão chegar fingimos brincar de lutinha, como sempre fizemos desde criança, e então enfiamos nossas facas na barriga e nas costas dele!" E soltaram gritos agudos de felicidade.
O caçula chegou feliz e entregou a cada um dos irmãos uma garrafa de vinho envenenada. Eles beberam imediatamante, enquanto começavam a lutinha de brincadeira com o caçula, que bebia vinho puro. Então o mais velho tirou a faca e enfiou até o cabo entre as costelas do irmão menor, que em seguida recebeu no figado a facada do irmão do meio, tão profunda quanto a primeira. O caçula dava seus últimos suspiros, ensanguentado no chão, quando o irmão do meio sentiu-se muito mal e começou a vomitar uma coisa consistente, marrom-vermelho-escura. Então, o mesmo começou a acontecer com o mais velho. O caçula morreu. O mais velho caiu. O do meio morreu, e logo em seguida o mesmo aconteceu ao mais velho. O velho-cego/surdo-sábio-de-barba-branca-vestido-de-monge, ainda parado à distância, não viu nem ouviu, mas sorriu com malícia.

Adaptação e variação de um dos contos do filme de Pier Paolo Pasolini, The Canterbury Tales.

domingo, 17 de janeiro de 2010

d.

a inquietação com o mundo não se dá fragmentada:
as idéias são tortas, mas vivas, e
não traduzi-las em palavras é angústia.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Batendo fora do bumbo .3

Outro dia, o vizinho bateu fora do bumbo. É apenas um criançote, com seus 16 anos bem vividos e um lindo futuro pela frente! Mas mesmo assim surtou, e não a toa porque, afinal, ele conheceu uma mina, que nossa senhora! deus que me perdoe! Portanto, ficou apaixonadinho, o que mais cedo ou mais tarde ocorre a todos os criançotes que Deus, em sua sabedoria infinita, pôs no mundo. Motivo nenhum para, sem uso excessivo de drogas, bater, de uma hora pra outra, fora do bumbo. Quer dizer, pelo menos isso é o que acham aqueles que não conhecem a situação em detalhes, pois a verdade é que essa mina - nossa senhora! pela' mor de Deus! - nem sequer deu-lhe bola! Dizem que ela mora no terceiro ou quarto andar, o que sem dúvida é meio bom já que existe a possibilidade de encontrá-la no elevador, vez por outra...Por outro lado, essa oportunidade, tão esperada quanto rara, é também meio ruim porque esse vizinho é meio bundão, na verdade. Então, basta que o elevador pare no terceiro ou quarto andar para que ele comece a tremer e a suar incontrolavelmente, a garganta e a boca sequem, e o coração chegue próximo ao enfartamento (Lesão necrótica dos tecidos devida a uma perturbação circulatória e que é acompanhada, na maior parte dos casos, duma infiltração sanguínea). Quando a porta abre, e é justamente ela... aí então nada mais resta! O porteiro me contou, entre risos, que viu pela câmera de segurança do elevedor quando isso aconteceu uma vez. Segundo seu relato, o vizinho ficava olhando pro chão, dando só umas olhadelas de canto pra ela, que continuava imóvel, ignorando a presença do rapaz.
Antes que se pense que a mina era dessas vagabundinhas que ficam por aí destruindo corações dos bons moços, e mais nada, é preciso dizer que ela estuda na faculdade e é uma super-estrela-internacional-do-pop-francês*:

*Tudo bem, isso foi sem graça. Mas eu escrevi até aqui só pra ter algum motivo pra postar essa foto...


domingo, 3 de janeiro de 2010

Batendo fora do Bumbo .2

Outro dia, o vizinho bateu fora do bumbo. "Hoje é dia de bater a cabeça na parede..." levantou rasgando do sofá e aí bateu com tanta força que a parede da MINHA casa tremeu! Na sala de casa tinha um quadro, que caiu no chão na hora e quebrou. Era uma Santa Ceia (Saint Seiya), que abençoara a fartura de nossa mesa até o momento em que sucedeu esta merda. Mas nada é de todo mal, pois esta ocasião, apesar de desastrosa, pelo menos foi uma ocasião, em meio ao marasmo cotidiano! "pai, fudeu a ceia." O pai não pode deixar de notar a perspicácia do filho e foi além "é...o vizinho é burro! 1- Não tem planejamento; 2- Não tem a cabeça no lugar, por isso surtou! Por isso bateu fora do bumbo!", "é..." concordei. Silêncio.
Do outro lado, a parede do vizinho foi inteiramente tingida de roxo e vermelho escuro, de geléia ence-fálica de framboesas. Portanto, se ele fodeu com nossa propriedade - Saint Seiya - também terá que pagar meio caro por uma nova pintura para sua própria parede, se quiser alguma decência estética em seu lar.