sábado, 26 de maio de 2012

Sorte

Bruno Enrique dos Reis, logo após concluir sua graduação em história, foi carpinteiro, cobrador de ônibus, diplomata, bancário, juiz, banqueiro, estivador, socialite, clínico geral, cabeleireiro, professor, marceneiro, mercenário, dentista, pediatra, geógrafo, motorista, prostituta, músico e poeta, engenheiro florestal, bibliotecário, vendedor,  vendedora, promoter, encanador, repórter, imediato, pedicure&manicure, engenheiro civil, militar de carreira, enfermeiro, técnico açúcar e álcool, soldador tig/mig, arqueólogo, arquivologista, editor, atriz e modelo, estatístico, agrônomo, autônomo, maloqueiro e sofredor, designer, matemático, dublê, fotógrafo, nanotecnólogo, alfaiate, cobrador, administrador, arquiteto, colunista social, folião, gerente, artista plástico, dançarino, economista, mas se encontrou mesmo como apresentador do jornal da madrugada na globonews.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

[um texto antigo q achei por aí sem terminar. achei injusto terminá-lo]

acho que me encontrei. ou talvez tenha me perdido em novos caminhos. por onde começar? talvez eu tenha esperado tempo demais e o minuto seguinte não passará tão lentamente. pela primeira vez, no entanto, me liberto novamente. foi assim que percebi que eu nunca morreria. ou morrerei, para tratar dos tempos verbais. quando você pensa em si como centro da sua vida, você percebe que ela não tem fim. você é o ator da sua morte. digo tudo isso, assim, sem sentido, porque espero encontrar eco. digo tudo isso, assim, porque foi aquela noite, e só aquela: a lua, a luz incerta da vela, o ar deliciosamente gelado que conservava o sorvete de minha taça em sua mais imperfeita e irregular forma; conservava também aquela gota de suor em minha fronte, como que medrosa de descer pela minha face, recém barbeada porém áspera e irritada. quando aquela goticula chegasse à toalha da mesa eu seria lançado ao céu escuro, já sem vagalumes. até lá, eu estava submerso em ansiedade. meu estomago tinha tornado-se um triturador de lixo vazio, com suas lâminas ociosas balançando conforme o swing da música que agitou minha alma. "amor, você sabe o que me trouxe aqui?" eu não podia negar balançando minha cabeça e minha boca estava muito seca para articular qualquer palavra sem levantar uma suspeita sobre meu estado psicológico. quando tentei improvisar um "não" ao mesmo tempo que limpava a garganta e tentava varrer o suor da fronte com uma das mãos o que saiu de mim foi um som estranho que mais pareceu um gemido.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Portas para Lugar Nenhum


Era uma vez um país cheio de pessoas que falharam na vida, ou pelo menos era o que queriam que elas acreditassem, ou talvez não seja o que queriam que acreditassem pois isso pressupõe que existe alguma entidade superior as pessoas, manipulando-as. Mas o fato é que nesse país existia um discurso sobre pessoas que falharam na vida e para resolver o problema o governo fez um prédio. Esse prédio possuía 20 andares, e em cada andar havia uma porta que levava a lugar algum. A verdade, é que é uma mentira dizer que a porta levava a lugar algum, pois ela levava inexoravelmente a um único lugar: o chão. Qualquer pessoa era livre para entrar nessa construção e peregrinar por suas escadas. A principio, o governo não tinha posto um elevador por corte de custos. Afinal, porque investir dinheiro num prédio que só será usado uma vez por cada pessoa que entra nele? Mas logo após a construção, teve que fazer algumas gambiarras arquitetônicas para colocar um. A verdade é que, muitas das pessoas que entravam decididas nesse prédio tinham uma preferência ardorosa pelo último andar e a peregrinação até ele, pelas suas escadas frias e fatigantes, levava as pessoas a refletirem, perderem aquela chama de decisão do pulo, e retornarem ao mundo. O elevador foi feito para ser rápido o suficiente para essa chama se manter acessa até a chegada no último andar.
A peregrinação era um momento único na vida dessas pessoas. Elas  podiam olhar suas vidas, encarar seu destino e se questionar sobre suas decisões. O futuro estaria apenas um passo, um passo e elas voaríam, livres e poderiam sorrir, experimentando toda aquela liberdade única e mágica. Mas apenas por um instante, um curto instante de tempo, até encontarem o chão.

Impressões - 08 - Falling


Cena do filme Pane e Tulipani, feito em aquarela.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Chico Science, Friedrich Engels & Nação Zumbi


Em  todas as partes, indiferença bárbara e grosseiro egoísmo de um lado e, de outro, miséria indescritível; 

E a cidade se apresenta centro das ambições para mendigos ou ricos e outras armações. Coletivos, automóveis, motos e metrôs, trabalhadores, patrões, policiais, camelôs.

em todas as partes, a guerra social; a casa de cada um em estado de sítio; por todos os lados, pilhagem recíproca sob a proteção da lei; e tudo isso tão despudorada e abertamente que ficamos assombrados diante das consequências das nossas condições sociais, 

O de cima sobe e o de baixo desce.

aqui apresentadas sem véus, e permanecemos espantados com o fato de este mundo enlouquecido ainda continuar funcionando.
Na escala em que, nessa guerra social, as armas de combate são o capital, a propriedade direta ou indireta dos meios de subsistência e dos meios de produção, é óbvio que todos os ônus de uma tal situação recaem sobre o pobre.

Ô Josué, nunca vi tamanha desgraça, quanto mais miséria tem mais urubu ameaça.

Ninguém se preocupa com ele: lançado nesse turbilhão caótico, ele deve sobreviver como puder. Se tem a sorte de encontrar trabalho, isto é, se a burguesia lhe faz o favor de enriquecer à sua custa, espera-o um salário apenas suficiente para o manter vivo; se não encontrar trabalho e não temer a polícia,

Cavaleiros circulam vigiando as pessoas, não importa se são ruins, nem importa se são boas.

pode roubar;



E quem era inocente hoje já virou bandido pra poder comer um pedaço de pão todo fudido.
Banditismo por uma questão de classe.



pode ainda morrer de fome,

Peguei o balaio fui na feira roubar tomate e cebola, ia passando uma véia e pegou a minha cenoura: "aí minha véia, deixa a cenoura aqui, com a barriga vazia não consigo dormir". E com o bucho mais cheio comecei a pensar.

caso em que a polícia tomará cuidado para que a morte seja silenciosa para não chocar a burguesia.

sábado, 12 de maio de 2012

{)O(}

É o dia do jogo. Vamos narrá-lo direto da quadra. Aquela adrenalina do público, dos jogadores, minha. Uma hora e quarenta e cinco minutos antes do início da partida são abertos os portões. Todos vão chegando e se recostando. Trazem óculos de sol, bonés, protetores frescos nas faces, roupas limpinhas onde o branco é mais branco e o azul é mais azul que o céu ensolarado. Trazem namorados, mulheres, amigos, mães, filhos. Trazem comida. Meu Deus, como podem comer num dia destes? O nervosismo é grande em mim, nos jogadores. No público já não é considerável. O sol alto do meio dia desce como um manto sobre a quadra, perfeitamente perpendicular. Não existem sombras que não aquelas dos guarda-sóis montados sobre os banquinhos amarelos ainda vazios porque os jogadores ainda não saíram dos vestiários. A iluminação perfeita provida pelo belo dia permite que cada centímetro da quadra esteja bem visível da nossa cabine. Imagine do banco do árbitro. Os juízes de linha não vão errar uma hoje. Não podem errar. O público continua entrando com uma calma que não corresponde com a tensão e o clima pesado que a proximidade do jogo vai criando. Tento me acalmar meditando por alguns minutos. Quando me dou conta, o narrador, meu amigo Jarbas Jaque, já estava iniciando a transmissão e os jogadores já estavam em quadra aquecendo. "...neste belo dia de sol, vamos assistir a partida...". É isso, é agora. Ele vai me apresentar. "...que vocês vão curtir aqui com a gente, não é Álvaro Altares?". Hesito por um nano-segundo. Merda, eu engasguei na minha primeira fala na televisão. "É isso mesmo, Jarbas. Bom dia amigos do esporte, hoje um confronto que vai definir o novo campeão da...ah! verdade!". Um riso sem graça tenta encobrir meu nervosismo enquanto eu corrijo o "bom dia" para "boa tarde". Continuo minha fala como se fosse uma preleção: "...o favorito de todos os tempos enfrenta hoje a sensação desse Grand Slam, um tenista estreante que vem surpreendendo e galgando posições no ranking no entradas e que tornou-se um ótimo candidato ao título...". Foi automático. A primeira grande participação correu bem. Meu texto de apresentação estava interessante, eu falei com naturalidade, calma. Só mais algumas participações como esta e eu estou pronto para ir embora, aliviado.O grande Jarbas segue com a narração impecável. Talvez um dia eu seja como ele. "Álvaro, eu confio que Peter Duck não vai deixar o sucesso recente de Reddie Skin abalar seu ótimo tênis e sua reputação de mais de 13 títulos. Há muito em jogo, mais do que o campeonato deste Grand Slam. E você, quem acha que leva o caneco pra casa?". Nossa, essa foi inesperada. "Ah, Jaques Jarba, esses jogadores iniciantes e inexperientes podem sempre surpreender contra os grandes nomes do esporte. Geralmente trazem grande perigo nos sets iniciais e costumam superar o adversário favorito, mas devo concordar com você de que Duck não deixaria uma derrota no set inicial abalar seu jogo. A experiência de campeão o mantém focado e sabedor de que a vitória só é alcançada ao fim de todos os sets". Uau, se eu continuar assim vou tomar o emprego do Jarbas rapidinho.
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Tudo que sei é que o jogo não terminou bem. Os dois atletas disputaram ponto a ponto. O comentarista da tevê local infartou no fim do terceiro set.
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Construir um personagem durante umas tantas linhas para depois matá-lo em umas poucas. O que isso diz sobre o seu caráter?

terça-feira, 1 de maio de 2012

Era uma vez...


Era uma vez duas pessoas sensuais que se sensualizaram com amor puro e sincero da montanha no meio do supermercado. Começou assim:
- Oi. Você por acaso sabe aonde ficam as ervilhas?
- Hum. Vai até o final do corredor, vire a direita e ande por três prateleiras e vire a esquerda.
- Obrigado. Seus olhos são tão lindos.
- Hihi. E o seu pipi é tão charmoso.
- Ui. Vamos comer pão com manteiga em casa?
- Só se eu puder levar a cerveja.
- A vontade. Mas já aviso: não tenho lasanha.
- Tudo bem, sou alérgica a moluscos.
- Moro na rua atras do Lanchão, número 678. Aqui está a chave reserva, pode entrar sem bater.
- Ok. Até +.
            Algumas horas depois, Natalia foi até o número 678 da rua atras do Lanchão e entrou sem bater, mas não sem alguma dificuldade. Era necessário certa manha para conseguir abrir a fechadura. Ela aprendeu rápido e entrou. Parecia não haver ninguém. Pensou em gritar o nome do rapaz e o teria feito se não fosse pelo fato de não sabê-lo.
            Cruzou a sala em silêncio, que era bem simples: um sofá, um rack com uma televisão, um aparelho de DVD, vários filmes espalhados, entre eles, Dogville capturou seus olhos, talvez por tê-lo visto na semana anterior e achado bem interessante. A sala tinha uma mesa redonda e bem pequena, com quatro cadeiras dispostas aleatoriamente. Em cima havia um vaso com a cabeça de um animal, um veado. Estava ficando tão na moda isso, que ela ficou um pouco frustrada. Curtia seus homens com gostos exóticos e não comuns. Flores seriam tão mais inovadoras. Entretanto, havia algo naquela cabeça grotesca que prendeu sua atenção. Os olhos mortos divergentes apontavam, um para uma janela aberta, através da qual se podia vera tardede segunda-feira e o outro um espelho, no qual era forçado a fixar sua imagem imutável, acomodada ali dia após dia. Mas do que importava isso, para os mortos não existe mais futuro e nem passado. Somente aquele presente eterno, resignado, dilacerado.
            Haviam duas portas na sala, uma estava fechada a outra levava para a cozinha. Optou pela segunda e foi direto para a geladeira colocar a cerveja. Não houve nem um problema para espaço, estava praticamente vazia. Havia uma panela com resto de miojo, uma caixa de leite, queijo, algumas maçãs e outras coisas que ela nem deu muita atenção. Ao fechar a porta, olhou em volta. A cozinha estava um brinco de limpeza, isso quase a fez ter um enfarto. Como assim? Como ele deixa um resto de miojo na geladeira e o resto tudo tão limpo? Ela não podia aceitar isso. Precisava cuidar daquilo agora, era o minimo que o senso de limpeza virginiano dela exigia.
            Pegou panelas, abriu as prateleiras, tirou os ingredientes que precisava, começou a preparar uma bela macarronada, deixou o molho cair no chão de propósito e sorriu quando o óleo dos quibes espirraram em tudo. Pegou copos e encheu com coca, e os esvaziou na pia. Mas deixava um restinho. Espalhou esses copos estratégicamente pela cozinha, e um deles colocou na geladeira, por que não? Terminou de fazer a macarronada, serviu dois pratos e jogou a comida deles no lixo, mas não sem deixar um pouquinho para tampar o filtro na pia quando os colocasse lá. Começou o arroz e a fritar uns bifes. A cozinha estava ficando tão maravilhosa que nem podia acreditar. Jogou um dos quibes no teto, só por brincadeira, os outros foram pro lixo também, mas não sem passar por um prato antes, junto com um pouco de arroz.
            Quando Natalia terminou com a cozinha, ela estava imunda. Nem parecia a mesma de quando havia entrado. Ela sorriu, estava perfeita. Pegou os bifes, colocou no prato e levou para a mesa, abriu uma cerveja e começou a beber, já estavam geladas. Sentou-se ali e esperou. Quando chegou no meio da lata mais ou menos ele apareceu. Veio do quarto que ficava do lado da sala. Olhou em volta e gritou:
- Está louca?
- Não... Por que?
- O que você fez aqui?
- Dei um jeito de leve na sua cozinha ué.. Você não arruma nada.
- De leve?! Como assim de leve? Você a deixou perfeita! E você nem me conhece. Meu Deus! Meu Deus! Você é perfeita.
- Hihihi. Não é para tanto.
- Po! Não precisava, a gente nem se conhece...
- Ainda! Coloquei as cervejas na geladeira. Pegue uma e vamos comer esses bifes.
- É pra já.
- Ah. Esqueci de pegar as colheres, faz o favor.
            Ele pegou a cerveja e trouxe duas colheres. Devoraram os bifes, esfomeados como estavam. Beberam as cervejas durante toda a tarde, conversando e descobrindo tantas coisas similares entre si que era até assustador. Quando perceberam, já era de manhã e tinham feito sexo a noite toda, tão pacifica e carinhosamente que a cama até quebrara. E ficaram ali, abraçados, sem saber o que fazer. A verdade é que não queriam fazer nada. Só ficar ali, e ali ficaram. Viveram felizes para sempre durante 2 anos, quando as brigas começaram e três meses depois se separaram. Deixaram de amar um ao outro para voltarem a amar a si mesmos apenas.