terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Post-pseudo-biográfico-sem-texto-oculto

Nós sempre nos preocupamos muito com os nomes das cousas. Sempre ficamos um bom tempo a refletir sobre o motivo de usar esse ou aquele termo para nominar algo. Desde criança nós desenvolvemos essa mania ou obsessão, para ser menos mentiroso, de classificar as cousas e nomeá-las; criar categorias, termos que expliquem um comportamento humano que sempre que se repetir receberá o devido nome e nossos sorrisos de saber que não perdemos tempo buscando os termos exatos para nomear aquilo.
Na verdade nossa vida não é feita só de flores. Porque nomeamos não só situações ou eventos mas as cousas que encontramos. É muito comum o "suicidio-social". Quando não conseguimos nos controlar nomeamos de tudo: damos nomes aos grãos de areia que entraram nos nossos olhos, aos cadarços, a formigas que passaram com uma pipoca, aos sapos, às pedras que encontramos e que guardamos no bolso junto com Pedro, Nunes e Mao, os grãos de areia guardados porque aquela cegueira repentina nos fez reparar como é linda esta ou aquela garota. O suicídio vem deste ponto. Esquecemos os nomes dados e quando chegamos em casa e tiramos Pedro, Nunes, Mao e Rita e Eduarda e Maria José, e nos damos conta que temos ali uma antiga conhecida que já não lembramos o nome, o rubor é incontível. Ficamos sem ação e com vergonha de perguntar a alguém o nome da pedra que nos faz lembrar isto ou aquilo, ou aquele momento especial ou a "vida-como-a-morte-enamorada". Até que nos lembrem ou até lembrarmos, a sensação é de incapacidade e seguimos caminhando cabisbaixos até que o tempo nos faça superar a falha ou que nos faça esquecer André ou Chico pela euforia de conhecer Tânia.

domingo, 27 de dezembro de 2009

notas dispersas

Consenso pela aniquilação da diferença. Ou nem tão drástico assim: propostas de homogeneização distribuídas pelos mais diversos meios das mais variadas formas. Violência indireta, se é que isso é factível [uma discussão sobre se a violência em algum momento deixa de ser ativa/direta fica para a próxima], contudo, não resolve com tanta freqüência, ainda mais dependendo dos objetivos almejados pela situação, ou melhor, por aqueles que primeiro organizam e utilizam a força para a concretização de seus anseios.
Não estou indo para lugar algum aqui. Não estou propondo uma interpretação explicativa para um contexto delimitado em um tempo específico. Não convenço a mim mesmo e não quero convencer possíveis leitores. Penso, ultimamente, em arregimentar meios de usar a violência, destrutiva e traumática, contra indivíduos ou grupos de indivíduos e tenho, para isso, uma consecução de exemplos enormes pelas mais variadas histórias dessa coisa pusilânime denominada humanidade. Mas mantenhamos a tranqüilidade de uma vida confortável e respeitosa ao sistema: não matarás. E não matarei. Quem acaba mais agredido é o agressor?
A sociedade é boa professora de modos: modos para educar: desmembrar, desarticular e, depois, reconstruir consciências. Mas às vezes as coisas desmancham-se mais do que o planejado. Ultrapassar a dimensão da castração, agredir o trauma [não vejo, no momento, possibilidades de superá-lo], a si próprio e aos outros. Auto-destruição coletiva. Algum dia.


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Série B
[...]
Caso nº 1 – Assassinato, por dois jovens argelinos, de 13 e 14 anos, de um colega europeu

Trata-se de uma perícia médico-legal. Dois jovens argelinos, de 13 e 14 anos, alunos de uma escola primária, são acusados de ter matado um de seus colegas europeus. Reconheceram ter cometido o ato. O crime foi reconstituído e foram feitas fotos. Nelas, vê-se um dos meninos segurando a vítima, enquanto o outro a esfaqueia. Os pequenos acusados não modificam suas declarações. Temos longas entrevistas com eles. Reproduzimos aqui alguns trechos:

a) Menino de 13 anos
‘Não estávamos com raiva dele. Todas as quintas-feiras, a gente ia caçar juntos, com atiradeira, na colina, perto da aldeia. Ele era um bom companheiro nosso. Não ia mais à escola, porque queria ser pedreiro como o pai. Um dia, a gente decidiu matar ele, porque os europeus, eles querem nos matar todos nós argelinos. Mas a gente não pode matar os grandes. Mas ele, da nossa idade, a gente pode. A gente não sabia como fazer. A gente queria jogar ele numa fossa, mas talvez ele ficasse só ferido. Então, a gente pegou uma faca em casa e matou ele.
-- Mas por que vocês o escolheram?
-- Porque ele brincava com a gente. Outro não teria subido lá com a gente.
-- Mas ele era um amigo.
-- É, mas por que eles querem nos matar? O pai dele é miliciano e diz que tem que cortar a nossa cabeça.
-- Mas ele mesmo disse isso a vocês?
-- Ele? Não.
-- Você sabe que agora ele está morto?
-- Sei.
-- O que é a morte?
-- É quando tudo acaba, a gente vai para o céu.
-- Foi você que o matou?
-- Foi.
-- Isso mexe com você, porque você o matou?
-- Não, eles querem nos matar, então...
-- Ir pra prisão te chateia?
-- Não.’

b) Menino de 14 anos.
Este jovem acusado contrasta nitidamente com o seu colega. Já é quase um homem, um adulto, por seu controle muscular, pela fisionomia, o tom e o conteúdo das respostas. Também não nega ter matado. Por que matou? Não responde, mas pergunta-me se eu já vi um europeu na prisão. Algum dia um europeu foi preso por ter matado um argelino? Respondo que, efetivamente, não vi europeus na prisão.
-- E no entanto, tem argelinos que são mortos todos os dias, não é?
-- Sim.
-- Então, por que só se vê argelinos nas prisões? O sr. pode me explicar?
-- Não, mas diga-me por que você matou esse menino que era teu companheiro?
-- Vou explicar... O sr. ouviu falar do caso de Rivet [Rivet é uma aldeia que, a partir de certo dia do ano de 1956, tornou-se célebre na região. Uma noite, a aldeia foi invadida por milicianos franceses que, depois de tirar da cama 40 homens, os assassinaram.]?
-- Sim.
-- Dois parentes meus foram mortos nesse dia. Na nossa terra, disseram que os franceses juraram matar todos, um a um. Algum francês já foi preso por causa de todos esses argelinos que foram mortos?
-- Não sei.
-- Pois é, ninguém foi preso. Eu queria ir pra montanha, mas sou pequeno demais. Então, falei com o X que a gente tinha que matar um europeu.
-- Por que?
-- O quê o sr. acha que a gente devia fazer?
-- Não sei. Mas você é uma criança e essas são coisas de adultos.
-- Mas eles também matam crianças...
-- Não é uma razão para matar o teu amigo.
-- Pois é, matei ele. Agora, pode fazer o que o sr. quiser.
-- Esse amigo tinha feito alguma coisa contra você?
-- Não, não fez nada.
-- E então...
-- É isso aí...”

Frantz Fanon. Os condenados da terra. Juiz de Fora, RJ: Editora da UFJF, 2005, p. 311-313.

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Nem tudo tão sério, alguma música:




sábado, 26 de dezembro de 2009

Vida após a Morte

Quando eu morrer eu corro o risco de descobrir a existência do mundo espiritual. Isso será muito frustrante, se acontecer, porque depois de ter chamado de cretinos todos aqueles que crêem em cousas maravilhosas d'outro mundo, terei de engolir o constrangimento e me explicar para o Senhor, sabendo que não posso enganá-lo. Será foda descobrir que todos os meus filósofos favoritos, cujos posters ainda estarão nas paredes de meu quarto, na verdade estavam muito errados!
Mas talvez não haja condenação e as coisas do além funcionem meio à deus dará. Se for assim eu poderei ficar vagando, como Patrick Swayze, que pegou a Demi Moore, mesmo depois de morto! Isso leva a crer que, tirando alguns detalhes envolvendo Whoopi Goldberg - porque Holywood, como os filósofos, também mente sobre as coisas do além - eu posso fazer QUASE o mesmo.
Deste modo, se eu me tornar um espírito livre para vagar pelo mundo, irei à casa das meninas bonitinhas que não conheci suficientemente em vida, e então espiá-las-ei (!) no banho!! hihi!

Continuação: Post Anterior - Parte 2 - O Buraco no Céu

No caminho para casa sentou-se no banco da praça. Se alguém perguntasse responderia que estava cansado. Cansado. E deixaria a pessoa interpretar o resto. A conclusão que chegariam talvez não seria a mesma dele, e esse era o propósito. Estava cansado de voltar todo dia para casa. Cansado de ver todia a mesma mulher e deitar na mesma cama para acordar na mesma hora e ir no mesmo emprego sempre no mesmo local e com o mesmo chefe. Queria aproveitar o momento enquanto sua cabeça estava leve da bebida. Olhava para o céu escuro. Estranhamente escuro, não havia lua ou estrelas. Escuridão total.

Olhou para a frente e pela primeira vez reparou num cachorro morto na calçada, próximo a um poste, encostado a um cesto de lixo. Quais teriam sido os últimos pensamentos do cachorro antes de perecer? Teria ele chorado? Teria ele sorrido? Ou simplesmente deitou naquela posição e deixou seu últimos segundos passarem, sem se importar? Ficou olhando para ele e pensou que as perguntas não faziam sentido, não eram relevantes. Aquele corpo havia apenas encontrado o caminho de toda existência: a morte. E, nesse fim, qualquer preocupação é irrelevante. Suspirou. Estava frio e escuro. E ele estava sozinho.

Nisso viu um grupo de três jovens passarem, vestidos de um jeito que lhe fazia pensar: "Melhor ficar longe, melhor não ter minha existência percebida." Olhou para eles, olhou para o cachorro morto, olhou para seu passado. Isso o ofuscou. Olhar para o seu passado é como olhar para o sol, não era possível olhar mais que um piscar de olhos. Tremeu de pavor. O que havia feito da vida? Tossiu. Uma tosse seca e sem motivo. Só para dizer que estava vivo. Que estava ali. Os três jovens pararam e olharam. Notaram a presença do homem pela primeira vez e deram um sorriso ao se aproximar. Começaram a falar algo. O homem olhava para eles como se ouvisse. Mas sua cabeça continuava no cachorro, caído na sarjeta, morto, irrelevante. Se levantou.

Os jovens tomaram um susto com essa atitude repentina. Um deles colocou as mãos no ombro do homem e tentou forçá-lo a se sentar de novo, enquanto outro sacou uma faca. Eles pareciam berrar agora. Mas não havia importância. Tudo era irrelevante e o céu continuava escuro. Um soco e o céu continuava escuro. Um chute e o cão continuava morto. Não importava. Mesmo cheia de sangue, aquela faca não fazia mais sentido do que sem A moralidade parecia ser assim agora, o que significava certo ou errado naquela situação? O cachorro nunca se perguntou, tinha certeza, se era certo ele morrer ali, abandonado. Ele simplesmente aceitou aquele momento único e seguiu com o fluxo natural das coisas. Aceitou que as coisas aconteciam. Aceitá-las ou não, isso era irrelevante, elas continuariam a ocorrer. Não havia sorte, nem havia azar, não importava a coragem, nem a hesitação. Aquele momento entranhado nas correntes do espaço-tempo era a única verdade existente para ele. Verdade. Palavra-forte. No caso daquele cachorro possuía o peso da morte. Outro soco, mais um chute.

Olhou para os três jovens caídos, gemendo de dor e deu um suspiro. Colocou as mãos dentro do casaco e começou a andar. O céu continuava escuro.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Variação: Um sonho, Iron Maiden e uma visão do céu

Há sempre um lugar no espaço e no tempo para as coisas acontecerem. E, como diria um sábio mestre, sempre existe aquela necessidade de procurarmos aquele momento entrenhado nas correntes do espaço-tempo em que colocaremos o dedo e diremos: "Foi aqui que tudo começou". E tudo começou com uma chama no céu. Bela. Até sumir na eternidade.

Entrou no bar. Precisava beber algo, sua vida clamava por isso. Estava acabado. Sentou no balcão e pediu uma dose de Whisky. Sabia que era caro, mas não se importava com o preço, não naquela noite. O atendente lhe deu uma dose bem servida, copo cheio, embora a maior parte fosse gelo. Pegou o copo e sentiu o aroma. O cheiro de carvalho invadiu suas narinas e sua garganta pediu um gole. Sentiu o líquido vibrar pela garganta como uma paixão que nunca sentiu de qualquer mulher. Colocou o copo na mesa. O gelo derretia, revelando as várias misturas, num espetáculo dançante. Deu um suspiro. Outra vez levou o copo até a boca e parou, sentiu o aroma e outro gole, apreciando cada camada. Nisso o silêncio se dissipou.

Pesosas riam e bebiam no lugar. Conversavam sobre qualquer coisa, assim como qualquer coisa era motivo de risada. Mas ele permanecia ali. Até que sentaram do seu lado. Um conhecido, amigo de bebida nos antigos tempo. Mas fazia tempo que não o via. Começaram a conversar. Ficou sabendo que ele tinha começado a namorar o amor da vida dele e estava feliz por isso. Tinham sido vários anos de insistência. Anos em que namorou várias. Propôs um brinde a isso. Brindaram. E, outra vez, levou o Whisky a boca e degustou como se não houvesse amanhã. E talvez não haveria.

Quando sua dose acabou pediu outra. O atendente lhe olhou com um sorriso e dizia que lhe faria uma especial da casa. Não ligou. Estava seguindo a inércia da vida naquele momento. Pegou a dose, que possuia a mesma cor dourada. Cheirou. Dessa vez havia um cheiro adocicado no meio. Deu um gole e identificou o sabor de mel na bebida. Por que não reclamou antes? Preferia o gosto puro. Mesmo assim bebeu. E logo constatou que era melhor do que imaginava. Mas a terceira dose fez questão de enfatizar a palavra "Puro". O atendente não pareceu gostar muito. Mas não ligou. Queria o gosto da paixão na sua garganta. A paixão vibrante que somente um Whisky puro pode oferecer. Adocicar com mel era arruinar isso! Não era uma menininha! O que mais iriam querer dele? Um carro com câmbio automático?! Bah! Queria aquele momento só dele, como uma chama que brilha mais forte antes de se apagar. Um momento egoísta! Cada gole era dele e só ele podia aproveitar! Não era essa a beleza de beber um Whisky? Cada pessoa aproveita camadas diferentes! Cada gole é um novo sabor descoberto! E não é só o saber no paladar, não! Começa com a visão! A visão da bebida, o prazer daquela cor dourada, das várias misturas surgindo com o derreter do gelo. Em seguida vem o olfato, os aromas. O prazer! Em seguida o paladar, aquele gole com apreciação das várias camadas de sabor, e o gosto que fica na boca depois. Aquele gosto que te diz: "Mais um gole. Mais um gole." Essa explosão! Seu corpo tremia, explodindo em prazeres!

Colocou o copo na mesa. Se sentia pronto. Pagou a conta, se levantou e saiu do bar. Olhou para o céu escuro. Deu um suspiro. Colocou as mãos no bolso do casaco e começou a andar.

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http://www.youtube.com/watch?v=u5UqJWRV55E

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Variação: Caetano, José Antonio e sangue a escorrer e alguma música

Começou aos poucos, mas quando dei por mim a situação já era grave. Sussurros distantes de início, hoje são gritos que parecem querer estourar minha cabeça para escapar ao mundo: incompreensíveis, em um primeiro momento. Escutei essas vozes com muita preocupação durante um longo tempo, hoje não me importo mais com isso, nem com nada, contudo, desejo dar testemunho de alguns acontecimentos prosaicos de tempos em que eu ainda preocupava-me, tenho que aproveitar enquanto ainda possuo fôlego e gastá-lo na esperança de morrer de estafa de tanto falar ou pensar, mesmo que para isso eu perca toda articulação da fala ou do pensamento, pois preciso de uma solução final que sobressaia ao ato final, pois a ação foi-me negada, várias vezes, pois minha escolha não é mais minha, pois se nada der certo espero perder-me.

*

Era dia de folga. Acordei mais tarde do que o normal e fui comprar um jornal, deixei o café da manhã para ser suprido pelo almoço. Nesse dia comecei a ouvir sussurros que pareciam expandir com leveza do fundo, seja lá onde este fique, da minha cabeça. Passavam despercebidos, caso eu desejasse, e até proporcionavam algum prazer contemplativo enquanto eu ficava deitado em minha cama a observar a imobilidade constante do teto e pensar em qualquer coisa que agora não mais rememoro.

Nos primeiros dias de volta ao trabalho com essa condição patológica – não sei se essa a melhor definição, espero explicar porque até o fim deste relato – não tive problemas, nem no relacionamento com os colegas do escritório – trabalhava em um escritório de contabilidade –, nem no rendimento do trabalho. Apenas dia a dia as vozes preenchiam cada vez com mais presença o meu ser e eu continuava sem compreender significado algum em sua progressiva balbúrdia.

Consultei um psicólogo recomendado pelo meu chefe após ter-lhe explicado minha situação. Stress: esse foi o diagnóstico. Ganhei uma dispensa de três dias do trabalho. O chefe sorriu, o psicólogo sorriu, eu ensaiei um sorriso, mas não consegui pari-lo. Fiquei em casa no primeiro dia. Coloquei fones de ouvido e tentei ouvir música, tentei ler um livro, tentei assistir televisão, tentei dormir. As vozes mantinham presença constante, pareciam conversar em idiomas desconhecidos para mim e mesmo assim não conseguia parar de atentar para elas. Segundo dia. Saí. Simplesmente saí. Andei e andei, sem mais. Não recordo mais quanto nem por onde. Apenas eu e as vozes, o mundo ao largo, impassível, estéril, mas pretensamente cheio de vida. Não sei onde dormi, ou se consegui dormir. Terceiro dia. Estava em um sanatório e descobri ao indagar o médico diretor do estabelecimento que eu havia chegado lá durante a madrugada, requisitado auto-internação e entrado em estado de histeria ao tentar explicar os motivos: fui sedado e assim fiquei durante umas boas doze horas ininterruptas até o momento em que despertei e fui descobrir onde eu e meus milhares de conversadores incógnitos estávamos. Aceitei os termos da situação. Aproveitei para realizar alguns perfis dos internos presentes no estabelecimento, com a ajuda das vozes, e penso ser interessante relatar o resultado final desse escrutínio, a meu ver, tão bem embasado.

Primeiro enfermeiro: insensato, comia formigas quando criança, possuía, em seus sonhos, a irmã que nunca teve, vestia branco, mancava levemente com o braço esquerdo ao andar de ponta cabeça, poucas palavras, não era carinhoso nem rude.

Segundo enfermeiro: olhos pareciam bolas de gude verdes e causavam uma ótima impressão com seu bigode que, ao sol, parecia brilhar com um azulado fosco, causava-me grande impressão tal aparente contradição, gostava de jogar cartas, vestia branco, sorria para mim, desgostava-se, era um pai exemplar.

Primeira enfermeira: sorriso moderado, boa-fé, algum descaso vez ou outra, conversava comigo quase todo dia, amava sua mãe e cuidava dela com muito carinho, quando esta morreu ficou triste por dias, manejava injeções como ninguém e adorava o barulho da chuva em dias quentes, vestia branco.

Médico chefe: austero, boa-pinta, sapiente e levemente intransigente, gostava de jogar bafo nos intervalos da escola primária e até hoje guarda com carinho suas memórias de infância, vestia branco, lia muito, romances, poesias e artigos científicos, confidenciava comigo assuntos variados quando íamos para o banho de sol.

Havia ainda outros personagens peculiares dos quais não consigo encontrar o resultado de nossas observações. A equipe da qual eu fazia parte – se esqueci de mencionar antes, desculpe-me, montei um grupo de pesquisa já no segundo dia de estadia no sanatório: somados éramos em torno de trinta: eu, oito catatônicos, onze considerados dementes genéricos, seis com distúrbios constantes de personalidade, quatro senhores idosos abandonados por seus familiares e mais a multidão de milhares em minha mente – tinha o intuito nobre de elaborar um diagnóstico preciso dos indivíduos tão problemáticos, coitados, que pensavam estar tratando de nós. O resultado foi ótimo, apesar das reuniões geralmente não serem realizadas com todos os membros da equipe e, ocasionalmente, serem presenciadas por algum enfermeiro(a) ou visitante. Acabado o trabalho, agradeci todos meus colegas de pesquisa e informei com total certeza meu interesse de abandonar o sanatório ao médico chefe. Após duas semanas recebi permissão para sair do recinto. E assim saí. Mesmo. São, com o sentimento de trabalho realizado com sucesso e satisfiz, pensei naquele momento, as companhias que vociferavam na minha cuca.

*

Contudo, o tempo continuou passando e passando. Não sei onde estou e o barulho é tanto na minha cabeça que já não sei bem: penso compreender o que se passa aqui dentro de mim. Mas não consigo mais compreender o que se passa fora de mim: o mundo e suas personagens, seus atos, suas construções, suas palavras, seus desejos, agora, não possuem significado algum. Se ao menos pudesse expor minhas vozes para todos, mas não posso, são só minhas, elas dizem. Como comecei dizendo: falo e penso, falo e penso, só comigo e com muitos em mim mesmo. Tentei diversas vezes expandir-me ao mundo: verti o sangue de diversas partes do meu corpo, diversas vezes: toda vez que sentia minha consciência esvaindo, o sangue começava a refluir e quando eu me dava conta as feridas estavam fechadas. Minha vida prolonga-se, por mais que eu intente contra. Enquanto isso, todos os outros parecem estar definhando. Mantenho monólogos com todas as vozes, agressivas ou pacíficas, retumbantes em minha cabeça e tento desaparecer em mim e vejo o mundo desaparecer em todos e todos desaparecem, espero. Espero e espero e não desejo achar coisa alguma a não ser um lugar para perder-me em definitivo enquanto falo e penso, falo e penso e o mundo desmorona.



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breve pós-escrito: recomendo ouvirem as composições presentes no álbum "actios", conduzidas e executadas por krzysztof penderecki e don cherry e outros vários músicos. infelizmente não encontrei uma amostra no youtube para disponibilizar. caso tenham interesse podem encontrar com alguma facilidade em outros blog e afins.

domingo, 20 de dezembro de 2009

( )

- Não quero saber de você contaminando ela com esse jeito!
- Num mundo de mentiras, sarcasmo é a única forma de verdade.
Olhou para ele. As rugas em sua face mostravam toda a experiência de uma vida que se aproxima do fim. E, nesse momento, a única pessoa com quem podia contar era ele.
Estava sentado do outro lado da mesa, num sofá confortável. Vestia uma regata branca que mostrava seus músculos. Acendeu um cigarro, se levantou e pegou a jaqueta de couro preta na mesa. Jogou-a por cima do ombro, deu uma baforada:
- Agora, onde ela está? - Observou as reações da velha, uma rápida olhada pra cima, quase imperceptível - Lá em cima?
Suas mãos tremiam, mas antes que pudesse responder, ele já subia as escadas...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

o sangue já descia pela sarjeta em direção ao bueiro mais próximo..
ele seguia calado a semana toda..a última vez que conversamos ele não parava de falar de vermes.
me contou que um dia caminhava pela rua quando viu um senhor tropeçar na raiz de uma arvore e cair com o rosto no chão. apoiei com as mãos para não ferir o rosto...minhas mãos se cortaram e queimaram no asfalto quente..não foi suficiente. quebrei meu nariz e esfolei boa parte da face direita..sentia um dos olhos sumindo sob o inchaço do tecido organico lastimado. quando ele se levantou escorria do rosto sangue e pendiam vermes das feridas.

outro dia estava no ônibus das 23:00 que seguia para um dos grandes terminais da cidade. disse que nao achava justo sentar-se para dormir pq havia passado o dia sem fazer nada, assistindo filme na casa da namorada, ao passo que ali haviam mtos trabalhadores cansados. comecei a cochilar assim que sentei, embora não quisesse. posterguei a hora de levantar pq já achava que nao ia dormir. acordei um ou dois pontos antes da minha parada, muito convenientemente..os vermes estavam em seu assento, e talvez estiveram em sua boca pq ele sentiu um gosto mto familiar ao despertar..

a garota o amava e ele sabia disso. mas não foi o suficiente para seguralo dois dias mais. quando os bombeiros chegaram o sangue já descia pelos ladrilhos em direção ao ralo mais próximo..

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Variação: Confessions of a Dangerous Mind

Mas que coisa fácil, havia pensado, dias atrás, quando se inscreveu para o programa. Era um programa novo. Mas o prêmio era bom: Uma geladeira nova! Daquelas que se vê nos comerciais, com as pessoas sorridentes. Mal podia esperar para mostrar para a familía. Iria uni-los como nunca. E tudo que precisava fazer era ir no nesse programa e contar suas realizações na vida.

Agora estava sentado em frente as câmeras. O apresentador era gente boa, antes de levá-lo para o palco disse que se não quisesse participar tudo bem. Mas por que não iria? Uma geladeira nova! Família sorrindo! Que nem naqueles comerciais. A que tinha em casa era pequena. Ficava tudo apertado. Mas com a nova seria diferente. A familía sorriria com as coisas mais separadas! Mal podia esperar.

Tinha mais dois caras ali. Conversou com eles um pouco antes de entrar no palco, não muito: não era uma boa estratégia. Eram seus concorrentes. No final, só um deles levaria a geladeira nova.

O programa era ao vivo. Tudo ocorrera bem no primeiro bloco. Só tivera que falar um pouco quem era, fazer uma conversa com o apresentador, os outros dois caras. Só para enturmar o público. O desafio viria depois. Mal podia esperar. Até suava um pouco.

Logo estava lá. Sozinho. Só as cameras, a platéia e o apresentador olhando para ele. Ninguém ousava interferir. Olhavam sério a cada palavra que dizia. Contava sobre sua vida, ia recuperando memórias esquecidas e colocando-as na história. Olhavam para ele, um olhar profundo e silencioso. Contava sobre a família, a mulher, os filhos. As trevas pareciam encobrir tudo naquele espaço, será que reduziam a iluminação? Sobre o emprego. Ou era impressão? Colocava os sentimentos em cada palavra, queria a geladeira. Os olhares, o poder dos olhares, sérios. Dizia dos seus planos de jovem. Suava, as mãos tremiam, os olhares no fundo de sua alma. Suas conquistas. A geladeira. Pegou a arma em cima da mesa e disparou.

Perdeu a geladeira e os sorrisos da família. Trocou-os pela vida, que se esvaia no sangue rubro escorrendo pelo palco.

"I came up with a new game show idea recently. It´s called 'The Old Game'. You got three old guys with loaded guns onstage. They look back at their lives, see who they were, what they accomplished, how close they came to realizing their dreams. The winner... is the one who doesn´t blow his brains out. He gets a refrigerator.'
Confessions of a Dangerous Mind.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O Imponderável

Joãozinho já não aguentava mais. Tudo o que fazia, fatalmente dava errado. "Puta que pariu!" dizia. Nem queria sorte, "porque isso enfraquece o homem!" dizia entre os risos desdenhosos dos amigos. Além do mais, esperar por sorte seria esperar demais. Queria apenas contar com alguma feliz coincidência, pelo menos de vez enquando... Mas justamente quando precisava contar com alguma feliz coincidência, invariavelmente fodia-se. Tudo conspirava contra.
Então, numa manhã inexplicavelmente inspirada achou a resposta: deveria viver, daquele momento em diante, de acordo com O PRINCÍPIO DA RAZÃO. Sim! Porque deste modo teria tudo calculado, tudo planejado e tudo ordenado. Deste modo não tinha erro, suas ações racionalmente organizadas converteriam suas boas intenções em sucesso!!
Então saiu de casa e quando virou a esquina sentiu algo caindo em sua cabeça. Depois de alguns segundos percebeu que o que o atingira era quente e molhado. Passou a mão para ver o que era. Não identificou na hora o que era, mas a cor era marron-amarelado-esverdeado. Estava de baixo de uma árvore, então olhou para cima e viu uma pomba rola sorrindo-se de seu feito terrorista. Cagara-lhe sobre a cabeça recém racionalmente ordenada. "Puta que pariu!"

domingo, 13 de dezembro de 2009

Havia Pegadas

- Criou pernas e fugiu!
- Como assim?!
- Estou dizendo! Criou pernas e fugiu!
- Não é possível.
- Também não acreditaria se me contassem. Mas eu vi. Deixou até pegadas!
- Pegadas?! Como assim?!
- Deixou pegadas. Sério!
- Olha. Já ouvi todas as desculpas possíveis! Mas essa é demais! Se você tivesse apenas me dito que não leu, eu não me importaria.. Mas isso..
- É sério! Veja!
E estendeu uma foto.
O amigo, sentado do outro lado da mesa, estendeu a mão e a pegou. Olhou-a uma vez. Deu uma piscada longa, olhou de novo e começou a tremer. Havia... Havia... Havia pegadas!




sábado, 12 de dezembro de 2009

Uma dança

Não queria dançar, mas insistiam.

Há alguns dias, sentado no banco de uma praça qualquer, tive uma grande idéia qualquer. Esqueci-a momentos depois. Vários pombos circundavam minha existência: gordos, magros, cores variadas, todos balançavam suas cabeças em sinfonia com um som ritmado e constante. Perdi a noção do tempo. Os pombos comiam milho, pão, bolacha, sujeira e engordavam e ficavam cada vez maiores e logo, à esquerda, um cachorro foi vítima de uma bicada que lhe partiu ao meio. As crianças felizes com seus balões ensaiaram um choro, mas não conseguiram, pois os pombos atacaram-nas vorazmente enquanto mães desesperadas eram arremessadas para longe por asas fortes e de largas penas. O barulho era tamanho que acordou o padre da igreja matriz. Os pombos foram convertidos e, quando estavam para começar o churrasco com os restos humanos e de pombos – alguns foram mortos por aposentados nervosos que jogavam dominó –, caí do banco, acordei e espantei um bando de pombos curiosos que por perto ciscavam.

Outro dia consegui um bom almoço. Arroz, feijão, bife e alface e ganhei até um copo de suco. Gosto de comer sem falar, apenas comer, olho na comida e comida para a boca e estômago contorcendo de felicidade e de angústia. Algumas coisas poderiam ser repetidas mais vezes: meu corpo discute comigo e faz com que essa verdade imponha sua presença permanente. Aproveito para dormir durante a tarde.

Era noite. Observava os semáforos piscando suas luzes amarelas. Tudo estava bem quieto e tudo estava muito bem. Mas veio o barulho: buzina, vozes e mais vozes, gritos, risadas, pessoas. Viram-me, caminhavam em minha direção. Ficaram observando-me e eu fiquei observando-as. Riam e falavam entre elas. Eu não ria nem falava: sabia do pior da vida e não diferenciava os outros de mim mesmo. Um rapaz deu-me um leve chute na perna esquerda enquanto o resto ergueu a voz e esbravejavam comigo. Não queria dançar, mas insistiam.

Nota póstuma: indigente bóia com o corpo inchado em uma lagoa afastada. Não foi encontrado, apodreceu: inseriu-se na humanidade.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Cena no Bar - Adaptação de Inglorious Basterds

Personagens importantes:

- Capitão X = Espião americano disfarçado de Capitão alemão.
- Capitão Y = Judeu alemão disfarçado de capitão alemão.
- Alemã Famosa = Atriz famosa alemã agindo como espiã para auxilar os americanos.
- Capitão SS = Um Capitão da SS presente no bar.
- Bêbado = Um soldado alemão bêbado e ousado se divertindo no bar.
- Amigos do Bêbado = Soldados alemães bêbados que estavam se divertindo no bar.

Perícias relevantes:

- Diplomacia
- Conhecimento (local)

- Mentir
- Intimidar

História:

Capitão X, Capitão Y e a Alemã Famosa sentam-se na mesa de um bar na França durante a ocupação alemã e começam a conversar sobre o golpe. O Mestre diz que um dos alemães jogando na mesa do lado acaba de vencer a partida e começa a comemorar. Ele se levanta alegre e decide pedir um autografo para a Alemã Famosa. Não só pega o autógrafo como se senta na mesa e começa a xavecá-la, sem pretensões de sair tão cedo.

O Capitão X incomodado com a presença do Bêbado decide intimidá-lo para que ele saia da mesa. Basicamente, ele alega que um soldado de baixa patente não deve sentar na mesma mesa que um Capitão. Ele faz o teste de Intimidar. O Mestre decide que o Nível de Dificuldade do teste tem um acréscimo de +2, porque o personagem a ser intimidado está altamente alcoolizado e, portanto, não completamente ciente dos perigos de sua situação.

O Capitão X falha no teste por causa desse modificador extra. Ou seja, os parceiros do Bêbado ficam com medo, mas ele, por causa da bebida, não compreende completamente o perigo e a agrava comentando que o sotaque do Capitão X é estranho.

O Capitão Y ao lado decide tentar intimidá-lo também. Mas o Mestre nega o teste, porque ele já foi intimidado e não deu certo. O Capitão Y explica, então, que pretende intimidar os amigos do Bêbado, dizendo que eles são responsáveis pela atitude dele. E, assim, ele pretende que eles o tirem da mesa. O Mestre aceita essa possibilidade.

O Capitão Y joga intimidar com um modificador favorável de +2, porque o Intimidar do Capitão X já deixou os amigos do Bêbado mais suscetiveis a outra intimidação. O Capitão Y assusta os amigos do Bêbado que vão tirá-lo da mesa.

Em segredo, o mestre faz um teste de Ouvir para um Capitão da SS que está bebendo cerveja num canto oculto do Bar e decide que ele também percebeu a estranheza do sotaque do Capitão X. Por isso, o Capitão da SS vai até a mesa em que se encontram o Capitão X, o Capitão Y e a Alemã Famosa e decide esclarecer esse pequeno detalhe.

O Capitão X inventa uma história de que o sotaque é de uma vila alemã pequena bem do interior, e que ela inclusive aparece no filme da Riefenstahl. Para ser bem sucedido nessa história ele joga um teste de Blefar contra o Insight do Capitão da SS. O Mestre decide que alguns fatores podem facilitar essa Mentira. Então ele joga escondido um auxilio da Alemã Famosa. A Alemã Famosa passa no teste, o que adiciona um modificador positivo de +2. O Capitão X passa no teste e a Alemã Famosa confirma com sucesso sua história.

O Capitão da SS se convence e decide se sentar lá para se divertir com eles. Eles começam a conversar e a jogar. O Capitão X percebe que, se não derem um jeito de tirar o Capitão da SS da mesa, nunca acertarão os detalhes do golpe. Então ele decide convencê-lo de que ele está atrapalhando uma reunião de velhos amigos. Para isso, o Capitão X faz um teste de Diplomacia, o qual passa por pouco e, por isso, o Capitão da SS quase que se sente ofendido, o que gera certa tensão, mas ele leva de boa no fim e decide pagar uma ultima rodada de Whisky para todo mundo. O Capitão X aceita.

Para encerrar esse Encontro o Mestre diz que o Capitão X deve fazer um teste de Conhecimento (Local), para ver se ele conhece os sinais não-verbais alemães. O Capitão X faz o teste e critica negativamente! Por causa disso, ele faz um sinal errado que revela que ele é um espião e isso leva a um tiroteio em que todo mundo morre.

Fim.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Cacildis!

Hoje eu decidi ir pro buteco sozinho, porque se não tenho ninguém pra beber comigo, isso não quer dizer que eu não deva ou não possa beber mesmo assim. O problema é que nessas horas fica difícil negar a realidade irremovível do nascimento do vício crônico do alcoolismo, que um dia há de matar-me pelo fígado e pelo cerebelo. Mas o certo é que todo mundo um dia morre, e isso acontece mesmo que seja pelo atropelamento por um caminhão, ou o que é incomparavelmente pior, pela queda súbita do teto da minha casa. Ou pelo incêndio do gás encanado. Eu não sei bem como deve ser quando acontece de incendiar o gás encanado, mas acho que deve pegar fogo no prédio inteiro, de dentro pra fora, primeiro nos dutos, depois invadindo os lares dos condôminos. Fogo de dentro pra fora é o que os especialistas chamam de efeito pavio, o que quando acontece em seres humanos chama-se Combustão Espontânea Humana (CEH). Dizem que apesar de raro, isso é bem normal, e portanto, acontece mais do que a gente imagina.
Beber sozinho no boteco da esquina e confirmar o vício vergonhoso do alcoolismo. Hoje em dia isso não tem nada de mais. Se bem que pouco importa...
Depois volto pra casa cambaleando, chutando cachorro morto, mas com todo respeito, com responsabilidade social. É... então é isso.... acho que este é um belo hábito a ser cultivado neste momento. Cultivar o hábito do alcoolismo, como quem cultiva uma plantinha. Ver brotar a partir das primeiras gotas de pinga solitária, os galhos do vício destrutivo, que apesar disso é divertido, porque quando enfim eu fizer de um canto sujo de baixo da ponte minha casa, meu desjejum será uma garrafinha de plástico de Pedra 90, entornada num gole só pra dentro das vísceras sorridentes, sob os olhares atentos dos cachorros bêbados de pulgas.