sábado, 26 de dezembro de 2009

Continuação: Post Anterior - Parte 2 - O Buraco no Céu

No caminho para casa sentou-se no banco da praça. Se alguém perguntasse responderia que estava cansado. Cansado. E deixaria a pessoa interpretar o resto. A conclusão que chegariam talvez não seria a mesma dele, e esse era o propósito. Estava cansado de voltar todo dia para casa. Cansado de ver todia a mesma mulher e deitar na mesma cama para acordar na mesma hora e ir no mesmo emprego sempre no mesmo local e com o mesmo chefe. Queria aproveitar o momento enquanto sua cabeça estava leve da bebida. Olhava para o céu escuro. Estranhamente escuro, não havia lua ou estrelas. Escuridão total.

Olhou para a frente e pela primeira vez reparou num cachorro morto na calçada, próximo a um poste, encostado a um cesto de lixo. Quais teriam sido os últimos pensamentos do cachorro antes de perecer? Teria ele chorado? Teria ele sorrido? Ou simplesmente deitou naquela posição e deixou seu últimos segundos passarem, sem se importar? Ficou olhando para ele e pensou que as perguntas não faziam sentido, não eram relevantes. Aquele corpo havia apenas encontrado o caminho de toda existência: a morte. E, nesse fim, qualquer preocupação é irrelevante. Suspirou. Estava frio e escuro. E ele estava sozinho.

Nisso viu um grupo de três jovens passarem, vestidos de um jeito que lhe fazia pensar: "Melhor ficar longe, melhor não ter minha existência percebida." Olhou para eles, olhou para o cachorro morto, olhou para seu passado. Isso o ofuscou. Olhar para o seu passado é como olhar para o sol, não era possível olhar mais que um piscar de olhos. Tremeu de pavor. O que havia feito da vida? Tossiu. Uma tosse seca e sem motivo. Só para dizer que estava vivo. Que estava ali. Os três jovens pararam e olharam. Notaram a presença do homem pela primeira vez e deram um sorriso ao se aproximar. Começaram a falar algo. O homem olhava para eles como se ouvisse. Mas sua cabeça continuava no cachorro, caído na sarjeta, morto, irrelevante. Se levantou.

Os jovens tomaram um susto com essa atitude repentina. Um deles colocou as mãos no ombro do homem e tentou forçá-lo a se sentar de novo, enquanto outro sacou uma faca. Eles pareciam berrar agora. Mas não havia importância. Tudo era irrelevante e o céu continuava escuro. Um soco e o céu continuava escuro. Um chute e o cão continuava morto. Não importava. Mesmo cheia de sangue, aquela faca não fazia mais sentido do que sem A moralidade parecia ser assim agora, o que significava certo ou errado naquela situação? O cachorro nunca se perguntou, tinha certeza, se era certo ele morrer ali, abandonado. Ele simplesmente aceitou aquele momento único e seguiu com o fluxo natural das coisas. Aceitou que as coisas aconteciam. Aceitá-las ou não, isso era irrelevante, elas continuariam a ocorrer. Não havia sorte, nem havia azar, não importava a coragem, nem a hesitação. Aquele momento entranhado nas correntes do espaço-tempo era a única verdade existente para ele. Verdade. Palavra-forte. No caso daquele cachorro possuía o peso da morte. Outro soco, mais um chute.

Olhou para os três jovens caídos, gemendo de dor e deu um suspiro. Colocou as mãos dentro do casaco e começou a andar. O céu continuava escuro.

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