quinta-feira, 18 de abril de 2013

O segredo dos seus olhos, 2009 (dirigido por Juan José Campanella)


Coloca-se a questão sobre o tempo, a vida e a memória. Sobre o passado, o futuro e o esquecimento. Por esta razão o filme se passa entre dois tempos separados, um no passado, outro no presente.

A questão central é que estes tempos separáveis compõem, entretanto, uma mesma vida. É isso que Espósito demora a perceber. Somente após ter cabelos brancos e rugas no rosto ele notou que sua vida inteira foi preenchida por distrações que, ao se acabarem deixaram vazio e solidão. Na sequência rápida de lembranças ao final do filme, destaca-se o momento em que Sandoval colocou, como solução para pegarem Gomez, um princípio imutável do ser humano: a paixão. Segundo Sandoval, tudo muda com o tempo, exceto a paixão do homem. Esta questão é central ainda que se desenrole lateralmente em relação à trama que conduz o filme, composta pela morte de Liliana Colotto e a necessidade de encontra Gomez, seu assassino. Este problema central é a paixão de Espósito por Irene, que ele demora a admitir para si mesmo, para os outros, e sobretudo para ela. O ressentimento por sua posição inferior, a sombra do noivo rico de Irene, imobilizam Espósito apesar das demonstrações de afeto dadas por Irene, da esperança de Irene que a declaração do amor de Espósito pudesse liberá-la de um relacionamento talvez indesejado.

Espósito encanta-se teoricamente, esteticamente, com um amor alheio, vivido por Morales e Liliana. Um amor visto romanticamente por Espósito como amor que dá sentido à vida, sobretudo após a morte de Liliana. Causa encantamento a Espósito ver a dedicação de Morales empenhado em encontrar o assassino como se fosse a única coisa que lhe restasse.

Justamente esta admiração pelo amor alheio é que faz Espósito, passados 25 anos do assassinato de Liliana, querer escrever um romance sobre o caso. Queria transformar em arte, imortalizar a lembrança daquele caso que preencheu o vazio de sua vida. É esta confusão, entre o Caso Morales e a própria vida, que 25 anos depois, leva Morales a dizer a Espósito “é a minha vida, não a sua”, e pede a Espósito que esqueça. Nesse ponto o filme conduz a conclusões que rompem com a obviedade sem romper com a coerência. Quando parecia que Morales tinha sido capaz de esquecer, revela-se que ele próprio mantinha Gomez como prisioneiro em sua casa. Este fato insólito relaciona-se com toda a discussão central, pois mantendo Gomez nesta condição, Morales manteve suas convicções a respeito da existência sem Liliana. Para ele, desde o momento do assassinato da mulher, a morte de Gomez jamais poderia ser uma compensação. A própria morte, na verdade, era um desejo que Morales não podia evitar ao longo de seus dias. Para Gomez cabia a prisão perpétua como modo de fazê-lo viver o vazio. É uma questão recorrente no filme, “como viver uma vida cheia de vazio?” É apenas nesse momento que Espósito se dá conta de tudo. Ele percebe que a vida do passado e a vida do presente são a mesma vida. O filme propõe uma discussão complexa entre o que é preciso esquecer e o que é preciso lembrar. Não é possível abraçar a solução simples de olhar para frente e deixar o que passou; não é possível revirar o passado em busca da explicação total das coisas, sem correr o risco de perder a dimensão do presente.

sábado, 6 de abril de 2013

Os Sonhadores, 2003 (dirigido por Bernardo Bertolucci)




O filme coloca, sobretudo, a relação entre cinema e realidade, na verdade como instâncias opostas, ou seja, o cinema como irrealidade.

Essa oposição, mais ainda, a contradição entre cinema e realidade está colocada a partir dos irmãos Isabelle e Théo, filhos de intelectuais franceses, universitários cinéfilos em Paris durante o Maio de 1968. Essa contradição apresenta-se e se desenvolve pela relação estabelecida com o personagem narrador do filme, Matthew, um jovem americano estudante daquela mesma universidade e também um cinéfilo. É fundamental para sua caracterização sua apresentação como cinéfilo, que vai às sessões de filmes e não conversa com ninguém, até conhecer Isabelle. Neste momento desdobra-se a discussão sobre a figura do cinéfilo como um tipo social que estabelece uma forma específica de sociabilidade evidentemente baseada no conhecimento sobre os filmes. A este aspecto acrescenta-se toda a discussão sobre a vida burguesa, a questão do engajamento, da liberdade de expressão, o pacifismo.

A relação entre Isabelle e Théo é apresentada tendo como destaque óbvio a sexualidade, trata-se de uma relação incestuosa, pelo menos sob uma perspectiva superficial. Outras questões estão por trás do óbvio. Isabelle e Théo apresentam-se a Matthew como irmãos gêmeos, irmãos siameses, duas partes de uma mesma pessoa. Matthew os ama como se amasse uma única pessoa, pelo menos até o momento em que se apaixona por Isabelle. É nesse momento que a contradição entre o cinema e a realidade se coloca de forma contundente, quando Matthew explicita a ilusão que predomina na relação entre Isabelle e Théo, unidos de forma inseparável em um mundo só deles, um mundo baseado na imitação de cenas de cinema, em jogos que, segundo Matthew, os impede de crescer.

Em um desses jogos Théo desafia Isabelle e Matthew a fazerem sexo na frente dele. É nesse momento que Matthew se apaixona por Isabelle. Após o sexo revela-se que apesar de toda a atitude moderna e liberada, avessa às convenções burguesas, Isabelle era virgem. Isabelle admite que apenas encenava aquela atitude que ocultava a vida privada ligada ao irmão e ao cinema. Como contraponto óbvio à ilusão do cinema, a realidade aparece em todo seu esplendor de movimento colocada nas turbulências sociais dos conflitos de rua do Maio de 1968. Caracteriza-se a situação da vida acontecendo do lado de fora enquanto Isabelle, Théo e Matthew permaneciam dentro do apartamento entretidos com jogos sexuais e discussões sobre cinema, incapazes de fazer a própria comida. Quanto a este aspecto há uma contradição aparentemente inexplicável. Desde o início, Théo é caracterizado por uma personalidade forte, quase arrogante, impetuoso em relação à transformação do mundo e à necessidade de subverter o tipo burguês de vida. A sequência do jantar em família torna evidente este traço como elemento importante da personalidade de Théo, quando ele se empenha em desqualificar a capacidade do pai, refutar suas posições, consideradas conservadoras apesar do pai ser um poeta. Théo quer misturar-se ao movimento das ruas, coloca-se nas primeiras fileiras de combates contra a polícia. Matthew, que denunciou a ilusão de Théo e Isabelle, coloca-se como pacifista, censura Théo por seu radicalismo. Ao mesmo tempo, Matthew acredita também na importância de reconhecer-se o valor dos soldados que lutam no Vietnã. Isabelle não pode suportar o amor como Matthew propõe. Ela entra em crise, não pode ter violado pelo sexo seu quarto de criança ainda preservado. Isabelle renuncia ao amor de Matthew e vai com Théo, ambos tomados pela paixão do movimento revolucionário nas ruas de Paris.