quarta-feira, 16 de outubro de 2019

pequenas destruições, 1

O dia amanheceu verde, o céu vermelho. Janelas fechadas contribuíram para minha confusão cromática, mas garanto a fidelidade das minhas impressões. Não dormia há pouco mais de cinquenta horas. Na real, recebi o amanhecer como um susto sutil, sem surpresa ou ímpetos de agradecer à natureza pela beleza de mais um dia. [...] O assovio leve do vento pelas frestas e o balançar metálico das folhas e do vidro da janela garantiam alguma certeza da minha presença desperta. [...] Saí para o trabalho, passos largos, constantes e com rumo definido, quase automáticos. Deixei descansando embaixo da cama outro recipiente da minha personalidade. Bom dia, sol? Não, ele olhou-me ameaçadoramente enquanto eu atravessava a Aquidabã, resolvi ignorar sua existência apesar de sua claridade que insistia em entrar no meu cérebro e perturbar qualquer possibilidade de desligamento. Senti que o outro eu também estava perturbado com essas agressões luminosas, a crescente distância física ainda não permitia descanso verdadeiro. [...] No trabalho, comentários variados e desnecessários sobre vidas que não conhecemos tão bem, mas que julgamos como se soubéssemos inclusive o que é melhor para nós mesmos. Isso com o acompanhamento e auxílio de planilhas e números. Pausa para café, mastigo uma maçã, tento absorver cafeína sem vomitar. Amoxicilina: com atraso, medico-me. [...] Não almoço, continuo acordado, ainda na escola, agora com alunos. Se saísse do meu corpo, talvez pensasse que estava em plena forma mental, mesmo que com os visíveis traços de desgaste físico. Isso me diverte. [...] Parei em casa depois de 18h, não encontrei meus vestígios embaixo da cama, ainda não sei exatamente onde estive. Lua nova firme entre nuvens e boa noite.