sexta-feira, 28 de junho de 2013

Tróia, 2004 (dirigido por Wolfgang Petersen)


Estão bem assinaladas as questões que devem vigorar como aspectos fundantes da civilização ocidental.

A motivação de Aquiles, que existe como revelação e como destino, ou seja, a busca pela glória imortal tendo como preço a condição de não retornar à Grécia, constitui o fundamento de uma consciência muito forte de sua individualidade. Os propósitos de Agamenon e Menelau, como a união dos gregos, pouco lhe importam. Essa busca de satisfações individualistas está, em Aquiles, articulada com um sentimento intenso de eternidade fundado no valor da perpetuação pela memória e da concepção de que a memória preserva os grandes nomes. Existe, contudo uma tensão nesta concepção, uma vez que Aquiles, ao considerar-se um guerreiro, não pode admitir as pretensões de Agamenon, aliás baseadas nas mesmas concepções e valores de perpetuação da memória, de ter seu nome imortalizado como conquistador de Tróia. Contra os argumentos de Aquiles, que quer sustentar que são os soldados que, de fato farão a conquista, Agamenon afirma categoricamente que é o nome dos reis que são lembrados pela posteridade. Neste momento, Ulisses aconselha a Aquiles que não dê ouvidos, que na guerra os jovens morrem e os velhos falam.

Ainda contribuem com a formação do caráter de Aquiles e de seu individualismo, reflexões cujo centro é o desapego da vida e a convicção resignada de que todos os homens morrem, hoje ou depois de muitos anos, não há diferença.

O individualismo ainda é central, mesmo na própria causa da guerra, o amor entre Páris e Helena. No entanto, aí há um conflito, igualmente colocado como fundante da civilização ocidental, os limites entre os desejos individuais, movidos pelos sentimentos, e os interesses coletivos. Os interesses coletivos, além do mais estão baseados no valor da tradição das muralhas de Tróia, que nunca foram ultrapassadas e da espada da realeza troiana, que há muitas gerações garante as conquistas da cidade e que deve continuar a garantir sua existência e sua grandeza. O individualismo de Páris é afetado por sua extrema fragilidade, e Páris sente-se desonrado por ela, como também sente a responsabilidade de ter causado a guerra. É justamente Páris, o mais frágil dos homens, que matará Aquiles, o mais próximo da invencibilidade. Isso porque Aquiles, em Tróia, descobriu também suas próprias fragilidades ao apaixonar-se pela prima de Páris. Ao salvá-la, Aquiles ficou vulnerável às flechas de Páris. De todo modo, mesmo antes disso, ela, uma sacerdotisa de Apolo – com a recorrente personalidade forte das mulheres que, no cinema hollywoodiano, amolecem os homens rudes – mostra a Aquiles a fraqueza que há em ter como única qualidade a capacidade de matar. Nisso ressalta o amor como qualidade, o que legitima também a guerra causada por Páris – inclusive reforçando as palavras do rei Príamo a respeito de fazer guerra por amor, em vez de fazer pelo poder – apesar da sobreposição das disposições individuais sobre o interesse coletivo.

Outro personagem central é Heitor, que apresenta complicações importantes que se articulam às questões já apresentadas nas caracterizações dos demais personagens. Sobretudo, Heitor apresenta recorrentemente objeções aos presságios dos deuses. Aquiles também faz isso em alguns momentos – inclusive corta a cabeça da estátua e profana o templo de Apolo – mas por orgulho, certamente. Em Heitor, parece despontar uma visão laica e materialista, que aposta exclusivamente na força dos exércitos e quer desconsiderar as decisões baseadas nos juízos dos leitores de presságios. Nas vezes em que isso acontece, Heitor sempre é repreendido pelo rei Príamo, que insiste em confiar nos presságios e, a todo momento, toma, por isso, decisões erradas. De modo geral é difícil de tomar um partido entre gregos e troianos. A simpatia por ambos os lados é inclusive resultante da preocupação central com a perpetuação da memória dos grandes homens que colocaram com seus valores individuais as bases da civilização ocidental. A conclusão é explicitada nas palavras finais do narrador, Ulisses, confirmando a honra de ter vivido no tempo de Heitor e de Aquiles, cuja glória os tornou miticamente eternos.

sábado, 8 de junho de 2013

Eu e você, 2012 (dirigido por Bernardo Bertolucci)


O amor entre irmãos aparece, nas condições que estão colocadas, como uma impossibilidade que a ordem de apresentação das coisas parciais que o representam desmente aos poucos. Eles são filhos de mães diferentes e é este o centro de seus aspectos problemáticos mais evidentes. As mães diferentes e, no caso de Olívia, um ressentimento em relação ao pai, que a abandonou com sua mãe, para viver com Sonia, com quem teve outro filho, Lorenzo. Este pai não aparece em momento algum.

As consequências aparecem antes dos atos que as desencadearam. Isso, de forma não tão fragmentada. As coisas, na verdade, se explicam aos poucos. As palavras do psicólogo a Lorenzo na primeira vez em que ele aparece, indicam que ele seja um adolescente problemático, como também o fato em si de estar diante de um psicólogo. As palavras do psicólogo, não é possível saber, no entanto, num primeiro momento, a que especificamente se referem. O personagem de Lorenzo vai se caracterizando pela articulação desta primeira impressão com aspectos que se podem deduzir das atitudes que se seguem. Ele visita a loja de animais exóticos, compra coca-cola e bobagens para comer, tudo em número de sete unidades. Fica claro, conforme as coisas acontecem, que isso foi uma preparação para a execução de seu plano de passar alguns dias no porão da casa em vez de ir para a viagem com a escola. Lorenzo é organizado ao extremo. Essa organização soma-se à sua inclinação para o isolamento que, mais que isso, é um esconder-se da vida. É um narcisista, como dizem dele seus pais num sonho. Olívia diz que ele precisa parar de se esconder e começar a viver.

Já no porão, pouco tempo depois aparece Olívia, sua meia irmã, numa situação improvável e providencial para o desdobramento da trama. Neste momento ainda não se sabe que são irmãos. Lorenzo se esconde em meio às tralhas do porão, Olívia o encontra. Eles têm uma discussão meio impessoal, que não permite saber da existência de laços entre eles, até que Olívia diz algo como “o dinheiro que seu pai me deu” e, então “ele é seu pai também!” responde Lorenzo. “Mas sua mãe roubou minhas coisas”, e por dizer isso Olívia ganha um empurrão de Lorenzo, “não fala assim da minha mãe!” São meio irmãos. Olívia vai embora e Lorenzo sente o prazer de estar novamente sozinho, lendo o livro sobre o vampiro Lestat. Ele lê de cabeça para baixo, até que Olívia diz que vai acabar, desse jeito, acumulando sangue na cabeça.

Olívia volta no meio da noite e Lorenzo é obrigado a abrir para evitar que seus gritos revelem a presença dele no porão. Olívia era viciada em heroína e estava, neste momento, passando por uma crise de abstinência. Ao cuidar de Olívia Lorenzo desenvolve maturidade, uma possibilidade de saída de seu narcisismo. Os irmãos começam a se aproximar, mas o amor de irmãos continua improvável pela expectativa de que os sinais da forma como acontece essa aproximação entre meio irmãos confirmem a aparência de que o que está para acontecer é a atração sexual entre eles, ainda mais que conseguem álcool durante a noite e Olívia, mais velha, convence o irmão a beber também um pouco. Essas expectativas são alimentadas pelo fato das fragilidades afetivas aparentes de Lorenzo, pelos preconceitos desencadeados pela personalidade de Olívia, dada a drogas e às artes e pela ideia formada sobre as escolhas estéticas recorrentes de Bertolucci. Além disso, o primeiro diálogo de Lorenzo com a mãe indica uma disposição nesse sentido. Eles estavam num restaurante e Lorenzo diz “você acha que as pessoas podem pensar que somos um casal?” A mãe responde que é claro que não, que veriam que são mãe e filho. Lorenzo propõe à mãe uma hipótese sobre o que aconteceria se todas as pessoas do mundo morressem e sobrassem apenas os dois. A mãe fica desconcertada, e Lorenzo diz que seria uma questão de sobrevivência para a humanidade...

Mas a ligação sexual entre Olivia e Lorenzo não acontece. Olívia quer se libertar da heroína e Lorenzo descobre possibilidades de viver fora de seu isolamento. O apoio que encontram um no outro tem como conclusão o amor inesperado entre irmãos, para além dos ressentimentos gerados pelas divisões familiares e das tensões sexuais incestuosas que se insinuam.