terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Post-pseudo-biográfico-sem-texto-oculto

Nós sempre nos preocupamos muito com os nomes das cousas. Sempre ficamos um bom tempo a refletir sobre o motivo de usar esse ou aquele termo para nominar algo. Desde criança nós desenvolvemos essa mania ou obsessão, para ser menos mentiroso, de classificar as cousas e nomeá-las; criar categorias, termos que expliquem um comportamento humano que sempre que se repetir receberá o devido nome e nossos sorrisos de saber que não perdemos tempo buscando os termos exatos para nomear aquilo.
Na verdade nossa vida não é feita só de flores. Porque nomeamos não só situações ou eventos mas as cousas que encontramos. É muito comum o "suicidio-social". Quando não conseguimos nos controlar nomeamos de tudo: damos nomes aos grãos de areia que entraram nos nossos olhos, aos cadarços, a formigas que passaram com uma pipoca, aos sapos, às pedras que encontramos e que guardamos no bolso junto com Pedro, Nunes e Mao, os grãos de areia guardados porque aquela cegueira repentina nos fez reparar como é linda esta ou aquela garota. O suicídio vem deste ponto. Esquecemos os nomes dados e quando chegamos em casa e tiramos Pedro, Nunes, Mao e Rita e Eduarda e Maria José, e nos damos conta que temos ali uma antiga conhecida que já não lembramos o nome, o rubor é incontível. Ficamos sem ação e com vergonha de perguntar a alguém o nome da pedra que nos faz lembrar isto ou aquilo, ou aquele momento especial ou a "vida-como-a-morte-enamorada". Até que nos lembrem ou até lembrarmos, a sensação é de incapacidade e seguimos caminhando cabisbaixos até que o tempo nos faça superar a falha ou que nos faça esquecer André ou Chico pela euforia de conhecer Tânia.

domingo, 27 de dezembro de 2009

notas dispersas

Consenso pela aniquilação da diferença. Ou nem tão drástico assim: propostas de homogeneização distribuídas pelos mais diversos meios das mais variadas formas. Violência indireta, se é que isso é factível [uma discussão sobre se a violência em algum momento deixa de ser ativa/direta fica para a próxima], contudo, não resolve com tanta freqüência, ainda mais dependendo dos objetivos almejados pela situação, ou melhor, por aqueles que primeiro organizam e utilizam a força para a concretização de seus anseios.
Não estou indo para lugar algum aqui. Não estou propondo uma interpretação explicativa para um contexto delimitado em um tempo específico. Não convenço a mim mesmo e não quero convencer possíveis leitores. Penso, ultimamente, em arregimentar meios de usar a violência, destrutiva e traumática, contra indivíduos ou grupos de indivíduos e tenho, para isso, uma consecução de exemplos enormes pelas mais variadas histórias dessa coisa pusilânime denominada humanidade. Mas mantenhamos a tranqüilidade de uma vida confortável e respeitosa ao sistema: não matarás. E não matarei. Quem acaba mais agredido é o agressor?
A sociedade é boa professora de modos: modos para educar: desmembrar, desarticular e, depois, reconstruir consciências. Mas às vezes as coisas desmancham-se mais do que o planejado. Ultrapassar a dimensão da castração, agredir o trauma [não vejo, no momento, possibilidades de superá-lo], a si próprio e aos outros. Auto-destruição coletiva. Algum dia.


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Série B
[...]
Caso nº 1 – Assassinato, por dois jovens argelinos, de 13 e 14 anos, de um colega europeu

Trata-se de uma perícia médico-legal. Dois jovens argelinos, de 13 e 14 anos, alunos de uma escola primária, são acusados de ter matado um de seus colegas europeus. Reconheceram ter cometido o ato. O crime foi reconstituído e foram feitas fotos. Nelas, vê-se um dos meninos segurando a vítima, enquanto o outro a esfaqueia. Os pequenos acusados não modificam suas declarações. Temos longas entrevistas com eles. Reproduzimos aqui alguns trechos:

a) Menino de 13 anos
‘Não estávamos com raiva dele. Todas as quintas-feiras, a gente ia caçar juntos, com atiradeira, na colina, perto da aldeia. Ele era um bom companheiro nosso. Não ia mais à escola, porque queria ser pedreiro como o pai. Um dia, a gente decidiu matar ele, porque os europeus, eles querem nos matar todos nós argelinos. Mas a gente não pode matar os grandes. Mas ele, da nossa idade, a gente pode. A gente não sabia como fazer. A gente queria jogar ele numa fossa, mas talvez ele ficasse só ferido. Então, a gente pegou uma faca em casa e matou ele.
-- Mas por que vocês o escolheram?
-- Porque ele brincava com a gente. Outro não teria subido lá com a gente.
-- Mas ele era um amigo.
-- É, mas por que eles querem nos matar? O pai dele é miliciano e diz que tem que cortar a nossa cabeça.
-- Mas ele mesmo disse isso a vocês?
-- Ele? Não.
-- Você sabe que agora ele está morto?
-- Sei.
-- O que é a morte?
-- É quando tudo acaba, a gente vai para o céu.
-- Foi você que o matou?
-- Foi.
-- Isso mexe com você, porque você o matou?
-- Não, eles querem nos matar, então...
-- Ir pra prisão te chateia?
-- Não.’

b) Menino de 14 anos.
Este jovem acusado contrasta nitidamente com o seu colega. Já é quase um homem, um adulto, por seu controle muscular, pela fisionomia, o tom e o conteúdo das respostas. Também não nega ter matado. Por que matou? Não responde, mas pergunta-me se eu já vi um europeu na prisão. Algum dia um europeu foi preso por ter matado um argelino? Respondo que, efetivamente, não vi europeus na prisão.
-- E no entanto, tem argelinos que são mortos todos os dias, não é?
-- Sim.
-- Então, por que só se vê argelinos nas prisões? O sr. pode me explicar?
-- Não, mas diga-me por que você matou esse menino que era teu companheiro?
-- Vou explicar... O sr. ouviu falar do caso de Rivet [Rivet é uma aldeia que, a partir de certo dia do ano de 1956, tornou-se célebre na região. Uma noite, a aldeia foi invadida por milicianos franceses que, depois de tirar da cama 40 homens, os assassinaram.]?
-- Sim.
-- Dois parentes meus foram mortos nesse dia. Na nossa terra, disseram que os franceses juraram matar todos, um a um. Algum francês já foi preso por causa de todos esses argelinos que foram mortos?
-- Não sei.
-- Pois é, ninguém foi preso. Eu queria ir pra montanha, mas sou pequeno demais. Então, falei com o X que a gente tinha que matar um europeu.
-- Por que?
-- O quê o sr. acha que a gente devia fazer?
-- Não sei. Mas você é uma criança e essas são coisas de adultos.
-- Mas eles também matam crianças...
-- Não é uma razão para matar o teu amigo.
-- Pois é, matei ele. Agora, pode fazer o que o sr. quiser.
-- Esse amigo tinha feito alguma coisa contra você?
-- Não, não fez nada.
-- E então...
-- É isso aí...”

Frantz Fanon. Os condenados da terra. Juiz de Fora, RJ: Editora da UFJF, 2005, p. 311-313.

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Nem tudo tão sério, alguma música:




sábado, 26 de dezembro de 2009

Vida após a Morte

Quando eu morrer eu corro o risco de descobrir a existência do mundo espiritual. Isso será muito frustrante, se acontecer, porque depois de ter chamado de cretinos todos aqueles que crêem em cousas maravilhosas d'outro mundo, terei de engolir o constrangimento e me explicar para o Senhor, sabendo que não posso enganá-lo. Será foda descobrir que todos os meus filósofos favoritos, cujos posters ainda estarão nas paredes de meu quarto, na verdade estavam muito errados!
Mas talvez não haja condenação e as coisas do além funcionem meio à deus dará. Se for assim eu poderei ficar vagando, como Patrick Swayze, que pegou a Demi Moore, mesmo depois de morto! Isso leva a crer que, tirando alguns detalhes envolvendo Whoopi Goldberg - porque Holywood, como os filósofos, também mente sobre as coisas do além - eu posso fazer QUASE o mesmo.
Deste modo, se eu me tornar um espírito livre para vagar pelo mundo, irei à casa das meninas bonitinhas que não conheci suficientemente em vida, e então espiá-las-ei (!) no banho!! hihi!

Continuação: Post Anterior - Parte 2 - O Buraco no Céu

No caminho para casa sentou-se no banco da praça. Se alguém perguntasse responderia que estava cansado. Cansado. E deixaria a pessoa interpretar o resto. A conclusão que chegariam talvez não seria a mesma dele, e esse era o propósito. Estava cansado de voltar todo dia para casa. Cansado de ver todia a mesma mulher e deitar na mesma cama para acordar na mesma hora e ir no mesmo emprego sempre no mesmo local e com o mesmo chefe. Queria aproveitar o momento enquanto sua cabeça estava leve da bebida. Olhava para o céu escuro. Estranhamente escuro, não havia lua ou estrelas. Escuridão total.

Olhou para a frente e pela primeira vez reparou num cachorro morto na calçada, próximo a um poste, encostado a um cesto de lixo. Quais teriam sido os últimos pensamentos do cachorro antes de perecer? Teria ele chorado? Teria ele sorrido? Ou simplesmente deitou naquela posição e deixou seu últimos segundos passarem, sem se importar? Ficou olhando para ele e pensou que as perguntas não faziam sentido, não eram relevantes. Aquele corpo havia apenas encontrado o caminho de toda existência: a morte. E, nesse fim, qualquer preocupação é irrelevante. Suspirou. Estava frio e escuro. E ele estava sozinho.

Nisso viu um grupo de três jovens passarem, vestidos de um jeito que lhe fazia pensar: "Melhor ficar longe, melhor não ter minha existência percebida." Olhou para eles, olhou para o cachorro morto, olhou para seu passado. Isso o ofuscou. Olhar para o seu passado é como olhar para o sol, não era possível olhar mais que um piscar de olhos. Tremeu de pavor. O que havia feito da vida? Tossiu. Uma tosse seca e sem motivo. Só para dizer que estava vivo. Que estava ali. Os três jovens pararam e olharam. Notaram a presença do homem pela primeira vez e deram um sorriso ao se aproximar. Começaram a falar algo. O homem olhava para eles como se ouvisse. Mas sua cabeça continuava no cachorro, caído na sarjeta, morto, irrelevante. Se levantou.

Os jovens tomaram um susto com essa atitude repentina. Um deles colocou as mãos no ombro do homem e tentou forçá-lo a se sentar de novo, enquanto outro sacou uma faca. Eles pareciam berrar agora. Mas não havia importância. Tudo era irrelevante e o céu continuava escuro. Um soco e o céu continuava escuro. Um chute e o cão continuava morto. Não importava. Mesmo cheia de sangue, aquela faca não fazia mais sentido do que sem A moralidade parecia ser assim agora, o que significava certo ou errado naquela situação? O cachorro nunca se perguntou, tinha certeza, se era certo ele morrer ali, abandonado. Ele simplesmente aceitou aquele momento único e seguiu com o fluxo natural das coisas. Aceitou que as coisas aconteciam. Aceitá-las ou não, isso era irrelevante, elas continuariam a ocorrer. Não havia sorte, nem havia azar, não importava a coragem, nem a hesitação. Aquele momento entranhado nas correntes do espaço-tempo era a única verdade existente para ele. Verdade. Palavra-forte. No caso daquele cachorro possuía o peso da morte. Outro soco, mais um chute.

Olhou para os três jovens caídos, gemendo de dor e deu um suspiro. Colocou as mãos dentro do casaco e começou a andar. O céu continuava escuro.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Variação: Um sonho, Iron Maiden e uma visão do céu

Há sempre um lugar no espaço e no tempo para as coisas acontecerem. E, como diria um sábio mestre, sempre existe aquela necessidade de procurarmos aquele momento entrenhado nas correntes do espaço-tempo em que colocaremos o dedo e diremos: "Foi aqui que tudo começou". E tudo começou com uma chama no céu. Bela. Até sumir na eternidade.

Entrou no bar. Precisava beber algo, sua vida clamava por isso. Estava acabado. Sentou no balcão e pediu uma dose de Whisky. Sabia que era caro, mas não se importava com o preço, não naquela noite. O atendente lhe deu uma dose bem servida, copo cheio, embora a maior parte fosse gelo. Pegou o copo e sentiu o aroma. O cheiro de carvalho invadiu suas narinas e sua garganta pediu um gole. Sentiu o líquido vibrar pela garganta como uma paixão que nunca sentiu de qualquer mulher. Colocou o copo na mesa. O gelo derretia, revelando as várias misturas, num espetáculo dançante. Deu um suspiro. Outra vez levou o copo até a boca e parou, sentiu o aroma e outro gole, apreciando cada camada. Nisso o silêncio se dissipou.

Pesosas riam e bebiam no lugar. Conversavam sobre qualquer coisa, assim como qualquer coisa era motivo de risada. Mas ele permanecia ali. Até que sentaram do seu lado. Um conhecido, amigo de bebida nos antigos tempo. Mas fazia tempo que não o via. Começaram a conversar. Ficou sabendo que ele tinha começado a namorar o amor da vida dele e estava feliz por isso. Tinham sido vários anos de insistência. Anos em que namorou várias. Propôs um brinde a isso. Brindaram. E, outra vez, levou o Whisky a boca e degustou como se não houvesse amanhã. E talvez não haveria.

Quando sua dose acabou pediu outra. O atendente lhe olhou com um sorriso e dizia que lhe faria uma especial da casa. Não ligou. Estava seguindo a inércia da vida naquele momento. Pegou a dose, que possuia a mesma cor dourada. Cheirou. Dessa vez havia um cheiro adocicado no meio. Deu um gole e identificou o sabor de mel na bebida. Por que não reclamou antes? Preferia o gosto puro. Mesmo assim bebeu. E logo constatou que era melhor do que imaginava. Mas a terceira dose fez questão de enfatizar a palavra "Puro". O atendente não pareceu gostar muito. Mas não ligou. Queria o gosto da paixão na sua garganta. A paixão vibrante que somente um Whisky puro pode oferecer. Adocicar com mel era arruinar isso! Não era uma menininha! O que mais iriam querer dele? Um carro com câmbio automático?! Bah! Queria aquele momento só dele, como uma chama que brilha mais forte antes de se apagar. Um momento egoísta! Cada gole era dele e só ele podia aproveitar! Não era essa a beleza de beber um Whisky? Cada pessoa aproveita camadas diferentes! Cada gole é um novo sabor descoberto! E não é só o saber no paladar, não! Começa com a visão! A visão da bebida, o prazer daquela cor dourada, das várias misturas surgindo com o derreter do gelo. Em seguida vem o olfato, os aromas. O prazer! Em seguida o paladar, aquele gole com apreciação das várias camadas de sabor, e o gosto que fica na boca depois. Aquele gosto que te diz: "Mais um gole. Mais um gole." Essa explosão! Seu corpo tremia, explodindo em prazeres!

Colocou o copo na mesa. Se sentia pronto. Pagou a conta, se levantou e saiu do bar. Olhou para o céu escuro. Deu um suspiro. Colocou as mãos no bolso do casaco e começou a andar.

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http://www.youtube.com/watch?v=u5UqJWRV55E

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Variação: Caetano, José Antonio e sangue a escorrer e alguma música

Começou aos poucos, mas quando dei por mim a situação já era grave. Sussurros distantes de início, hoje são gritos que parecem querer estourar minha cabeça para escapar ao mundo: incompreensíveis, em um primeiro momento. Escutei essas vozes com muita preocupação durante um longo tempo, hoje não me importo mais com isso, nem com nada, contudo, desejo dar testemunho de alguns acontecimentos prosaicos de tempos em que eu ainda preocupava-me, tenho que aproveitar enquanto ainda possuo fôlego e gastá-lo na esperança de morrer de estafa de tanto falar ou pensar, mesmo que para isso eu perca toda articulação da fala ou do pensamento, pois preciso de uma solução final que sobressaia ao ato final, pois a ação foi-me negada, várias vezes, pois minha escolha não é mais minha, pois se nada der certo espero perder-me.

*

Era dia de folga. Acordei mais tarde do que o normal e fui comprar um jornal, deixei o café da manhã para ser suprido pelo almoço. Nesse dia comecei a ouvir sussurros que pareciam expandir com leveza do fundo, seja lá onde este fique, da minha cabeça. Passavam despercebidos, caso eu desejasse, e até proporcionavam algum prazer contemplativo enquanto eu ficava deitado em minha cama a observar a imobilidade constante do teto e pensar em qualquer coisa que agora não mais rememoro.

Nos primeiros dias de volta ao trabalho com essa condição patológica – não sei se essa a melhor definição, espero explicar porque até o fim deste relato – não tive problemas, nem no relacionamento com os colegas do escritório – trabalhava em um escritório de contabilidade –, nem no rendimento do trabalho. Apenas dia a dia as vozes preenchiam cada vez com mais presença o meu ser e eu continuava sem compreender significado algum em sua progressiva balbúrdia.

Consultei um psicólogo recomendado pelo meu chefe após ter-lhe explicado minha situação. Stress: esse foi o diagnóstico. Ganhei uma dispensa de três dias do trabalho. O chefe sorriu, o psicólogo sorriu, eu ensaiei um sorriso, mas não consegui pari-lo. Fiquei em casa no primeiro dia. Coloquei fones de ouvido e tentei ouvir música, tentei ler um livro, tentei assistir televisão, tentei dormir. As vozes mantinham presença constante, pareciam conversar em idiomas desconhecidos para mim e mesmo assim não conseguia parar de atentar para elas. Segundo dia. Saí. Simplesmente saí. Andei e andei, sem mais. Não recordo mais quanto nem por onde. Apenas eu e as vozes, o mundo ao largo, impassível, estéril, mas pretensamente cheio de vida. Não sei onde dormi, ou se consegui dormir. Terceiro dia. Estava em um sanatório e descobri ao indagar o médico diretor do estabelecimento que eu havia chegado lá durante a madrugada, requisitado auto-internação e entrado em estado de histeria ao tentar explicar os motivos: fui sedado e assim fiquei durante umas boas doze horas ininterruptas até o momento em que despertei e fui descobrir onde eu e meus milhares de conversadores incógnitos estávamos. Aceitei os termos da situação. Aproveitei para realizar alguns perfis dos internos presentes no estabelecimento, com a ajuda das vozes, e penso ser interessante relatar o resultado final desse escrutínio, a meu ver, tão bem embasado.

Primeiro enfermeiro: insensato, comia formigas quando criança, possuía, em seus sonhos, a irmã que nunca teve, vestia branco, mancava levemente com o braço esquerdo ao andar de ponta cabeça, poucas palavras, não era carinhoso nem rude.

Segundo enfermeiro: olhos pareciam bolas de gude verdes e causavam uma ótima impressão com seu bigode que, ao sol, parecia brilhar com um azulado fosco, causava-me grande impressão tal aparente contradição, gostava de jogar cartas, vestia branco, sorria para mim, desgostava-se, era um pai exemplar.

Primeira enfermeira: sorriso moderado, boa-fé, algum descaso vez ou outra, conversava comigo quase todo dia, amava sua mãe e cuidava dela com muito carinho, quando esta morreu ficou triste por dias, manejava injeções como ninguém e adorava o barulho da chuva em dias quentes, vestia branco.

Médico chefe: austero, boa-pinta, sapiente e levemente intransigente, gostava de jogar bafo nos intervalos da escola primária e até hoje guarda com carinho suas memórias de infância, vestia branco, lia muito, romances, poesias e artigos científicos, confidenciava comigo assuntos variados quando íamos para o banho de sol.

Havia ainda outros personagens peculiares dos quais não consigo encontrar o resultado de nossas observações. A equipe da qual eu fazia parte – se esqueci de mencionar antes, desculpe-me, montei um grupo de pesquisa já no segundo dia de estadia no sanatório: somados éramos em torno de trinta: eu, oito catatônicos, onze considerados dementes genéricos, seis com distúrbios constantes de personalidade, quatro senhores idosos abandonados por seus familiares e mais a multidão de milhares em minha mente – tinha o intuito nobre de elaborar um diagnóstico preciso dos indivíduos tão problemáticos, coitados, que pensavam estar tratando de nós. O resultado foi ótimo, apesar das reuniões geralmente não serem realizadas com todos os membros da equipe e, ocasionalmente, serem presenciadas por algum enfermeiro(a) ou visitante. Acabado o trabalho, agradeci todos meus colegas de pesquisa e informei com total certeza meu interesse de abandonar o sanatório ao médico chefe. Após duas semanas recebi permissão para sair do recinto. E assim saí. Mesmo. São, com o sentimento de trabalho realizado com sucesso e satisfiz, pensei naquele momento, as companhias que vociferavam na minha cuca.

*

Contudo, o tempo continuou passando e passando. Não sei onde estou e o barulho é tanto na minha cabeça que já não sei bem: penso compreender o que se passa aqui dentro de mim. Mas não consigo mais compreender o que se passa fora de mim: o mundo e suas personagens, seus atos, suas construções, suas palavras, seus desejos, agora, não possuem significado algum. Se ao menos pudesse expor minhas vozes para todos, mas não posso, são só minhas, elas dizem. Como comecei dizendo: falo e penso, falo e penso, só comigo e com muitos em mim mesmo. Tentei diversas vezes expandir-me ao mundo: verti o sangue de diversas partes do meu corpo, diversas vezes: toda vez que sentia minha consciência esvaindo, o sangue começava a refluir e quando eu me dava conta as feridas estavam fechadas. Minha vida prolonga-se, por mais que eu intente contra. Enquanto isso, todos os outros parecem estar definhando. Mantenho monólogos com todas as vozes, agressivas ou pacíficas, retumbantes em minha cabeça e tento desaparecer em mim e vejo o mundo desaparecer em todos e todos desaparecem, espero. Espero e espero e não desejo achar coisa alguma a não ser um lugar para perder-me em definitivo enquanto falo e penso, falo e penso e o mundo desmorona.



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breve pós-escrito: recomendo ouvirem as composições presentes no álbum "actios", conduzidas e executadas por krzysztof penderecki e don cherry e outros vários músicos. infelizmente não encontrei uma amostra no youtube para disponibilizar. caso tenham interesse podem encontrar com alguma facilidade em outros blog e afins.

domingo, 20 de dezembro de 2009

( )

- Não quero saber de você contaminando ela com esse jeito!
- Num mundo de mentiras, sarcasmo é a única forma de verdade.
Olhou para ele. As rugas em sua face mostravam toda a experiência de uma vida que se aproxima do fim. E, nesse momento, a única pessoa com quem podia contar era ele.
Estava sentado do outro lado da mesa, num sofá confortável. Vestia uma regata branca que mostrava seus músculos. Acendeu um cigarro, se levantou e pegou a jaqueta de couro preta na mesa. Jogou-a por cima do ombro, deu uma baforada:
- Agora, onde ela está? - Observou as reações da velha, uma rápida olhada pra cima, quase imperceptível - Lá em cima?
Suas mãos tremiam, mas antes que pudesse responder, ele já subia as escadas...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

o sangue já descia pela sarjeta em direção ao bueiro mais próximo..
ele seguia calado a semana toda..a última vez que conversamos ele não parava de falar de vermes.
me contou que um dia caminhava pela rua quando viu um senhor tropeçar na raiz de uma arvore e cair com o rosto no chão. apoiei com as mãos para não ferir o rosto...minhas mãos se cortaram e queimaram no asfalto quente..não foi suficiente. quebrei meu nariz e esfolei boa parte da face direita..sentia um dos olhos sumindo sob o inchaço do tecido organico lastimado. quando ele se levantou escorria do rosto sangue e pendiam vermes das feridas.

outro dia estava no ônibus das 23:00 que seguia para um dos grandes terminais da cidade. disse que nao achava justo sentar-se para dormir pq havia passado o dia sem fazer nada, assistindo filme na casa da namorada, ao passo que ali haviam mtos trabalhadores cansados. comecei a cochilar assim que sentei, embora não quisesse. posterguei a hora de levantar pq já achava que nao ia dormir. acordei um ou dois pontos antes da minha parada, muito convenientemente..os vermes estavam em seu assento, e talvez estiveram em sua boca pq ele sentiu um gosto mto familiar ao despertar..

a garota o amava e ele sabia disso. mas não foi o suficiente para seguralo dois dias mais. quando os bombeiros chegaram o sangue já descia pelos ladrilhos em direção ao ralo mais próximo..

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Variação: Confessions of a Dangerous Mind

Mas que coisa fácil, havia pensado, dias atrás, quando se inscreveu para o programa. Era um programa novo. Mas o prêmio era bom: Uma geladeira nova! Daquelas que se vê nos comerciais, com as pessoas sorridentes. Mal podia esperar para mostrar para a familía. Iria uni-los como nunca. E tudo que precisava fazer era ir no nesse programa e contar suas realizações na vida.

Agora estava sentado em frente as câmeras. O apresentador era gente boa, antes de levá-lo para o palco disse que se não quisesse participar tudo bem. Mas por que não iria? Uma geladeira nova! Família sorrindo! Que nem naqueles comerciais. A que tinha em casa era pequena. Ficava tudo apertado. Mas com a nova seria diferente. A familía sorriria com as coisas mais separadas! Mal podia esperar.

Tinha mais dois caras ali. Conversou com eles um pouco antes de entrar no palco, não muito: não era uma boa estratégia. Eram seus concorrentes. No final, só um deles levaria a geladeira nova.

O programa era ao vivo. Tudo ocorrera bem no primeiro bloco. Só tivera que falar um pouco quem era, fazer uma conversa com o apresentador, os outros dois caras. Só para enturmar o público. O desafio viria depois. Mal podia esperar. Até suava um pouco.

Logo estava lá. Sozinho. Só as cameras, a platéia e o apresentador olhando para ele. Ninguém ousava interferir. Olhavam sério a cada palavra que dizia. Contava sobre sua vida, ia recuperando memórias esquecidas e colocando-as na história. Olhavam para ele, um olhar profundo e silencioso. Contava sobre a família, a mulher, os filhos. As trevas pareciam encobrir tudo naquele espaço, será que reduziam a iluminação? Sobre o emprego. Ou era impressão? Colocava os sentimentos em cada palavra, queria a geladeira. Os olhares, o poder dos olhares, sérios. Dizia dos seus planos de jovem. Suava, as mãos tremiam, os olhares no fundo de sua alma. Suas conquistas. A geladeira. Pegou a arma em cima da mesa e disparou.

Perdeu a geladeira e os sorrisos da família. Trocou-os pela vida, que se esvaia no sangue rubro escorrendo pelo palco.

"I came up with a new game show idea recently. It´s called 'The Old Game'. You got three old guys with loaded guns onstage. They look back at their lives, see who they were, what they accomplished, how close they came to realizing their dreams. The winner... is the one who doesn´t blow his brains out. He gets a refrigerator.'
Confessions of a Dangerous Mind.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O Imponderável

Joãozinho já não aguentava mais. Tudo o que fazia, fatalmente dava errado. "Puta que pariu!" dizia. Nem queria sorte, "porque isso enfraquece o homem!" dizia entre os risos desdenhosos dos amigos. Além do mais, esperar por sorte seria esperar demais. Queria apenas contar com alguma feliz coincidência, pelo menos de vez enquando... Mas justamente quando precisava contar com alguma feliz coincidência, invariavelmente fodia-se. Tudo conspirava contra.
Então, numa manhã inexplicavelmente inspirada achou a resposta: deveria viver, daquele momento em diante, de acordo com O PRINCÍPIO DA RAZÃO. Sim! Porque deste modo teria tudo calculado, tudo planejado e tudo ordenado. Deste modo não tinha erro, suas ações racionalmente organizadas converteriam suas boas intenções em sucesso!!
Então saiu de casa e quando virou a esquina sentiu algo caindo em sua cabeça. Depois de alguns segundos percebeu que o que o atingira era quente e molhado. Passou a mão para ver o que era. Não identificou na hora o que era, mas a cor era marron-amarelado-esverdeado. Estava de baixo de uma árvore, então olhou para cima e viu uma pomba rola sorrindo-se de seu feito terrorista. Cagara-lhe sobre a cabeça recém racionalmente ordenada. "Puta que pariu!"

domingo, 13 de dezembro de 2009

Havia Pegadas

- Criou pernas e fugiu!
- Como assim?!
- Estou dizendo! Criou pernas e fugiu!
- Não é possível.
- Também não acreditaria se me contassem. Mas eu vi. Deixou até pegadas!
- Pegadas?! Como assim?!
- Deixou pegadas. Sério!
- Olha. Já ouvi todas as desculpas possíveis! Mas essa é demais! Se você tivesse apenas me dito que não leu, eu não me importaria.. Mas isso..
- É sério! Veja!
E estendeu uma foto.
O amigo, sentado do outro lado da mesa, estendeu a mão e a pegou. Olhou-a uma vez. Deu uma piscada longa, olhou de novo e começou a tremer. Havia... Havia... Havia pegadas!




sábado, 12 de dezembro de 2009

Uma dança

Não queria dançar, mas insistiam.

Há alguns dias, sentado no banco de uma praça qualquer, tive uma grande idéia qualquer. Esqueci-a momentos depois. Vários pombos circundavam minha existência: gordos, magros, cores variadas, todos balançavam suas cabeças em sinfonia com um som ritmado e constante. Perdi a noção do tempo. Os pombos comiam milho, pão, bolacha, sujeira e engordavam e ficavam cada vez maiores e logo, à esquerda, um cachorro foi vítima de uma bicada que lhe partiu ao meio. As crianças felizes com seus balões ensaiaram um choro, mas não conseguiram, pois os pombos atacaram-nas vorazmente enquanto mães desesperadas eram arremessadas para longe por asas fortes e de largas penas. O barulho era tamanho que acordou o padre da igreja matriz. Os pombos foram convertidos e, quando estavam para começar o churrasco com os restos humanos e de pombos – alguns foram mortos por aposentados nervosos que jogavam dominó –, caí do banco, acordei e espantei um bando de pombos curiosos que por perto ciscavam.

Outro dia consegui um bom almoço. Arroz, feijão, bife e alface e ganhei até um copo de suco. Gosto de comer sem falar, apenas comer, olho na comida e comida para a boca e estômago contorcendo de felicidade e de angústia. Algumas coisas poderiam ser repetidas mais vezes: meu corpo discute comigo e faz com que essa verdade imponha sua presença permanente. Aproveito para dormir durante a tarde.

Era noite. Observava os semáforos piscando suas luzes amarelas. Tudo estava bem quieto e tudo estava muito bem. Mas veio o barulho: buzina, vozes e mais vozes, gritos, risadas, pessoas. Viram-me, caminhavam em minha direção. Ficaram observando-me e eu fiquei observando-as. Riam e falavam entre elas. Eu não ria nem falava: sabia do pior da vida e não diferenciava os outros de mim mesmo. Um rapaz deu-me um leve chute na perna esquerda enquanto o resto ergueu a voz e esbravejavam comigo. Não queria dançar, mas insistiam.

Nota póstuma: indigente bóia com o corpo inchado em uma lagoa afastada. Não foi encontrado, apodreceu: inseriu-se na humanidade.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Cena no Bar - Adaptação de Inglorious Basterds

Personagens importantes:

- Capitão X = Espião americano disfarçado de Capitão alemão.
- Capitão Y = Judeu alemão disfarçado de capitão alemão.
- Alemã Famosa = Atriz famosa alemã agindo como espiã para auxilar os americanos.
- Capitão SS = Um Capitão da SS presente no bar.
- Bêbado = Um soldado alemão bêbado e ousado se divertindo no bar.
- Amigos do Bêbado = Soldados alemães bêbados que estavam se divertindo no bar.

Perícias relevantes:

- Diplomacia
- Conhecimento (local)

- Mentir
- Intimidar

História:

Capitão X, Capitão Y e a Alemã Famosa sentam-se na mesa de um bar na França durante a ocupação alemã e começam a conversar sobre o golpe. O Mestre diz que um dos alemães jogando na mesa do lado acaba de vencer a partida e começa a comemorar. Ele se levanta alegre e decide pedir um autografo para a Alemã Famosa. Não só pega o autógrafo como se senta na mesa e começa a xavecá-la, sem pretensões de sair tão cedo.

O Capitão X incomodado com a presença do Bêbado decide intimidá-lo para que ele saia da mesa. Basicamente, ele alega que um soldado de baixa patente não deve sentar na mesma mesa que um Capitão. Ele faz o teste de Intimidar. O Mestre decide que o Nível de Dificuldade do teste tem um acréscimo de +2, porque o personagem a ser intimidado está altamente alcoolizado e, portanto, não completamente ciente dos perigos de sua situação.

O Capitão X falha no teste por causa desse modificador extra. Ou seja, os parceiros do Bêbado ficam com medo, mas ele, por causa da bebida, não compreende completamente o perigo e a agrava comentando que o sotaque do Capitão X é estranho.

O Capitão Y ao lado decide tentar intimidá-lo também. Mas o Mestre nega o teste, porque ele já foi intimidado e não deu certo. O Capitão Y explica, então, que pretende intimidar os amigos do Bêbado, dizendo que eles são responsáveis pela atitude dele. E, assim, ele pretende que eles o tirem da mesa. O Mestre aceita essa possibilidade.

O Capitão Y joga intimidar com um modificador favorável de +2, porque o Intimidar do Capitão X já deixou os amigos do Bêbado mais suscetiveis a outra intimidação. O Capitão Y assusta os amigos do Bêbado que vão tirá-lo da mesa.

Em segredo, o mestre faz um teste de Ouvir para um Capitão da SS que está bebendo cerveja num canto oculto do Bar e decide que ele também percebeu a estranheza do sotaque do Capitão X. Por isso, o Capitão da SS vai até a mesa em que se encontram o Capitão X, o Capitão Y e a Alemã Famosa e decide esclarecer esse pequeno detalhe.

O Capitão X inventa uma história de que o sotaque é de uma vila alemã pequena bem do interior, e que ela inclusive aparece no filme da Riefenstahl. Para ser bem sucedido nessa história ele joga um teste de Blefar contra o Insight do Capitão da SS. O Mestre decide que alguns fatores podem facilitar essa Mentira. Então ele joga escondido um auxilio da Alemã Famosa. A Alemã Famosa passa no teste, o que adiciona um modificador positivo de +2. O Capitão X passa no teste e a Alemã Famosa confirma com sucesso sua história.

O Capitão da SS se convence e decide se sentar lá para se divertir com eles. Eles começam a conversar e a jogar. O Capitão X percebe que, se não derem um jeito de tirar o Capitão da SS da mesa, nunca acertarão os detalhes do golpe. Então ele decide convencê-lo de que ele está atrapalhando uma reunião de velhos amigos. Para isso, o Capitão X faz um teste de Diplomacia, o qual passa por pouco e, por isso, o Capitão da SS quase que se sente ofendido, o que gera certa tensão, mas ele leva de boa no fim e decide pagar uma ultima rodada de Whisky para todo mundo. O Capitão X aceita.

Para encerrar esse Encontro o Mestre diz que o Capitão X deve fazer um teste de Conhecimento (Local), para ver se ele conhece os sinais não-verbais alemães. O Capitão X faz o teste e critica negativamente! Por causa disso, ele faz um sinal errado que revela que ele é um espião e isso leva a um tiroteio em que todo mundo morre.

Fim.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Cacildis!

Hoje eu decidi ir pro buteco sozinho, porque se não tenho ninguém pra beber comigo, isso não quer dizer que eu não deva ou não possa beber mesmo assim. O problema é que nessas horas fica difícil negar a realidade irremovível do nascimento do vício crônico do alcoolismo, que um dia há de matar-me pelo fígado e pelo cerebelo. Mas o certo é que todo mundo um dia morre, e isso acontece mesmo que seja pelo atropelamento por um caminhão, ou o que é incomparavelmente pior, pela queda súbita do teto da minha casa. Ou pelo incêndio do gás encanado. Eu não sei bem como deve ser quando acontece de incendiar o gás encanado, mas acho que deve pegar fogo no prédio inteiro, de dentro pra fora, primeiro nos dutos, depois invadindo os lares dos condôminos. Fogo de dentro pra fora é o que os especialistas chamam de efeito pavio, o que quando acontece em seres humanos chama-se Combustão Espontânea Humana (CEH). Dizem que apesar de raro, isso é bem normal, e portanto, acontece mais do que a gente imagina.
Beber sozinho no boteco da esquina e confirmar o vício vergonhoso do alcoolismo. Hoje em dia isso não tem nada de mais. Se bem que pouco importa...
Depois volto pra casa cambaleando, chutando cachorro morto, mas com todo respeito, com responsabilidade social. É... então é isso.... acho que este é um belo hábito a ser cultivado neste momento. Cultivar o hábito do alcoolismo, como quem cultiva uma plantinha. Ver brotar a partir das primeiras gotas de pinga solitária, os galhos do vício destrutivo, que apesar disso é divertido, porque quando enfim eu fizer de um canto sujo de baixo da ponte minha casa, meu desjejum será uma garrafinha de plástico de Pedra 90, entornada num gole só pra dentro das vísceras sorridentes, sob os olhares atentos dos cachorros bêbados de pulgas.

sábado, 28 de novembro de 2009

c.

sabrina,
minha dúvida é a tua
condição:
é sempre o exercício de reflexão autofágica.

[repensar.
reconsiderar, reorganizar e recriar as idéias,
tortas, todas]

você sabe, sabrina, acabo onde meu corpo pode.

Ode a Kafka

De vez em quando é necessário ser submisso.
Segue uma curta história.

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O Novo Advogado


Temos um novo advogado, o dr. Bucéfalo. Seu exterior lembra um pouco o tempo em que ainda era o cavalo de batalha de Alexandre da Macedônia. Seja como for, quem está familiarizado com as circunstâncias percebe alguma coisa. Não obstante, faz pouco eu vi na escadaria até um oficial de justiça muito simples admirar, com o olhar perito do pequeno freqüentador habitual das corridas de cavalos, o advogado quando este, empinando as coxas, subia um a um os degraus com um passo que ressoava no mármore.

Em geral a ordem dos advogados aprova a admissão de Bucéfalo. Com espantosa perspicácia diz-se que, no ordenamento social de hoje, Bucéfalo está em uma situação difícil e que, tanto por isso como também por causa do seu significado na história universal, ele de qualquer modo merece boa vontade. Hoje - isso ninguém pode negar - não existe nenhum grande Alexandre. É verdade que muitos sabem matar; também não falta habilidade para atingir o amigo com a lança sobre a mesa do banquete; e para muitos a Macedônia é estreita demais, a ponto de amaldiçoarem Filipe, o pai - mas ninguém, ninguém, sabe guiar até a Índia. Já naquela época as portas da Índia eram inalcançáveis, mas a direção delas estava assinalada pela espada do rei. Hoje as portas estão deslocadas para um lugar completamente diferente, mais longe e mais alto; ninguém mostra a direção; muitos seguram espadas, mas só para brandi-las; e o olhar que quer segui-las se confunde.

Talvez por isso o melhor realmente seja, como Bucéfalo fez, mergulhar nos códigos. Livre, sem a pressão do lombo do cavaleiro nos flancos, sob a lâmpada silenciosa, distante do fragor da batalha de Alexandre, ele lê e vira as folhas dos nossos velhos livros.

Franz Kafka. "O advogado" In O médico rural. São Paulo: Companhia das Letras, 1999 [1919], pp. 11-2. Tradução de Modesto Carone.

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Originalidade é readaptação. Reescrever é manter o mundo vinculado à humanidade.

Possível paradoxo: a escrita aparta-se do real?

Pense por si mesmo: invente sua resposta e justifique sua existência.

Pois, afinal, resta pouco. Para o quê? Descobriremos.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

batendo fora do bumbo

"Leia o Universo em Desencanto", diria Tim Maia. Morto, morto. Morto-vivo. Brincadeira boba. Marat. Ano da França no Brasil. O que faz um bêbedo e um dicionário? Embriaga palavras: afronésia gapina morfina. Nem é tão aleatório.

Aleatoriedade: palavras, oxigênio, gás carbônico, putrefação, órbita lunar. Minto. Grave: cova, com requinte, em estrangeiro, coisa de gringo.

Estava brincando, algo mais sisudo agora. Sempre é bom satisfazer aos pais de família: homens responsáveis merecem: chegar em casa, jantar enquanto assistem algum noticiário, ler um bom texto antes de dizer um "boa noite" desgostoso para as esposas tão cansadas da vida quanto eles. Vida única, morte múltipla. Pela felicidade da descendência (vulgo, prole (in)fértil, ou filhos). Continuidade. Mas não eterno retorno: eterno progresso! Sempre além! É necessário ir além: trabalho, responsabilidade, salário e respeito. Há muito mais, contudo, listagens são cansativas.

Sobre o cansaço: conseqüência de manter-se acordado.
Sobre a vida: desgraça de não ter sido natimorto.

Estava brincando, de novo. Radicalidade demais é prejudicial para a família. Retiro, nego, abjuro. Falemos de coisas belas: tulipas!!! Aí sim: flores são amigas. Inofensivas (parecem, ao menos) e com odores agradáveis (algumas). Podemos comprá-las inclusive de plástico e adicionar um perfume depois! Praticidade: violetas de plástico com cheiro de perfume francês comprado no Paraguai. Agora sim, estamos falando de requinte e de bons costumes!

Estava pensando em algum refrão interessante para o momento. Nada. Não, nada não é o refrão. Não pensei mesmo. No refrão, quero dizer. E em muitas outras coisas. Acontece: não acontecer é viver.

Muita coisa sobre vida e morte por aqui. Glossolalia de merda. Ou simplesmente pretensão de grandes filosofias e modos de pensar a si mesmo e ao mundo. Falsidades. Falsidades não ideológicas. Falsidades de estar-no-mundo. Aí sim, o pai de família acorda para mais um dia de trabalho.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

GdP

O amigo do meu vizinho tava com idéia errada ultimamente, pois começou a apreciar tanto a Gaiola das Popozudas, que comprou um violão e começou a tirar TODAS as músicas delas.
Dizem que A Gaiola das Popozudas é um grupo de Funk Carioca de Raiz, formado apenas por mulheres. Dizem também que estas mulheres tem tanta atitude que descobriram o verdadeiro modo para vencer a opressão masculina! Tanto é verdade, que as sociólogas já realizaram estudos demonstrando que a Gaiola das Popozudas é mais que funk, é neo-feminismo. Como se fosse pouco revolucionário, Valeska Popozuda, que há pouco tempo era apenas uma humilde frentista de posto-de-gasolina, hoje é a lider do movimento. Mostrou, portanto, que é possível ao proletariado sair de sua condição lastimável, através da solidariedade entre iguais.


Então, o amigo do vizinho foi pro baile porque achou que seria bom para sua arte de tocador de violão estar ao vivo perto de suas musas. Então, sentou em um canto afastado, tirou o violão do saco e, sem tirar os olhos do palco, tocou com perfeição. Então, de repente, Valeska Popozuda parou tudo, olhou pra ele, apontou o dedo indicador e gritou com voz rouca, "você!!!"

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

para falar da mesma coisa sem falar do mesmo jeito

O que houve naquele dia chamou-me a atenção porque nunca tinha visto algo assim. Quando disse "mãe, to saindo!" eu não imaginava que ao bater a porta de casa ia deixar tanta coisa para trás, bem como nem sonhava com tudo que ia encontrar. O problema dessa grande aventura é que não sei como contar-lhes sem pensar quase que ao mesmo tempo "na verdade, nao é bem assim". Mas façamos um trato [assim não vamos ter grandes problemas]: tudo que lerem [ou ouvirem, já que estou a todo momento com a história na boca] parte de premissas simplistas [isso porque acho dificil que uma puta, por exemplo, seja bem representada por quatro letras, duas delas vogais (as cinco letras que mais odeio no nosso idioma, porque vivem dando sentido a esses símbolos horríveis que juntamos por esse ou aquele motivo). A carga de sentidos que a palavra traz consigo tampouco ajuda em algo; acaba sendo um grande engodo, que no fundo cumpre seu dever de representação mínima (posso explicar esse conceito depois, em outra ocasião se me permitirem) e no fundo é do que dispomos para nossa atividade; vovó já dizia "não fala mal do vaso em que caga, muleque filho da puta"].

Seguia eu meu caminho para a escola [lembro até hoje da bombonierie que tinha no caminho, onde sempre parava para comprar doce e brincar com o totó (o cachorro)] quando percebi algo estranho: senti um calafrio, o arrepio subiu por todo meu corpo e minhas meias pareceram apertadas demais. Olhei para trás. Ninguém conhecido. Eu ali, parado na calçada sentindo falta de algo. Com sete ou seis anos de idade não sabia como é perigosa uma parada não sinalizada. Levei a mão aos bolsos da bermuda vinho que minha mãe passara na noite anterior. Sim, estavam ali [o sorriso invadiu meu rosto; melhor sensação essa do sentimento incontível]. Sim, eu tinha moedas! E meu tato identificou aquele papel estranho de notas sujas com rabiscos de caneta [aquele cheiro de coisa suja e velha, mas que todos dão muito valor]! Eu sabia que era uma de 500, uma daquelas com um cara de chapéu. Corri com a mochila nas costas [a matemática, o português, o burrinho alpinista; nada disso pesava naquele momento]. Contando agora posso lembrar do som do cascalho sob meus pés durante a corrida; lembro também do som seco de quando parei com certa dificuldade quase em cima do totó na porta da bombonierie. "tia, quero dois salgadinhos de cebola e 10 plocs" [agora sei que não devia ter pedido chiclete e salgadinho porque ficam terríveis juntos na boca]. Olhei para os dois lados antes de atravessar a rua [que cruzei perpendicularmente, não diagonalmente]. Sentei no banco e esperei o sinal tocar [como sempre]. Entrei para a sala assim que pude.

Pensando agora, a primeira vez que fui sozinho para a escola foi também a primeira que deixei para trás um montão de idéias. Foi a primeira vez que me senti sozinho no mundo, que escolhi algo sozinho [no fundo a gente sabe que a escolha pelo salgadinho e pelos chicletes foram determinadas pelas outras idas a escola, acompanhado por algum responsável]. Mas a experiência carrega todo seu valor. Posso ter pensado [ou escrito, ou dito] que naquele dia minha vida mudou. Exageros inerentes à atividade representativa. Mas foi como me senti até perceber os limites da liberdade. E é como me sinto sempre que uma vida diferente me atinge como um tapa.
E depois de um tapa na cara você pode dar a outra face ou mudar sua face.

O Anel

Dizem que antigamente Palavra e Poder andavam separados num rumo eterno e infinito a algum lugar. E já estavam cansados dessa caminhada quando sentaram um pouco próximo a umas rochas aconchegantes. Foi então que Palavra encontrou um par de anéis chamado Verdade. E na instrução de uso dizia:
"Para duas almas que querem tornar-se uma só."
Poder olhou confuso para Palavra. Mas os anéis eram bonitos, e ele decidiu que um devia ser dele. Palavra concordou, mas não sem uma hesitação. Mas ele não podia negar a força do Poder em convencê-lo. Deu um dos anéis e colocou o outro.
Para quem estava longe, a visão foi como um brilho. Um brilho fascinante e forte. E, aonde haviam dois seres, agora só restava um. E seu nome era Discurso. O eterno demônio da humanidade.

exagero e diversão

O começo exige algum final? Os Intelectuais Transgênicos Satânicos perpassam. Os resultados não são tão importantes – ou são delírios interessantes – quando o que está em pauta são as discussões. Discussões não lineares. Articulação de idéias, conceitos, vontadinhas, cousas miúdas e graúdas e miúdas-graúdas (imensuráveis, caso necessite-se de uma definição utilizável). Pessoas e palavras apresentados (representados?!) em um ambiente impessoal virtual discorrendo sobre a (in)existência e muito além e muito mais do que isso. Ou nada disso. Afinal de contas eu estou a exagerar meu exagero.

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Mais diversão:


E mais diversão:

Variação: Agrippino de Paula e Derrida

O Deus de Leibniz não conhecia a angústia da escolha entre possíveis. Eu sentia-me inteligente e maroto. Maroto, mas não em atos pensava as minhas possibilidades. Meu Logos não dispunha minhas possibilidades em atos sem antes passar pela angústia da escolha. Saí da casa do Coveiro. O Coveiro não queria discutir metafísica no meio do carteado. “A vacância é a situação da literatura”, disse-me a Puta Amiga na última vez que brinquei com ela. Corri para a casa da Puta Amiga querendo brincar. Eu, Puta Amiga e meu membro rijo rolando pela noite era o meu projeto. Entrei afoito na casa da Puta Amiga e corri para o seu vestíbulo. Puta Amiga lânguida e nua olhou-me, mas já estava acompanhada pelo Empresário. O Empresário investia seu membro rijo em vários orifícios da Puta Amiga em uma confusão de esperma, gemidos e corpos. Corpos de crianças esquartejadas povoavam o vestíbulo. Corri com meu membro rijo para o Rio. O Rio corria suave e brumoso e suas margens agradavam-me e suas águas fediam enquanto iam para o Grande Mar. Gozo um rio de esperma no grande Rio. Meu esperma torna-se o fluxo líquido do Rio e vai tórrido fecundar o Grande Mar. Não quero imaginar as proles da minha insensatez. Filhos insensatos, gerados do meu líquido viscoso do meu sólido ser, repugno-os. Subo no bonde agarrando sua rabiola e vou para o Centro. Entro no bar para encontrar meu nada e minha consciência e seu pathos e encontro o Garçom Inconstante que sorri para mim trazendo garrafas e mais garrafas de uísque sem rótulo. O uísque evapora na minha corrente sanguínea enquanto converso com o Garçom Inconstante sobre o lugar da linguagem, das palavras individuais e da escritura e da empiria e das impossibilidades do ser em si. O Garçom Inconstante concorda, discorda, esbraveja, tudo somente com gestos burlescos ao mesmo tempo em que quebra as garrafas vazias do uísque sem rótulo. Sorrimos, eu e o Garçom Inconstante, e corremos pelos prados verdejantes após sairmos pelas portas do fundo do bar. Já é outro dia e sinto náuseas e o Garçom Inconstante fugiu. Vomito os acontecimentos do dia anterior na terra virgem e vejo todas minhas escolhas angustiadas adentrarem na terra virgem fertilizando-a. Deito nessa bela paisagem idílica do meu vômito na terra virgem e durmo um sono de vigília, com os olhos abertos esperando o pior de mim e de tudo.

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“[...] Eu estava salvo, entrei em casa, acendi a luz do quarto e sentei extenuado na cadeira frente à mesa. Eu respirei fundo alguns instantes tentando recuperar o fôlego, e ouvi um barulho no quintal e saí. Um grande número de macacos desenhavam caretas nas paredes. Eu gritei irritado com os macacos e corri perseguindo um deles, quando apareceu um senhor redondo e gordo de calças curtas dizendo que ele era o chefe dos macacos. Eu falei irritado com o imenso gordo de calças curtas e boné, e disse que os macacos estavam desenhando nas paredes. O imenso gordo de calças curtas puxou um apito do bolso e apitou. Os macacos saltaram dos telhados e das árvores e eu vi as caretas desenhadas nas paredes Eu interrompi o gordo de calças curtas que repreendia os macacos e disse que estavam ótimos os desenhos, e que a careta desenhada na porta ficava muito bem, e que ele comandasse para os macacos que continuassem a desenhar nas paredes, portas e janelas. Eu saí na rua acompanhado de um dos macacos e um indigente bêbedo se colocou na minha frente. O bêbedo se colocou na minha frente. O bêbedo pretendia conversar comigo e com o macaco e eu procurava atravessar para o outro lado da rua. O indigente continuava insistindo, e nós dois estávamos irritados e deprimidos com a conversa do bêbedo. Eu e o macaco paramos frente a uma barbearia, e eu entrei na barbearia para escapar da conversa insistente do bêbedo que procurava convencer o macaco, que o ouvia atentamente, de alguma coisa a respeito da política internacional [...]”.
José Agrippino de Paula. PanAmérica. São Paulo: Max Limonad, 1988 [1967], pp. 124-5.


“Consciência de ter algo a dizer como consciência de nada, consciência que não é a mendiga mas a oprimida do todo. Consciência de nada a partir da qual toda a consciência de alguma coisa pode enriquecer-se, ganhar sentido e figura. E surgir toda a palavra. Pois o pensamento da coisa como o que ela é confunde-se já com a experiência da pura palavra; e esta com a experiência em si. [...] Se a angústia da escritura não é, não deve ser um pathos determinado, é porque não é essencialmente uma modificação ou um afeto empírico do escritor, mas a responsabilidade desta angústia, dessa passagem necessariamente estreita da palavra na qual as significações possíveis se empurram e mutuamente se detêm [...] Falar mete-me medo porque, nunca dizendo o suficiente, sempre digo também demasiado. E se a necessidade de se tornar sopro ou palavra aperta o sentido – e a nossa responsabilidade do sentido – a escritura aperta e constrange ainda mais a palavra. [...] Angústia também de um sopro que se detém a si próprio para entrar de novo em si, para se aspirar e voltar à sua fonte primeira. Porque falar é saber que o pensamento deve tornar-se estranho a si próprio para ser dito e exposto. Então pretende, ao dar-se, reapossar-se de si. [...]”.
Jacques Derrida. “Força e significação” in: A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 2005 [1967], pp. 20-1 e nota 18.

diálogo monológico

[Sol. Descampado, um pasto. Cupinzeiros. Não há árvores. Um homem com chapéu de palha na cabeça e camisa aberta sentado em um cupinzeiro. Imensidão e cercas. Dez minutos passam, vento leve, mesmo assim muito calor e barulho de guizos. Uma cascavel sai de buraco da parte mais baixa do cupinzeiro, enrola-se, mantém o guizo guizando e olha para o homem.]

[Cascavel]: Qual o problema?

[Homem]: Consertar a cerca.

[Cascavel]: Qual o problema?

[O homem cala-se por alguns minutos, pensa em uma árvore, vê os mourões da cerca, imponentes, cruzando horizontes com seu formato vertical. Guizos.]

[Homem]: Eu não sei.

[Cascavel]: E o gado?

[Homem]: Em outras pastagens.

[Cascavel]: E você?

[Homem]: Conversando com uma cascavel.

[Cascavel]: Além?

[Não há nuvens. Não há trégua do calor. Não há silêncio nem barulho nem guizos, o mundo derrete em suor e trabalho. Guizos. O homem estica os braços, lambe os beiços, escarra. Cascavel impassível.]

[Homem]: Logo mais tenho que continuar o serviço, esticar o arame, prender, um, dois, três, quatro fios de farpa.

[Cascavel]: Onde está algum significado?

[Homem]: O arame está meio bambo naquele lado.

[O homem aponta um ponto à sua esquerda ao longe. Cupinzeiros, pasto, sol e cerca. A cascavel e seu guizo despreocupada.]

[Cascavel]: Não quero mais perguntar.

[Homem]: Falou comigo?

[Cascavel]: Talvez.

[O homem salta do cupim, pega suas ferramentas e anda pelo pasto rumo à cerca. A cascavel rasteja para o seu buraco.]

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Algum som para alegrar alguém, ou não:

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

conto sugerido

o q eu to dizendo eh sobre nossas mentes..e nao nossos atos fisicos..
mas vou experimentar um pouco amor proprio pra ver se vale a pena..

essa eh soh mais uma historia d uma comunidade que sonhou e que fracassou

como comecar???: OS HOMENS SONHAM

Os sonhos da humanidade; um individuo (icaro), um grupo (alquimistas, intelectuais), uma comunidade ou classe (comuna d paris, revolucao 17, jovens de 68, woodstock), a humanidade (paz mundial). a história dos eslabios: grupo surgido do fracasso do ultimo sonho. sonharam com o fim da decisao.

temas: a exteriorizacao d funcoes humanas..locomocao, forca, memoria
a escolha por exteriorizar a capacidade d decisao
a maquina racional da decisao e seu fracasso, fanatismo e descontentamento com a racionalidade
movimento quebra maquinas
um metodo primitivo d decisao: pedras? dados?
as trapacas surgidas nesse novo metodo

como terminar? a decisao por nao decidir? a decisao por trapacear? jah estava decidido qdo se submeteu as pedras? o q os homens querem com isso? o fracasso: decidiam o q queriam decidir..a decisao final: suicidio coletivo ou gradual?

sociedade: eslabios
maquina: gelirabo
"pedras": pedras

os homens sonham; e os homens fracassam. seus sucessos nada sao mais que fracassos adiados. isso nao tornam nulas as belezas q produzimos. sao como flores em mausoleu, que eh a aceitacao final do fracasso da vida.

no fim descobrem que soh lhes resta morrer.
vivir es eligir.

Projeto de Vida segundo os ITS

Quando eu tiver um filho, darei bons conselhos para que ele não se foda na vida. É muito mais simples do que parece, na verdade: Chego do trabalho e espero a mulher preparar a janta, enquanto assisto Jornal Nacional com o filho. Nessa hora é sempre bom comentar as notícias, para ajudar a criar consciência crítica no garoto, embora ele tenha apenas 5 anos - sei bem que nunca é cedo demais para criar o hábito da cidadania. Então quando Willian(s) Bonner, já com seus 95 anos de (imparcial)idade anunciar desgraças de barracos caindo na chuva eu lanço "tá vendo, o Lula só faz bolsa família e num constrói lugar pra essa gente morar!" depois, quando falar da seleção brasileira, concluo "isso daí só serve pra alienar o povo!" e assim por diante. O garoto vai aprendendo devagar, vai criando maturidade e respeito ao pai. Mas, quando faltarem apenas uns dez minutos pra ter janta na mesa, faço considerações acerca do que realmente importa: O Amor Puro e Sincero da Montanha. "Meu filho, você...já é homem crescido, já aprendeu que a vida não é fácil...que você precisa ter dedicação pra ser alguém na vida, pra ter sucesso. Um dia você pode ir pra Rússia, sabe? Porque lá tem o T.A.T.U.
E, meu filho, nada é mais importante pro teu futuro, que conseguir um casamento sincero e feliz, encontrar alguém que...que vá te a... te am...amar...de verdade. Elas são russas, ah..desculpe, esqueci de dizer, são duas. É, isso, elas são lésbicas, mas eu acho que rola, viu? Agora vá lavar as mãos, que a janta tá na mesa.

sábado, 7 de novembro de 2009

b.

Eu organizo letras em palavras desorganizadas.
 n s i a n s e i o.
n
g
u
s
t
i
a
n
d
o.

23set06

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Sabadinho de Sol

Nada é tão bonito como estar trancado no quarto em uma gostosa tarde ensolarada de sábado. A janela é grande e a vista também. Porque a janela tem 1 metro e 20 e poucos centímetros, e a vista do décimo segundo andar vai até o horizonte, e antes disso, passa pela cidade inteira. Mais bonito é que no sábado a tarde a cidade inteira está vazia. É um deserto de prédios, asfalto e clichês.
Uma janela tão grande está necessariamente a apenas 1 metro e pouco do chão, ou até menos porque em baixo dela fica aquele banquinho velho de madeira, que não deve ter mais que uns 90 centímetros de puro conforto e possibilidades.
Lá fora as coisas acontecem, mas trancado no quarto...uma hora já não resta mais nada para acontecer, apesar da bela vista. Meia dúzia de livros, uns dicos ouvidos milhões de vezes...Além disso como ter concentração na leitura tendo uma vista tão grande, uma janela tão grande. Praticamente 1 metro e 20 de janela por um milhão de kilometros e 20 de horizonte e coisas acontecendo lá fora.
Doze andares um OPA! para o porteiro, e dois portões eletrônicos, separam o quarto fechado e a vida com as coisas acontecendo. Quer dizer...as coisas devem estar acontecendo, embora a vista leve a crer que só o que existe é o deserto de prédios, asfalto e clichês. Mas nunca se sabe, e então, pode ser que chegando lá não tenha mesmo nada pra fazer, não tenha ninguém à toa. Nesse caso, só restaria um retorno disfarçado ao quarto.
Trancado no quarto, porta de um lado janela do outro. Pra lá da porta é que é foda, porque as coisas não acontecem no resto do aconchego do lar. Ou seja, acontecer acontece, mas o que acontece, na verdade, é um lance estranho, de repetição. Há, de fato, outras pessoas vivendo nessa parte sombria do aconchego do lar, e por mais que pareça mentira, essas pessoas, cuja natureza está oculta do saber humano........essas pessoas repetem e repetem as mesmas belas e lúdicas atividades, o mesmo silêncio saudável, o mesmo en-tre-te-ni-men-to televisivo.
Trancado no quarto, porta de um lado janela do outro. Doze andares um OPA! para o porteiro, e dois portões eletrônicos, separam o quarto trancado e a vida com as coisas acontecendo. Um movimento simples com apoio do banquinho, 1 metro e pouco do chão até a janela, doze andares e o choque com os muros e tetos das belas casinhas lá em baixo, separam o quarto trancado e a morte com as coisas desacontecendo bonitamente ensolaradas.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Pequena frase do Mestre

"Things just happen, one after another. They don´t care who knows. But history... ah, history is different. History has to be observed. Otherwise it´s not history. It´s just... Well, things happening one after another."

Pratchett, Terry. Small Gods. NY, Harper, 2008, p. 2.


O paragrafo posterior a esse eu ignoro. Bah. Wth, vou copiar aqui também:

"And, of course, it has to be controlled, Otherwise it might turn into anything. Because history, contrary to popular theories, is kings and dates and battles. And these things have to happen at the right time."

É interessante de um ponto de vista. Mas também possuo uma crítica de outro.
O primeiro ponto, é que precisa "ser controlado para não virar qualquer coisa." Ou seja, retomando a citação anterior, o que caracteriza a história é a observação. É a terceira pessoa fora dela que observa os acontecimentos se desenrolarem e lhe dá um valor histórico. É importante ter um controle disso, senão vira um vale-tudo. Aonde tudo pode ocorrer. Mas, afirmar que a história é, e note a enfase no verbo, reis, datas e batalhas é, de certa maneira, afirmar que o positivismo está certo.

Mas lógico que, nisso, existe, talvez certa sátira-irônica. Acredito que a primeira afirmação remete a idéia do discurso. Ou seja, a idéia da necessidade de um terceiro. Mas ele esculhamba com isso afirmando que a história é fatos e que eles que precisam estar bem observados.

Bah, nem sei o que eu to falando aqui. Tentar levar a sério essas coisas é destruição. A verdade é que a primeira frase é legal e me fez pensar várias coisas. Até eu ler a segunda e me decepcionar e perceber que minhas interpretações são estavam de acordo com a fonte.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

último lamento

A madrugada anda longe pela noite. Observo um corpo imóvel no chão frio de um quarto: uma mente perturbada descansando. Quantas vezes já presenciei essa cena? Minha reação mudou nos últimos anos? Não consigo definir. Gostava de subir em árvores quando criança, essa é a única coisa que me lembro nesse momento, penso mais um pouco, não sei por quê. Não subo mais em árvores: exercício gratuito, pois não tenho coisa alguma para fazer em cima de uma árvore, a não ser cair, mas cansei-me disso, também. Talvez conversar com alguém ajude.

Chego perto do meu dormente amigo, dou-lhe um chute nas costelas e ele acorda gemendo e tentando soltar suas amarras e virando para um lado e para outro e desesperando. Espero até que se canse. Retiro-lhe a fita adesiva dos lábios, um puxão rápido e doloroso: um grito sincero escapa junto com a fita. Pergunto-lhe como está hoje e ele chora. Aguardo. Quinze minutos depois ele está com ânimo para conversar:

-- Por que está fazendo isso? Por favor, deixe-me sair daqui. Eu não fiz nada de errado. Por favor. O que você vai fazer comigo? Deixe-me ir. Por que está fazendo isso? Deixe-me sair daqui?

Tudo isso demorou uns bons cinco minutos para ser dito, pois meu amigo soluçava demais entre uma palavra e outra. Com algum desânimo, respondo:

-- Lamentar e fugir: você só consegue pensar nisso?

Após controlar seus engasgos e lágrimas, articula algumas palavras: -- Eu não fiz nada para você, deixe-me ir. Ainda não está tudo acabado, eu tenho certeza.

-- Está acabado sim. Ou melhor, logo estará. Não há discussão; parece que nunca houve. Vivemos milhares de anos multiplicando nossos monólogos e achávamos que perduraríamos para além do tempo. Ledo engano: ainda bem. Diga-me: não estava cansado de tudo?

Olha-me, desamparado, resigna-se. Entendeu (ou desistiu).

Ausento-me por alguns instantes e retorno com um martelo, uma estaca de ferro e um serrote. Meu amigo esboça um grito, mas sabe que ninguém pode ouvi-lo. Penso em um mundo melhor.

Momentos depois, estou olhando para a lua, no meu corpo nu sangue morno ainda escorre antes de começar a coagular, respiro aliviada. Matei o último homem e sou a última mulher (ou seríamos nós os primeiros de uma realidade cíclica?). Deito e espero a morte da humanidade e a libertação do mundo.

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Para espairecer, alguns sons:
Versão original:


Cover:

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sobre a fé.

São Francisco, santo padroeiro.

Wen c'est lauhll

"aquele que se recusar a obedecer a vontade geral a isso será constrangido por todo o corpo (político) - o que significa simplesmente que será forçado a ser livre [...]" - Jean-Jacques Rousseau

Um dia, há tanto tempo que não sei dizer quando foi, na boa e velha hora de brincar no parquinho da escola, exercíamos a boa e velha insanidade infantil: dezenas de crianças em um cubículo de areia, (do qual crianças com problemas respiratórios estavam banidas pela justa deliberação da mãe transmitida à professora por meio de uma agenda que devíamos portar) uma meia dúzia de brinquedos clássicos: escorregador, gira-gira, gangorra, etc. Dezenas de crianças, portanto, rolando e subindo, de todas as formas imagináveis e inimagináveis, por brinquedos, paredes, crianças, areia no chão e no ar.
Quando de repente, uma pedra atinge a professora incumbida de vigiar aqueles bárbaros mirins. Tanto é verdade que ela não cumpria satisfatoriamente sua tarefa policial, que nem viu de onde veio a pedra. Veja, não foi uma tentativa de assassinato. Foi uma pedra, melhor dizendo, um pedrisco destes de parquinho mesmo, que às vezes ficam inocentemente no meio da areia. Pedrisco atirado por um guri de... sei lá, 7 anos. Nada que pudesse machucar uma criança. Mas não interessa! O momento de expressarmos nossa incivilização foi imediatamente suspenso. Era hora de achar culpados.

Toda classe tem aquele carinha por quem as pessoas alimentam uma antipatia secreta. Pois bem, nesse caso não foi diferente. Alguns começaram a apontar este possível culpado que foi exemplarmente punido. Tempos depois novo incidente entre este aluno e a mesma professora veio a ocorrer e o caso da pedra foi relembrado inclusive por outros alunos. Mas sinceramente não tenho certeza sobre quem realmente cometeu o atentado e muito menos se houve premeditação ou intenção dolosa no ato.

P.S.: Não fui eu não!

Debate de idéias

Rodolfo diz:
putinho.
Arthur diz:
vai...tumá nu cu!!!
Rodolfo diz:
fodinha.
cortei as unhas, tá de boa.
Arthur diz:
humm assim é fácil
Rodolfo diz:
suja menos, machuca menos.
Arthur diz:
acostuma mais
..dizem..
Rodolfo diz:
..dizem..
foda é cheiro de merda. impregna. ..dizem..
Arthur diz:
compensa..dizem
Rodolfo diz:
cum pesa, cum mela.
pensamento cum tempo rã ânus.
Arthur diz:
humm..interessante
rã na montanna?
Rodolfo diz:
fazendo bobagem.
Arthur diz:
fazendo bobage e sendo feliz
feliz q nem um corno
q nem um filho da puta
Rodolfo diz:
até o mundo acabar em barranco.
morro gozadinho-como-um-corno-encostado-no-barranco.
Arthur diz:
se comes um corno, com ou sem barranco, o corno vira corneador de quem o cornea
Rodolfo diz:
corno mão-dupla.
Arthur diz:
corno sem perdão
Rodolfo diz:
não há perdão.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Variação: Post anterior, Nietzsche, Metallica

Faço uma brincadeira, mas sem a genialidade de idéias e escrita do nosso amado rcma.

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Acordou. Tivera um sonho estranho, ou seria um pesadelo? Nele estava bem mais velho, sem parte de seus cabelos e com certa barriguinha. Tinha dois amáveis filhos e uma esposa. Não entendia o porquê, tal visão deveria ser feliz, mas havia algo de sombrio nela, não compreendia o quê. Deitou-se novamente, mas, mal se re-aconchegou na cama e o despertador começou a tocar. Eram sete horas. Precisava ir para o escritório. Deu uma bufada. Mas era sexta. E toda sexta rolava um barzinho depois do expediente.

Tudo transcorrera como sempre e teria sido um dia tão normal como qualquer outro. Mas, no bar, algo estava diferente, a secretária do chefe havia finalmente aceito ir com o pessoal. Era bonita e tinham aproximadamente a mesma idade. Olhava para ela enquanto tomava sua cerveja, nunca haviam conversado, a não ser algum cumprimento ou outro. Divagava como seria sua vida com ela: já imaginava a cara de seus amigos ao vê-lo com tal beleza; os lugares aonde a levaria,... De repente se lembrou do sonho. Não completamente. Mas tudo isso deixou de fazer importância quando a viu sorrindo. Sorria para ele. Mandou todos seus pensamentos pro inferno e decidiu ir para o lado dela.

Acordou. Tivera um sonho estranho. Nele havia dormido com a secretária do chefe. Virou-se na cama e sentiu algo. Não fora um sonho. Ela estava ali, do seu lado, perfeita, podia sentir seu leve perfume, o calor do seu corpo. Sorriu como nunca. Saiu da cama com cuidado e foi até o banheiro. Lembrou-se que, alguém, em algum lugar havia escrito: “As coisas simplesmente acontecem, porra!”. E riu alto.

Logo teriam gêmeos. Ele havia sido promovido. Achava que seu salário podia sustentar a família. Decidiram que ela ficaria em casa para cuidar das crianças. Não era mais a mesma deusa de anos atrás, mas ele também havia mudado. Evitava cortar o cabelo muito curto para esconder as entradas. Também não tinha mais aquele físico de antes. Não se importava. Pensavam no futuro dos filhos.

Acordou, tivera um sonho estranho. Mas nem teve tempo de refleti-lo. Precisava levar os moleques na escola antes de ir para mais um dia de trabalho. A mulher nem estava mais cama, já havia levantado, preparar o café-da-manhã. Olhou-se no espelho enquanto se arrumava. Já não era mais o mesmo. Estava completamente mudado.

Chegou ao trabalho, cumprimentou a secretária do chefe. Ela lhe retribuiu com uma risadinha que o teria deixado excitado anos atrás. Trabalhou. Observou pela porta entreaberta do escritório enquanto um dos novos estagiários conversava alegremente com a secretária e pensou no passado. Trabalhou. O que havia feito da vida? Trabalhou. Quem era ele? Trabalhou. Vivia ainda? Trabalhou. Gastou oito horas do seu dia. Tudo mecanicamente. Viu a secretária indo embora. Deu-lhe um sorriso. Ela retribuiu. Mas precisava saber quem era. Essa noite. Estava decidido. Não voltaria para casa. Precisava de alguma verdade nessa falsidade. Fechou a porta e saiu. Dentro do escritório escuro, a ausência continuava a se expandir, infinitamente.

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"[...] Nosso destino dispõe de nós, mesmo quando ainda não o conhecemos; é o futuro que dita as regras do nosso hoje."
Nietzche, Friedrich. Humano, Demasiado Humano. SP, Companhia de Bolso, p.13.


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"Careful what you wish

Careful what you say

Careful what you wish

You may regret it"

Metallica - King Nothing


http://www.youtube.com/watch?v=gq9iCBUxeJE&feature=fvst





Variação: Sartre e The Birthday Party

Mais uma brincadeira. Trecho, música e aquilo que escrevo dessa vez não são tão (ão ão ão, eco, eco) aleatórios. Descontextualizados, com certeza. Mas a vida é algo fora de contexto, então, tudo ok.

Caso alguém queira esclarecimentos ou insultar-me gratuitamente [ou não gratuitamente, vai saber], manifeste-se nos comentários. Caso tenha alguma proposta mais pessoal, peça meu cartão ou mande-me um email.

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“Hoje foi um ótimo dia. Sexta-feira mais agradável da minha vida: após o trabalho fui com os colegas do escritório para um bar e ficamos conversando por um bom tempo. Pude conhecer melhor a secretária do meu chefe... tanto tempo que eu queria conversar com ela, finalmente criei coragem. Poderemos ser bons amigos, espero. Ou quem sabe algo mais... acho que gosto dela [...]”.

Dez anos se passaram desde que escrevi essas palavras nesse caderno. Por que fui tirar a poeira disso? Hoje, sexta-feira, sete horas da manhã, quase na hora de ir para o escritório, e eu a encarar palavras vazias. Hoje, eu, casado, dois filhos, trabalho ainda no mesmo lugar. A secretária do chefe mudou: a do diário é agora minha esposa, largou o serviço para cuidar dos gêmeos e ajuda no orçamento como pode, vende bijuterias. Eu também mudei, e muito.

Foram-se os cabelos, boa parte. Desapareceu a paciência. Não mais tenho ereções. Não olho nos olhos de minha esposa, mas ainda beijo-lhe a testa. Vejo meu vazio refletido em meus filhos.

No serviço a nova secretária está cheia de gracejos para comigo: disse no meu ouvido que gosta de pais de família e que também gostaria de mostrar-me seus dotes, saiu sorrindo e rebolando. Nenhuma parte de mim manifestou-se.

Trabalho “minhas” oito horas com a dignidade de um inseto.

Estou decidido: não volto para casa após o serviço. Preciso de confirmações, saber se estou morto, ou moribundo a vagar pelo mundo a ser força de trabalho e criar descendentes e “ser feliz” e... quanto mais penso, mais obrigações, mais objetivos, mais justificativas para a vida surgem, e tudo isso está tão opaco, soa-me tão falso.

Mantenho minha decisão: tomo caminhos estranhos e tento me perder pela cidade, paro em alguns bares e bebo alguns tragos. Quase meia-noite e jogo meu relógio o mais longe que posso. Entro em uma boate, ou sei lá o que... é tudo tão iluminado e há pessoas semi-nuas e nuas dançando, homens, mulheres, homens-mulheres, mulheres-homens, não consigo definir muito bem, minha vista está embaçada, estou embaciado. Sento-me e alguém dança à minha frente: consigo discernir, acho, um rapaz movimentando-se, encarnação da libido: suas pernas ao ar, simetricamente trançando-se pelo poste: letargia e hipnose: pênis ereto e o rapazola sorri para mim em confidência: as três pernas dele dançam mais um pouco enquanto afogo-me com meu resquício de consciência.

Acordo nu em um quarto sujo. Sinto-me bem, pois não sinto nada. Transcendi o vazio. Em algum lugar alguém pode estar me esperando, mas eu não espero mais nada de mim, desapareci, ou melhor, todo o resto do mundo desapareceu. Sorrio.

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“Sentia-me cansado e superexcitado ao mesmo tempo. Não queria pensar no que ia acontecer de madrugada, na morte. Aquilo não tinha sentido, não encontrava senão palavras, um vazio. Desde, porém, que começava a pensar em outra coisa, via canos de fuzis apontados para mim. Vivi talvez umas vinte vezes seguidas a minha execução; numa delas cheguei mesmo a pensar que o fuzilamento tinha ocorrido; devia ter dormido um minuto. Eles me carregavam para o muro enquanto me debatia; pedia-lhes perdão. Acordei em sobressalto e olhei o belga; tinha medo de ter gritado durante o sono. Ele, porém, alisava o bigode e não notara nada. Creio que me esforçando teria dormido um pouco; havia quarenta e oito horas que estava em claro e me sentia esgotado. Mas não tinha vontade de perder duas horas de vida; viriam acordar-me de madrugada, segui-los-ia tonto de sono e estrebucharia sem um ai; não queria morrer como um animal, queria compreender. Além disso tinha medo de ter pesadelos. Levantei-me andei de um lado para o outro e, para afastar aquelas idéias, comecei a pensar no passado. Uma onda de lembranças surgiu em confusão. Havia-as boas e más – ou pelo menos eu as considerava assim antes. Via rostos e fatos. Revi a fisionomia de um toureiro que havia sido morto nos cornos de um touro em Valença durante a Feira, o rosto de um de meus tios, e o de Ramón Gris. Lembrei-me de alguns episódios: como passei quando estive desempregado durante três meses em 1926, como escapei de morrer de fome. Recordei-me de uma noite passada sobre um banco, em Granada; havia três dias que não me alimentava, sentia-me enraivecido e não queria morrer. Aquilo me fez sorrir. Com que ansiedade eu corria atrás da felicidade, atrás das mulheres, atrás da liberdade... A troco de quê? Tinha querido libertar a Espanha, admirava Pi y Margall, aderira ao movimento anarquista, discursava em comícios: levava tudo a sério, como se fosse imortal.

Nesse momento tive a impressão de sentir toda a minha vida à minha frente e pensei: ‘É uma grande mentira’. Não valia nada, pois havia acabado. Perguntei-me como tinha conseguido passear, divertir-me com mulheres; não teria mexido um dedo se houvesse imaginado que iria acabar desse jeito. Tinha minha vida diante de mim, fechada como um saco e entretanto tudo quanto estava lá dentro continuava inacabado. Tentei, num momento, julgá-la. Quisera dizer – foi uma bela vida. Mas não se podia fazer um julgamento, pois ela era apenas um esboço; havia passado o tempo todo a fazer castelos para a eternidade, não compreendera nada. Não tinha saudades de nada; havia uma porção de coisas das quais poderia sentir saudades, do gosto da manzanilla, dos banhos que tomava no verão numa enseadinha de Cádiz; a morte, porém, roubara o encanto de tudo”. [1]

Música: Nick the stripper, por The Birthday Party

"insect insect insect insect incest insect incest insect

Nick The Stripper
a-hideous to the eye
a-hideous to the eye
well he's a fat little insect
a fat little insect
a fat little insect
a fat little insect
and ooooooooh! here we go again

Nick The Stripper
a-dances on all fours
a-dances on all fours
he's in his birthday suit
he's in his birthday suit
he's in his birthday suit
he's in his birthday suit
and ooooooooh! a-here we go again

Nick The Stripper
a-hideous to the eye
a-hideous to the eye
well he's a fat little insect
a fat little insect
a fat little insect
a fat little insect
and ooooooooh! here we go again

well he's a fat little insect
a fat little insect
a fat little insect
a fat little insect
he's in his birthday suit
he's in his birthday suit
he's in his birthday suit
he's in his birthday suit

insect insect insect insect"



[1] Sartre, Jean-Paul. "O muro" In: O Muro [1939]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, pp. 21-2.

domingo, 25 de outubro de 2009

a.

Se esse escrito ficasse para posteridade precisaria de uma nota de rodapé, pra entender a piada. Mas deixe-me voltar ao assunto.

Não sei exatamente o que escrever. E em poucas palavras, menos. Não tenho mais grafite e as condições me impedem de ir além. Acho que não defini o que escrever.

O pensamento é hiperlinkado. A velocidade das idéias não me permite desenvolver a escrita do pensamento.

Escrever seria um exercício pra memória se pensar não fosse uma atividade tortuosa. Ou para organizar aquelas ideias sem acento. Melhor usar algumas linhas mais.


A costura da calça se desfazia, mas a elegância das longas pernas não a escapava. Os longos cabelos, os dedos compridos, que batucavam na mesa de acordo com alguma música que meus olhos não ouviam, prendiam-me a atenção, enquanto a palestrante de sotaque engraçado falava alguma bobagem. Essas últimas linhas do caderno estão acabando e acabei não escrevendo o que queria. Não era sobre a palestra, era sobre outra coisa. Um segundo antes da primeira letra, sabia tudo o que dizer.
As minhas idéias caminham apressadamente como uma multidão em uma praça de centro de alguma metrópole. percepção, tempo, cinema, capitalismo industrial, fotografia, cidade, bonde, tecnologia, disciplina de trabalho, reforma urbana, espetáculo, controle. Continuam tortas, todas.
O que enfim quero escrever?

sábado, 24 de outubro de 2009

1, 2...

Na verdade o q eu tento fazer com esse texto eh uma experiencia..ordenar uma argumentação não em um texto academico ou objetivo..mas em um texto que contenha, no seu conteúdo e sua forma, as noçoes e idéias q se quer debater inseridas em algum outro contexto...peraih! alguem jah nao fez isso?
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Ela já não aguentava mais. Era a terceira vez que lia o mesmo parágrafo de 4 linhas: "A importância do proletariado no marxismo está ligada a crítica de Marx a noção de Estado de Hegel, no entanto...". "No entanto...no entanto, no..não..o que?". Já bastava. Depois de 5 horas lendo não poderia absorver muito mais. Se levantou e foi escovar os dentes, mas só depois de fechar o livro com uma pressa desnecessária.

Não ia a lugar nenhum. Já estava com essa idéia fixa desde o capitulo 6 do livro. A história segue uma reta, tem um caminho definido, o progresso inexorável..claro, cada idéia tem sua época. 7 anos depois de graduada ainda lembrava da frase de aluno novato. Mas não parece idiota pensar num caminho da história? Pensar que a história segue leis estritas? Sim, hoje em dia já parece besteira pensar nisso. Mas o que mais a angustiava é que ela sabia que essa era uma noção que estava muito presente no seu cotidiano. Praticamente tudo que a circundava estava impregnado, consciente ou não, dessa baboseira: desde novelas até ditos populares, desde "princípios" pessoais [mais uma baboseira] até piadas..mas o que a fazia perder a paciência eram pessoas que insistiam que o único destino do homem era sua evolução, seu progresso...sim, já havia conhecido 8 pessoas que tinham fé no futuro do homem, acreditavam que no fim da história o homem se realizaria e alcançaria sua plenitude. Tudo isso já lhe soava como discurso ultrapassado demais..a lugar nenhum! Não partimos de lugar nenhum. Não chegaremos a lugar algum.

Depois de 9 minutos escovando os dentes e divagando sobre suas angústias voltou ao livro pensando: "porque a história tem que chegar a um ponto? porque tudo tem que ascender em uma escala, rumo ao 10, como esse texto?"

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Aaaaaaahhhhhhlizée!!


Acho que um dia desses eu vou...pra França. É..isso...pra França. Aí vou sequestrar a Alizée. Compro ingresso, vou no showzinho dela subo no palco mato os seguranças, agarro ela e saio fora. Ou então, bem melhor, vou nesse picknick, frutas vermelhas, frutas macias, frutas...sil..silvestres. Pego tudo, pego geral, mando embora as amiguinhas...será que mando? é.. mando. Amor sincero. Mando embora os magrelos franceses, magrelos cornos. Aí, então, sequestro a Alizée.
Aí, "Olha, Alizée, casa comigo e me trai! Não... não, tudo bem..levo uma vida de corno." Mas eu não vou conhecer os pais dela! Isso nunca! Franceses coroas burgueses! Tudo tem limites...

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Variação aleatória inicial: Céline

Não estruturei trecho e escrita própria. Não proponho manifesto. Cito a cama quentinha, o que já basta.

Obs: o tempo gerou uma ambigüidade, mantida pela minha preguiça.

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Bernardo precisava sentir algo que lhe pertencesse. Há dias não aturava sua própria presença, menos ainda a minha, seu irmão, morto na Primeira Guerra – uma medalha e um resto de farda queimada, únicas lembranças materiais restantes, guardadas em uma gaveta, a dialogar com a poeira – memória presente assombrando todas suas madrugadas insones. O corredor escuro servia como passarela para o desfile do tempo, e ele caminhava noite adentro, vai e volta, vai e volta, até a estafa aniquilar sua vontade e o chão frio tornar-se o refúgio para a espera do pôr-do-sol. Chego e sento-me ao seu lado:

─ ...

Lábios movem-se, não há som. Encaro meu velho conhecido: hoje estou decidido; recuperarei algo. Preciso. Não posso esperar o sol. Não posso agüentar essa solidão com um fantasma morto por um obus.

Bernardo levanta-se com esforço e caminha com dificuldade até seu quarto. Nada pode ajudá-lo; só paliativos, breves instantes de consciência tranqüila antes do fim. Abre uma gaveta, atira uma medalha contra mim, o som dela batendo na parede ecoa por momentos longos demais. Resigno-me e olho fixamente para frente, aprecio a dissolução do tempo.

Ainda sobraram na gaveta um traste de pano queimado e uma velha faca artesanal, herança da família. O morto, eu e uma faca; o que poderia ser mais propício? Algo meu, recuperarei.

Ainda antes do sol nascer, antes de que eu desaparece por hoje, pude ver Bernardo colocar sua mão sobre o armarinho e cortar lentamente seu dedo indicador, sem gritos nem lágrimas, apenas com um sorriso sincero dirigido à mim, satisfeito consigo mesmo. Passou por dentro de mim, sangue escorria pelo seu caminho tortuoso até sua cama quentinha: dormiria, após muito tempo.

--

“Ainda assim, o homem conseguiu desembuchar alguma coisa de articulado:
─ O segundo-sargento Barousse acaba de ser morto, coronel ─ disse de um só fôlego.
─ E daí?
─ Ele morreu indo buscar o furgão de pão na estrada das Etrapes, coronel!
─ E daí?
─ Um obus o estraçalhou!
─ E daí, Deus do céu!
─ E é isso! Coronel...
─ Só isso?
─ É, só isso, coronel.
─ E o pão? ─ perguntou o coronel.
[...]”. [1]

--

[1] Céline, Louis Ferdinand. Viagem ao fim da noite [1932]. São Paulo: Cia das Letras, 1994.




domingo, 18 de outubro de 2009

Por uma contestação.

Nunca li Gramsci. Nem lerei no curto prazo. A longo não sei, mas as perspectivas não são favoráveis.
Logo, ilustro um pouco a concepção pratchettiana de história com um diálogo entre Susan e Morte. Ele é iniciado com a Susan questionando o que teria ocorrido se eles falhassem em salvar o Hogfather, um equivalente do Papai Noel no Discworld. A tradução foi feita por mim. As letras maiúsculas são as falas do Morte. Essa é uma das características do personagem no livro, todas são assim.

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- Oh, não me venha com essa. Você não pode esperar que eu acredito nisso. É um fato astronômico.
O SOL NÃO TERIA NASCIDO.
Ela se virou para ele
- Foi uma noite longa! Eu estou cansada e preciso de um banho! Não quero saber de bobagens!
O SOL NÃO TERIA NASCIDO.
- Realmente? Então o que teria acontecido?
UMA MERA BOLA DE GÁS FLAMEJANTE TERIA ILUMINADO O MUNDO.
Eles andaram em silêncio por um momento.
- Ah - disse Susan - Brincando com palavras. Eu pensei que você fosse mais literal.
EU SEMPRE SOU LITERAL. BRINCADEIRA COM PALAVRAS É O LUGAR DOS HUMANOS.
- Certo - disse Susan - Eu não sou estúpida. Você quer dizer que humanos precisam... de fantasias para tornar a vida suportável.
SÉRIO? COMO SE FOSSE UM TIPO DE PILULA MÁGICA? NÃO. HUMANOS PRECISAM DE FANTASIA PARA SEREM HUMANOS. PARA SE TORNAREM ESTE LUGAR AONDE O ANJO CAÍDO ENCONTRA O MACACO EM ASCENSÃO.
- Fada dos Dentes? Hogfathers? Pequeno...
SIM. COMO TREINO. SE TEM QUE COMEÇAR APRENDENDO A ACREDITAR NAS PEQUENAS MENTIRAS.
- Para, assim, acreditarmos nas grandes?
SIM. JUSTIÇA. MISERICÓRDIA. DEVER. ESSAS COISAS.
- Não são a mesma coisa, nunca!
VOCÊ REALMENTE ACHA? ENTÃO PEGUE O UNIVERSO E MOA ELE ATÉ FORMAR O PÓ MAIS FINO E PENEIRE NA PENEIRA MAIS FINA E, ENTÃO, ME MOSTRE UM ÁTOMO DE JUSTIÇA, UMA MOLÉCULA DE MISERICÓRDIA. E, AINDA ASSIM - Morte moveu uma das mãos. E AINDA ASSIM VOCÊ AGE COMO SE HOUVESSE ALGUMA ORDEM IDEAL NO MUNDO, COMO SE HOUVESSE ALGUMA... ALGUMA MORAL NO UNIVERSO PELA QUAL ELE PUDESSE SER JULGADO.
- Sim, mas pessoas têm que acreditar nisso, ou qual o ponto...
O MEU PONTO EXATAMENTE.
Ela tentou organizar seus pensamentos.
HÁ UM LUGAR ONDE DUAS GALÁXIAS COLIDEM POR MILHÕES DE ANOS - disse Morte, sem motivos. NÃO TENTE ME DIZER QUE ISSO É CORRETO.
- Certo, mas pessoas não pensam assim - disse Susan - Em algum lugar tinha uma cama...
CORRETO... ESTRELAS EXPLODEM, MUNDOS COLIDEM, PRATICAMENTE NÃO EXISTE UM LUGAR NO UNIVERSO AONDE HUMANOS POSSAM VIVER SEM SEREM CONGELADOS OU FRITOS, E, AINDA ASSIM, VOCÊS ACREDITAM QUE... UMA CAMA É A COISA MAIS NORMAL. É UM TALENTO ESPANTOSO.
- Talento?
OH, SIM. UM TIPO MUITO ESPECIAL DE ESTUPIDEZ. VOCÊS ACREDITAM QUE TODO O UNIVERSO ESTÁ DENTRO DE SUAS CABEÇAS.
- Você nos faz parecer loucos - disse Susan - Uma cama quentinha...
NÃO. VOCÊS PRECISAM ACREDITAR EM COISAS QUE NÃO SÃO REAIS. DE QUE OUTRA MANEIRA ELAS SE TORNARIAM? - disse Morte, ajudando-a subir em Binky.
- Essas montanhas - disse Susan, enquanto o cavalo se levantava - Elas são reais, ou algum tipo de sombra?
SIM.
Susan sabia que isso era o máximo que ela conseguiria ouvir dele.

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Referência: Pratchett, Terry. Hogfather. New York, Harper, 2008, pp. 335, 336, 337
Uma pequena nota de tradução: mantive Hogfather em vez de tentar traduzir. Provavelmente seria algo como Porco Noel ou Papai Porco. Não quis arriscar. Mas a idéia é daqueles porcos de engorda, provavelmente, tirando um sarro com o costume alimentício do Natal.
E eu traduzi Rightness por Moral numa das falas do Morte. Não sei qual seria o termo mais adequado. Provavelmente eu tente postar o texto no original nos comentários outrora, caso alguém se interesse.

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Sei que textos não dizem por si só. E até arriscaria colocar alguma interpretação dele. Mas, no momento, acredito que o Post já esteja longo demais e seja melhor deixar assim mesmo. Boa leitura, aos que lerem =P.