sábado, 22 de dezembro de 2012

À meia noite levarei sua alma, 1964 (direção de José Mojica Marins)



O argumento central está na concepção do Zé do Caixão à respeito da vida e da morte, e nas implicações morais que elas têm em relação à sua postura diante da comunidade.

Essa concepção baseia-se na ideia de que a morte é o fim da vida, no sentido da negação completa do sobrenatural, do mundo espiritual. Para o Zé do Caixão a existência limita-se ao que está vivo, incorporado no sangue como substância que deve ser perpetuada por gerações sucessivas. É na continuidade do sangue que está a razão da existência. Justamente deste elemento surge o motivo a partir do qual se desenvolve a narrativa, porque o Zé do Caixão precisa de um filho. A forma como o Zé procura realizar este desejo relaciona-se com sua concepção de existência e com o tipo de relação com a comunidade por ela definido, pois o Zé considera-se superior às pessoas supersticiosas da cidade. Essa superioridade vem da liberdade que ele acredita ter, uma vez que não está preso ao medo do inferno ou da punição divina, e isso lhe dá o direito de ferir as pessoas no bar, matar aqueles que constituem obstáculos aos seus objetivos e por fim, apossar-se das mulheres e estuprá-las, para com isso conseguir a continuidade do sangue.

A cigana que lê o futuro aparece como personagem que indica a chegada da punição do Zé do Caixão, cuja expectativa é criada pelos sucessivos abusos ao longo do filme. Ela prevê a morte do casal Antônio e Teresinha (sua escolhida para perpetuar o sangue) e diz que Zé do Caixão pagará por seus pecados na ocasião, o que permite entrever seu envolvimento nas mortes. Depois que o Zé estupra Teresinha, a previsão da cigana sobre a morte e a condenação do Zé ao inferno completam as expectativas criadas à mesa da cigana, quando Terezinha ameaça o Zé dizendo que iria suicidar-se e que depois viria buscar sua alma à meia-noite, e que nesse momento ele sentiria medo. Isso cria novas expectativas em relação ao momento em que o Zé finalmente seria punido. Quando o momento chega fica satisfeita a vontade de ver a frustração das convicções do Zé do Caixão a respeito do mundo dos espíritos, quando ele se depara com a Procissão dos Mortos e com o fantasma de Terezinha, e sofre numa sequência longa cujo desfecho é, evidentemente, o relógio indicando meia-noite e a expressão de medo no rosto morto do Zé.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Paraísos Artificiais, 2012 (direção de Marcos Prado)


    O argumento central é o acaso. Os dois personagens principais carregam consigo a culpa pela morte de pessoas amadas. Coloca-se, quanto a este aspecto o problema da forma como as coisas acontecem, e daí o fato de que não é possível saber se poderiam acontecer de outras forma.

    Mas o acaso tem um elemento comum que faz as coisas convergirem de modo que o acaso converta-se quase em destino: é o sexo. Na verdade é uma associação entre sexo, drogas, experiência mística e festa. O desejo de estar na festa faz com que Nando não esteja com o pai na ocasião em que o mergulho teve como consequência sua morte. Érica estava fazendo sexo com Nando e não percebeu que a amiga, Lara estava morrendo de overdose. A convergência toda das coisas começa exatamente no fato de que Nando e Érica se conheceram justamente na festa para a qual Nando foi em vez de ir ao mergulho com o pai. A desistência do mergulho está associada à morte do pai e à de Lara. (Mas, de fato, não é possível saber como seriam as coisas se suas condições fossem outras.)

   Mas as mortes não acabam aí. O irmão de Nando possivelmente morre enquanto Nando reencontra Érica no Rio de Janeiro. O irmão começou a se envolver com traficantes no momento em que Nando esteve na cadeia, por 4 anos, justamente por seu envolvimento com tráfico de drogas. As drogas trazidas por Nando ao Brasil foram conseguidas em Amsterdã, onde Nando reencontrou Érica pela primeira vez, no entanto, sem reconhecê-la da ocasião da festa. O amor entre eles gerou um filho (e três mortes).
   Esteticamente o filme intercala temporalidades e as experiências separadas de Nando e Érica. Deste recurso cria-se a expectativa para a convergência entre as duas trajetórias e pela recomposição da linearidade do tempo. Inicia com o período após a saída de Nando da prisão, passa para as disposições de Érica antes da festa e seu envolvimento amoroso com Lara. Neste momento já se sabe que Érica está na festa para tocar como DJ, e é isso que a levará depois a viver em Amsterdã, onde reencontrará Nando. Segue o encadeamento de pedaços de temporalidades diferentes e as cenas longas de sexo, viagens de droga e de festa com música eletrônica colocam pausas na sucessão dos acontecimentos, fazem certas situações levarem mais tempo até chegar ao seu desfecho, estabelecem momentos de expectativa entre uma coisa e outra, tudo isso em função do modo como são constituídas as sequências que encadeiam situações de cada temporalidade considerada.