sexta-feira, 29 de julho de 2011

O Último Vôo do Pássaro Sem Asas

Fausto a amava. A amava desde a primeira vez que a tinha visto na distância. Ela era linda. Possuía o cabelo loiro com as raízes escuras, usava roupas e maquiagem que a deixavam perfeita. Ele queria muito tê-la ao seu lado, dizer o que sentia. Queria conversar e conhecê-la, compreendê-la, queria ser alguém importante para ela. Mas o fato era que não a conhecia, e tudo o que podia fazer era observar enquanto passava.

Talvez por tanto desejá-la naquela noite sonhou com ela. Foi um sonho curto, estava sentado no banco de um ponto de ônibus, ela passava e ele a cumprimentava, cumprimento retribuído com um sorriso. Acordou levemente alegre, mas logo a dor no seu coração assumiu. Não era impossível de ocorrer, mas improvável.

Sua vida seguiu normalmente, até que a viu de novo, passando. Nessa mesma noite sonhou com ela de novo, no mesmo banco da praça. Mas depois do cumprimento ela se sentava ao lado dele. Acordou em seguida. E nas próximas noites esse sonho foi se alongando e eles se conhecendo. Começaram conversando de coisas banais, como o tempo e o último acontecimento catastrófico no mundo. Logo foram adentrando seus gostos e conversavam de música, cinema e literatura. Ouviam coisas diferentes, ele curtia mais um rock e ela MPB. Ambos se interessaram pelo gosto do outro. Nos filmes, alguns coincidiram, ambos adoravam Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e concordaram que Antes do Por do Sol era melhor que Antes do Amanhecer. A discussão ficou um pouco acirrada quando ele disse que A Origem não era um filme bom. Ela se irritou, e tentou convencê-lo do contrário, mas sem sucesso. Nos livros, o que o surpreender e muito é que ambos estavam lendo o mesmo: Ficções do Borges. Para cada noite era um conto diferente sobre o que conversam, cada um dando sua interpretação, e maravilhados com a capacidade de pensar do outro. Se sentiam perfeitos juntos. Um ajudava o outro a alcançar níveis de idéias que nunca tinham imaginado. Foi quando, em determinado sonho o ônibus chegou e com muito pesar eles se despediram, ela o beijou antes de entrar nele. E ali ele ficou, solitário.

E solitário acordou, na sua cama, com o coração partido. Seu único sentido de viver o havia abandonado, e lágrimas rasgaram-lhe o rosto quando se olhou no espelo e percebeu a verdade. Ele só queria uma alma para compartilhar as emoções de seu coração, alguém com quem pudesse conversar sobre o que sentia, alguém a quem pudesse dar seu amor e afeição. Seguiu sua rotina.

Depois do trabalho foi a festa na casa do Fábio. Os planos eram beber a noite toda. Fábio era um cara social, diferente de qualquer coisa que Fausto poderia ser, ele conhecia meio mundo, e isso se mostrou na sua festa. A casa estava cheia. Mas toda aquela multidão não importou quando ele a viu ali. Estava lá também, mais bela do que nunca. Descobriu que era conhecida de um conhecido seu e logo estavam conversando. Se chamava Clarice. Com o auxílio do alcool, conversaram sobre tudo sem inibições. Descobriu que não curtiam as mesmas músicas, e para sua frustração, ele não gostava de nada do que ela ouvia. Ela não vira nenhum dos filmes que ele adorava e ele odiava qualquer um que ela mencionasse. E quando ele mencionou Borges, ela só perguntou: "Quem?". A conversa não ia muito bem. Ele não se sentia tão confortável ao seu lado, mas num impulso de sonho tentou beijá-la quando ficaram sozinhos. Ela se surpreendeu, mas retribuiu o beijo. E naquele contato físico, conversas se tornaram irrelevantes Levou-a para casa naquela noite, aonde se amaram.

Naquela noite ele sonhou que estava no ponto de ônibus novamente, ouvindo Watcher of the Skies da banda Genesis no seu MP3 player quando um ônibus parou e ela desceu. A Clarice dos sonhos estava ali e disse que não conseguia parar de pensar nele. Ele sorriu, se abraçaram e se beijaram. Riram muito, uma risada gostosa por ser compartilhada. Sentiam o mesmo e sabiam disso. Aquela era a única realidade possível para eles.

Na manhã seguinte, Clarice acordou e olhou para Fausto dormindo ali, sereno, um sonho tão quieto, tão simples que ele poderia muito bem estar morto. E ele sorria.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Educação. Família. Trabalho. Responsabilidade. Dinheiro. Sobrevivência. Gozo. Vida. Desespero. Conforto. Ressaca. Esquecimento. Salário. Esmola. Estado. Futuro. Semana. Conflito. Poeira. Unha. Dente. Estômago. Fezes. Despertador. Palavras. Calça. Camiseta. Nudez. Chuva. Sol. Nuvem. Sexo. Adulto. Criança. Vivo. Morto. Por-aí. Ao tentar escapar dos dedos que a prendem, uma saúva com toda sua força e entendimento agarra-se no que primeiro aparece.

Prefácio da Segunda Edição de "Fragmentos Caóticos de uma Mente Esquecida"

Foi com grande prazer e supresa que acompanhei o sucesso da primeira edição de Fragmentos Caóticos de uma Mente Esquecida. O prazer é óbvio, quanto a surpresa, confesso que não esperava o sucesso. Em menos de um mês o editor me ligava falando que planejavam uma segunda edição e se eu estava disposto a revisar o texto. Respondi que sim, e revisitei minha obra. Algumas alterações se fizeram necessárias, a maior parte pequenas correções no português e a adição desse prefácio, em que pretendo comentar o processo de elaboração do livro.

Por começar, fico até surpreso de ser um livro, originalmente a idéia era ser um conto. Ela me veio em um dia na casa de um amigo, José Antônio. Na noite anterior haviamos ido numa festa, aonde pela primeira vez eu exagerei na bebida a ponto de perder a memória. Conforme me contavam o que aconteceu naquela festa, eu percebia que não lembrava de nada. E isso me fez pensar na fragilidade da percepção humana e na fragilidade da realidade. Para mim, tudo aquilo simplesmente não ocorreu. Meus amigos poderiam dizer qualquer coisa que eu havia feito que era potencialmente real, eu não poderia discordar. Por algum momento, até entrei em desespero com as piadas que faziam.

Enquanto num universo consciente tudo isso ocorria, em algum lugar da minha mente brotou uma idéia, escrever a história de um homem bebado, caído em um corredor após subir uma escada. A sua frente, seguindo o corredor, havia uma porta, que era a única possibilidade de caminho. Mas ele não se lembrava aonde estava ou como havia chego ali. Seu estado era certa naturalidade, por ainda estar bebado e não querer se mover. Simplesmente continuar caído passivo ali enquanto tenta unir suas memórias de momentos anteriores. Mas ele falha. A última coisa que lembra é estar bebendo com alguns amigos no bar e mais nada. Minha idéia inicial era tentar escrever esses fragmentos de memórias, deixando os devidos espaços em brancos, fatos omitidos, associados a uma curiosidade do que há por detrás da porta. O conto teria que ser escrito de maneira a deixar para a mente dos leitores completarem as potencialidades da história desse bebado e do local em que ele se encontrava. Quanto mais possibilidades de interpretação eu conseguisse criar, melhor seria meu conto. Mas logo desanimei. Não me achei capaz de tal empreendimento e guardei a idéia em minha cabeça.

Foi só alguns meses depois, quando li o livro Der Unendliche Sonneuntergang [O Pôr-do-Sol sem Fim, não traduzido para o português] de Albert Kaufmann, que eu compreendi como proceder. No livro de Kaufmann, Judas é o protagonista, e Deus o pune por ter traído Cristo com a vida eterna. Judas, seria, então, testemunha da humanidade, testemunha dos resultados de seu ato contra o filho de Deus. Ele começa a vagar pela Terra, assumindo diferentes nomes e identidades ao longo dos séculos. O interessante do livro é como o autor trabalha a questão da memória. Apesar de ver tudo, testemunhar tudo, Judas não compreende mais do que as pessoas de sua época e nem dá importância para eventos considerados importantes. Para ele, a Revolução Francesa foi uma época de regada de prostituas e cervejas em algum lugar da Inglaterra. "- Que me importa lembrar o que fazia Napoleão?" dizia ele para a perplexidade de um historiador contemporâneo. Mas ele sabia contar perfeitamente a história do seu amor, Margareth, uma atriz alemã que não ficou conhecida de meados do século XVIII. Ter 2 mil anos de história não o tornou uma testemunha objetiva de tudo, apenas demonstra a fragilidade da memória humana e essa necessidade social criada de estabelecer o que é importante ou não lembrar, que Judas claramente ignora.

Voltando ao meu conto, a leitura desse livro me deixou inspirado, compreendi coisas que estavam dentro de mim, só esperando uma chave para libertá-las. Retornei ao projeto do meu conto. Trabalharia a existência apenas do presente. O passado não existiria, senão como memória e o futuro senão como esperança. E decidi adicionar um elemento místico. Capotado ali, o bebado é visitado por um gato que pula do muro e se aproxima dele. Mas esse gato tem uma particularidade, ele possui três olhos. O bebado não sabe se é sua visão turva ou se é algo real do animal. Além disso, o bicho fala e se apresenta como Azrael e começa a conversar com o bebado, fazendo-o perguntas, revivendo memórias. O homem é levado a presenciar e recontar novamente eventos do seu passado. Mas esses fragmentos teriam que ser contados de maneira não linear e de maneira duvidosa. As falas de Azrael precisavam ser duvidosas o suficiente para o leitor não acreditar que ele era um portador da verdade, embora essa fosse uma das interpretações possíveis.

Conforme escrevia essa história, percebi que um conto não daria, e cada capítulo se tornou uma lembrança do bebado, contada de forma não-linear. Para brincar um pouco mais, decidi fazer com que, com exceção do primeiro capítulo, cada capítulo pudesse ser lido na seqüência que o leitor desejasse, de tal modo que, a seqüência escolhida afetasse sua interpretação da obra. Foi um desafio, e confesso que me deu grandes dores de cabeça. Entre essa decisão e o texto final, foram quase 3 anos de escrita e re-escrita. Tenho que agradecer a José Antônio que me ajudou a organizar essas idéias em conversas estimuladas com uma leve garrafa de pinga ao lado. E aos meus amigos que leram o texto e me ajudaram em vários pontos. As vezes, sinto que o fato de eu ser autor desse texto é mera circunstancialidade. Sem essas pessoas ele nunca teria sido possível.

Assembléia

Ontem foi um bom dia de sol e céu. Os pássaros cantavam e os estudantes estavam mobilizados discutindo seus direitos e suas estratégias de luta contra o capitalismo, o FMI, o catolicismo, o neo-liberalismo, a reitoria, a opressão, o stalinismo, o estruturalismo, o pós-estruturalismo e o nazi-fascismo.
Militante1: - Em regime de votação... favoráveis à proposta número um: as falas dos estudantes na assembléia devem ser entendidas como um conjunto de palavras que, implicitamente, já tem a intenção de comunicar alguma coisa..., erguei as mãos.
Os favoráveis à primeira proposta levantaram os braços
Militante1: - Em regime de votação... favoráveis à proposta número dois: para cada fala haverá uma pesquisa bibliográfica-etmológica-morfossintática do conjunto das palavras proferidas isoladamente para, em seguida, entender (ou não), se de fato a estrutura da frase permite que a fala seja interpretada como tentativa de colocacar um argumento..., erguei as mãos.
Os favoráveis à proposta número dois ergueram as mãos
...
Militante1: -A mesa entende que não ouve contraste, e por iss...
"QUESTÃO DE ORDEM", veio de um ponto incerto no meio dos 200 alunos reunidos por uma luta legitima... (e em conjunto com os trabalhadores). Levantou-se um rapaz bonito, margro, óculos, barba, camiseta do maio de 68, cachecol, calça xadrez, boina, olhos semi-cerrados e fala pausada:
- Companheiros, a mesa entende que não ouve contraste, mas a cadeira entende que a proposta número um teve maioria! É preciso ter sensibilidade para perceber o ponto de vista da cadeira!
Militante 2: - Sim! Ele tem razão! O ponto de vista da mesa predomina porque ela ocupa uma posição superior à da cadeira!
Militante3: - QUESTÃO DE ORDEM! Se a mesa entende que não há contraste e a cadeira entende que a proposta número um é a vencedora, eu percebo que a folha entende que a proposta número dois foi vitoriosa, e as folhas estão em condições mais precárias que as cadeiras!
"QUESTÃO DE ORDEM!!"

quarta-feira, 13 de julho de 2011

A arte de enfiar a cara na mesma tecla até sangrar

[Televisão ligada no programa de conhecimento popular]

A: -Caraio! Puta mulher feia da porra!

B: -Pode crer... tá foda.

A: -Mulher feia é mais feia que homem feio, né, mano?

B: -Pode crer... é foda. Se bem que... Mas..., será que isso não é machismo?

A: -Não, nada a ver. Eu não sou machista, nem você.

B: -É, mas..., será que não é um machismo inconsciente, uma coisa de tradição, daquelas que a gente acredita como se fosse uma verdade evidente, quando, na real, trata-se de uma construção ideológica?

A: -Não, nada ver. Eu não sou inconsciente, nem você.

B: -Sim, tem razão. Mas..., será que a gente não acha que a mulher tem sempre que ser bonita por uma questão do lugar social de mera reprodutora que, apesar de tudo, ainda deve estar presente em nossa visão de mundo? Porque, se for isso, é claro que ver uma mulher feia é sempre mais decepcionante, à medida em que frustra nossa espectativa masculina quanto à posição da mulher essencialmente como objeto sexual. Quanto ao homem, ele é primeiramente um bom profissional, um ser racional, um ser moral; beleza física fica em segundo plano. Será? Será que é isso, hein?

A: -Nah! Nada ver, ninguém pega homem feio não

B: -Na verdade, tem um problema que antecede. Será que mulher feia é um juízo absoluto? Será que não é uma construção? Uma construção racial e de classe que existe como critério oculto da formação dos padrões de beleza feminina... será?

A: -Não, ce acha?! Eu não sou racista. Nem você.

B: -Pode crer.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Poesia Mal-Escrita Sobre os Acontecimentos Internos dos Últimos Dias

Queria escrever poesias
Mas poesias não há
Nunca haverá enquanto na distância
Você estiver
O coração frágil suspira
Pela realidade latente
Inexistente
Percepção impossível
Ilusão,
Se vejo não é o que vejo?
O que dizer desse desejo
Que me alegra
Mas me frustra sem luz
Solidão
Queria perguntar a você, doce Tempo
O que fazer desse momento?
Anseio
E Memória, o que fazer daquele instante?
Felicidade
Morte! Por que esse preço?
Não! Não quero!
Sem eles não posso viver!
Mas com eles sofro
Agonia!
Minguo no Limbo
Sem decisão
Inferno ou Paraíso?

sábado, 2 de julho de 2011

[sem nome]

Hoje me encarando em frente ao prédio comercial espelhado percebi como minha cabeça é pequena comparada ao meu corpo. É desproporcional.
Diante de tal constatação, desiludido, caminhei.
Mas, como todos sabem, nessas horas é que nos vem as grandes ideias.
Em minha hora e vez, pensei: "poderia fazer uma cirurgia de implante de silicone na cabeça, e assim, ficar mais bonito e proporcional e alternativo e descolado e proporcional e bonito."
E como as ideias são como uvas, que vem sempre em cachos - cachos de boas ideias -, e como nesse mundão de hoje um cacho de ideias só é bom quando se torna empreendimento, completei: "Pois bem: poderia levar um pedido de financiamento de uma clínica de cirurgia estética de implante de silicone na cabeça até o santander."
É isso.

E aí santander? vamos fazer juntos?