quinta-feira, 28 de julho de 2011

Prefácio da Segunda Edição de "Fragmentos Caóticos de uma Mente Esquecida"

Foi com grande prazer e supresa que acompanhei o sucesso da primeira edição de Fragmentos Caóticos de uma Mente Esquecida. O prazer é óbvio, quanto a surpresa, confesso que não esperava o sucesso. Em menos de um mês o editor me ligava falando que planejavam uma segunda edição e se eu estava disposto a revisar o texto. Respondi que sim, e revisitei minha obra. Algumas alterações se fizeram necessárias, a maior parte pequenas correções no português e a adição desse prefácio, em que pretendo comentar o processo de elaboração do livro.

Por começar, fico até surpreso de ser um livro, originalmente a idéia era ser um conto. Ela me veio em um dia na casa de um amigo, José Antônio. Na noite anterior haviamos ido numa festa, aonde pela primeira vez eu exagerei na bebida a ponto de perder a memória. Conforme me contavam o que aconteceu naquela festa, eu percebia que não lembrava de nada. E isso me fez pensar na fragilidade da percepção humana e na fragilidade da realidade. Para mim, tudo aquilo simplesmente não ocorreu. Meus amigos poderiam dizer qualquer coisa que eu havia feito que era potencialmente real, eu não poderia discordar. Por algum momento, até entrei em desespero com as piadas que faziam.

Enquanto num universo consciente tudo isso ocorria, em algum lugar da minha mente brotou uma idéia, escrever a história de um homem bebado, caído em um corredor após subir uma escada. A sua frente, seguindo o corredor, havia uma porta, que era a única possibilidade de caminho. Mas ele não se lembrava aonde estava ou como havia chego ali. Seu estado era certa naturalidade, por ainda estar bebado e não querer se mover. Simplesmente continuar caído passivo ali enquanto tenta unir suas memórias de momentos anteriores. Mas ele falha. A última coisa que lembra é estar bebendo com alguns amigos no bar e mais nada. Minha idéia inicial era tentar escrever esses fragmentos de memórias, deixando os devidos espaços em brancos, fatos omitidos, associados a uma curiosidade do que há por detrás da porta. O conto teria que ser escrito de maneira a deixar para a mente dos leitores completarem as potencialidades da história desse bebado e do local em que ele se encontrava. Quanto mais possibilidades de interpretação eu conseguisse criar, melhor seria meu conto. Mas logo desanimei. Não me achei capaz de tal empreendimento e guardei a idéia em minha cabeça.

Foi só alguns meses depois, quando li o livro Der Unendliche Sonneuntergang [O Pôr-do-Sol sem Fim, não traduzido para o português] de Albert Kaufmann, que eu compreendi como proceder. No livro de Kaufmann, Judas é o protagonista, e Deus o pune por ter traído Cristo com a vida eterna. Judas, seria, então, testemunha da humanidade, testemunha dos resultados de seu ato contra o filho de Deus. Ele começa a vagar pela Terra, assumindo diferentes nomes e identidades ao longo dos séculos. O interessante do livro é como o autor trabalha a questão da memória. Apesar de ver tudo, testemunhar tudo, Judas não compreende mais do que as pessoas de sua época e nem dá importância para eventos considerados importantes. Para ele, a Revolução Francesa foi uma época de regada de prostituas e cervejas em algum lugar da Inglaterra. "- Que me importa lembrar o que fazia Napoleão?" dizia ele para a perplexidade de um historiador contemporâneo. Mas ele sabia contar perfeitamente a história do seu amor, Margareth, uma atriz alemã que não ficou conhecida de meados do século XVIII. Ter 2 mil anos de história não o tornou uma testemunha objetiva de tudo, apenas demonstra a fragilidade da memória humana e essa necessidade social criada de estabelecer o que é importante ou não lembrar, que Judas claramente ignora.

Voltando ao meu conto, a leitura desse livro me deixou inspirado, compreendi coisas que estavam dentro de mim, só esperando uma chave para libertá-las. Retornei ao projeto do meu conto. Trabalharia a existência apenas do presente. O passado não existiria, senão como memória e o futuro senão como esperança. E decidi adicionar um elemento místico. Capotado ali, o bebado é visitado por um gato que pula do muro e se aproxima dele. Mas esse gato tem uma particularidade, ele possui três olhos. O bebado não sabe se é sua visão turva ou se é algo real do animal. Além disso, o bicho fala e se apresenta como Azrael e começa a conversar com o bebado, fazendo-o perguntas, revivendo memórias. O homem é levado a presenciar e recontar novamente eventos do seu passado. Mas esses fragmentos teriam que ser contados de maneira não linear e de maneira duvidosa. As falas de Azrael precisavam ser duvidosas o suficiente para o leitor não acreditar que ele era um portador da verdade, embora essa fosse uma das interpretações possíveis.

Conforme escrevia essa história, percebi que um conto não daria, e cada capítulo se tornou uma lembrança do bebado, contada de forma não-linear. Para brincar um pouco mais, decidi fazer com que, com exceção do primeiro capítulo, cada capítulo pudesse ser lido na seqüência que o leitor desejasse, de tal modo que, a seqüência escolhida afetasse sua interpretação da obra. Foi um desafio, e confesso que me deu grandes dores de cabeça. Entre essa decisão e o texto final, foram quase 3 anos de escrita e re-escrita. Tenho que agradecer a José Antônio que me ajudou a organizar essas idéias em conversas estimuladas com uma leve garrafa de pinga ao lado. E aos meus amigos que leram o texto e me ajudaram em vários pontos. As vezes, sinto que o fato de eu ser autor desse texto é mera circunstancialidade. Sem essas pessoas ele nunca teria sido possível.

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