domingo, 31 de outubro de 2010

Revolução - Tudo ou Nada

Era uma vez, em um último domingo do mês... Seu Zé e Dona Maria acordaram logo cedo e foram exercer seu dever cívico de votar. Chegaram no colégio eleitoral às 7 da manhã para trocar figurinhas com os cumpadres, conversar sobre a vida dos outros, falar do clima,... Estavam lá esperando o portão abrir, sem saber do caos que acontecia dentro do colégio.

Lá dentro, a juíza já se desesperava: nenhum dos mesários apareceu para trabalhar! Nenhum, e já eram 7h, pelo menos o presidente de cada seção deveria estar ali. As 7h30m ela já ligava para o cartório eleitoral. Várias vezes, até ser atendida. Quando finalmente o foi, descobriu que o problema não era só dela: todas as seções eleitorais da cidade estavam com o mesmo problema! Os mesários não haviam comparecido até o momento. E logo ela descobriria, isso não era um problema municipal, nem regional, nem estadual. Era nacional.

Todos os mesários do país ao acordar despertaram a consciência de classe e resolveram que era hora de se rebelar contra o trabalho escravo obrigatório nas eleições. Mesmo os que se inscreveram para trabalhar como voluntários ganharam essa consciência que precisavam auxiliar seu companheiros em mais essa luta. E assim, todos os mesários tomaram a atitude mais progressiva e destruídora aos vestígios ditatoriais. Retornaram a cama quentinha para mais algumas horas de sono. Dormiam como no Sono de Endymion, acariciados pela benção da lua enquanto esperavam o período de turbulência passar.

Era hora de tomar alguma medida. Assim, as forças policiais foram mobilizadas. Eles deviam buscar os faltosos e trazê-los a força para o trabalho. Em ação paralela, a juíza deveria convocar compulsoriamente alguns eleitores na fila para compor as seções. Entretanto, algo misteriosamente gratificante para a revolução que tomava conta do país acontecia. Ao serem convocados a trabalhar, e ganharem todos os deveres de um mesário, Seu Zé e Dona Maria se transformavam em Companheiro José e Companheira Maria. A consciência de classe os adentrava e os transformava, e eles também tomavam a atitude revolucionária de retornar as suas casas e tomar a atitude mais revolucionária possível, dormir mais algumas horas. Não havia mais fila, na tentativa de arranjar mesários, todos se tornaram revolucionários. E a polícia também falhou. Como dormiam, ninguém atendeu as portas das casas.

E, logo, num estado de emergência, uma decisão precisava ser tomada. O que fariam? Cancelariam as eleições, puniriam severamente todos os mesários oficiais faltosos e convocariam novas? O país entrava em crise. E os militares acreditaram que era hora de uma nova ditadura. Pois era isso que o povo queria! Intepretavam erroneamente que essa rebelião contra o trabalho era um protesto revolucionário a democracia, e alguns setores começaram a organizar um golpe. Enquanto isso, várias pessoas que acordaram cedo para ir votar e trocar figurinhas, atentos a situação inexplicável da impossibilidade de fazer as seções funcionarem, foram para o espaço de discussão por excelência, o bar. E celebraram a liberdade de pensamento bebendo.

Enquanto isso no Infinito, que na realidade não é o infinito, pois o infinito é só uma palavra e por isso incapaz de explicar em toda sua plenitude esse espaço transcendental aonde se encontram forças além da capacidade de compreensão humana, Ilusão observa o caos no paizinho e sorri. O caos sempre é belo. E é o seu território de domínio, o território da Ilusão! Pois em que outro lugar, além do caos, é possível para as pessoas se embriagarem com sonhos e esperanças de acontecimentos que poderão ou não sair dali? Observar os homens almejando por algo, sem saber se isso se realizará ou não, iludidos pelo seu ideal. É a ilusão que torna um ser humano vivo.
- Os eventos fluem - disse Tempo, se aproximando de Ilusão.
- É uma pena. Ver o fim de espetáculo tão belo quanto este.
- Não há outro jeito. Os eventos irão fluir de acordo com o momento. E o momento pede o fim.
- E Morte?
- Já foi. Há muito trabalho pela frente e ela não quer se atrasar.
E assim os dois partiram.

A revolução continuava, e em todas as camas se via a luta. Os mesários estavam na fronte do combate deitados em sua cama dormindo no quentinho. Aqueles que haviam sido convocados na fila do colégio eleitoral vinham logo atrás, alguns estavam tão ansiosos pelo confronto que deitaram na calçada. O grupo de inteligência e simpatizantes se reuniam nos bares para discutir a situação. Muitos eleitores se juntavam a essa luta. E, se não fosse pelo tom acalentado pela discussão e pela violência da atitude dorminhoca, capaz que dissessem que o país estava metade em festa, metade preguiçosa.

Mas uma minoria se movia. Setores do exército entravam em tanques e marchavam para tomar o poder, enquanto políticos discutiam o que fazer quando a possibilidade de votação é zero. E exisitam alguns que rezavam, achando que tal situação era o anúncio da chegada do anticristo. Lógico que eles não poderiam saber, mas em parte estavam certos, não pela vinda do anticristo, já que ele não existe, mas pelo fim do mundo. E, sem que percebessem, marimbondos gigantes sobrevoavam os céus.

Eram enormes, e tinham rédeas, como cavalos alados, ou melhor, seriam como as rédeas de cavalos alados se eles existissem. Cada marimbondo possuía um ser com formas humanas o guiando. E eles observavam a humanidade lá do alto, sem serem vistos. Tamanha era a concentração no embate revolucionário de todas as frentes. Mas logo seu zumbido se tornou insuportável, e todos olharam. E pela primeira vez houve o silêncio e a ordem e a paz.

Ilusão que ia a frente, num dos marimbondos mais imponentes do grupo, mostrou leves sinais de irritação. Talvez não houvesse coisa que ele odiasse mais que a surpresa e o medo. Dois estados de espiríto que trazem a ordem na mente da pessoas. E a ordem, ah, a ordem é a inexistência de qualquer expectativa, esperança, sonho ou desilução. Nela tudo está pronto e garantido.

O primeiro marimbondo era guiado pela Morte, com suas melhores vestes. Tinha que se vestir bem, afinal o Apocalipse só acontece uma vez. E eram verdes, não que gostasse tanto da cor, preferia preto, mas resolveu manter a tradição. Ela ergueu o braço e todos entraram em formação. E quando abaixou foi o início. E junto com a investida de marimbondos uma chuva de bolas de fogo atingiu a terra.

E, assim, acabou a Revolução e o mundo.

sábado, 30 de outubro de 2010

"Você não se encaixa nos nossos padrões empresariais, acredito que em sua área você será muito bem sucedido."

Com essas palavras, foi dispensado. Entendeu o porquê de falaram para ele aquilo para lhe dizer que não atendia o perfil esperado. Com uma linguagem dessas, é possível imaginar que se tratava de alguma super empresa capitalista, monopolista, imperialista globalizada. Mas não, se tratava apenas de uma pequena rede de escolas de inglês que se acredita detentora de um inovador método de “aprenda inglês em um ano” para que o “aluno”, ou consumidor, ou algo assim, conseguir atender aos apelos do Mercado (claro que sempre com letra maiúscula, pois é a entidade suprema que governa nossas vidas, devemos nos referir assim a Ele). Até tinha cortado o cabelo, feito a barba e vestido em roupas que não condiziam com o que era, já que ao alterar sua estética não sentia causando danos à sua ‘ética’.

Obviamente que ao sair do local, sentia uma grande satisfação consigo mesmo, claro que tinha tomado aquelas palavras como um elogio, ainda não tinha “se vendido ao sistema”. Ainda mantinha intacta sua ética, tudo aquilo que achava que acreditava ainda podia ser mantido na sua prática, não apenas em tudo o que lia e sentia. Mas ainda assim sentiu-se incomodado. O problema é que não sabia até quando poderia manter essa postura, algum dia a fome – traduzida para: qualquer problema com aqueles que pagam sua comida e mantém sua vida pequeno-burguesa - poderia chamá-lo a sorrir ao ouvir de um gerente comercial que a máquina não substitui o trabalhador, que você deve correr atrás, aderir a todas as tecnologias e ao Mercado para subir na vida. Teria em algum momento que responder o que querem ouvir. Reproduziria um dia todos os discursos necessários para enquadrar-se no perfil, quem sabe até começaria a acreditar neles. Como o exemplo daquele que aderiu ao discurso dos vencedores.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Tradução: "Words of advice for young people", William S. Burroughs

Conselhos para os jovens

Geralmente perguntam-me se tenho conselhos para os jovens.
Bem, aqui estão algumas simples admoestações para jovens e velhos.

Nunca interfira em uma briga entre homem e mulher.

Cuidado com prostitutas que dizem não querer dinheiro. Não querem uma ova. Na verdade, o que desejam é ainda mais dinheiro. Muito mais.

Se você está negociando com um filho da puta religioso, faça-o por escrito. A palavra dele não vale merda alguma, principalmente porque o bom Senhor está aconselhando-o em como foder com você no negócio.

Evite os pulhas. Vocês todos conhecem esse tipo. Qualquer coisa em que estejam envolvidos, não importa quão boa aparente ser, transforma-se em um desastre.

Não simpatize com os doentes mentais. Diga com firmeza, ‘Não sou pago para ouvir essa baboseira. Você é um tolo em estado terminal.’

Alguns de vocês podem encontrar o diabo e barganhar com ele, caso vivam o suficiente. Qualquer velha alma merece ser salva, ao menos para um padre, mas nem toda alma merece ser comprada. Então vocês podem reconhecer a oferta como um elogio. As primeiras ofertas são geralmente as mais óbvias, sabe, dinheiro, todo dinheiro quanto seja possível. Mas quem quer ser o cara mais rico enterrado em qualquer cemitério? Não haverá muito o que gastar, não é mesmo, velhinho? Fica-se velho demais para ter sucesso em qualquer coisa. Esqueceu de algo, velhinho? Para sentir algo, necessita-se estar presente. Você precisa ter 18 anos. Mas não tem 18, você está com 78. Velho tolo vendeu a alma por um strap-on.

Que tal uma barganha honesta? ‘Você sempre desejou ser médico. Esta é a sua chance. Ora, poderia tornar-se um grande doutor e ajudar a humanidade. O que há de errado com isso?’ Praticamente tudo. Não há barganhas honestas envolvendo trocas de mercadorias qualitativas como almas, apenas pode haver algo semelhante com mercadorias quantitativas como tempo e dinheiro. Então, caia fora, Satã, e não me considere mais burro do que minha aparência sugere. Como um velho catador de entulho certa vez disse-me, ‘Esteja atento às pessoas das quais você recebe dinheiro.’”



terça-feira, 26 de outubro de 2010

Conto - Caindo - Continuação de um Post ae

Morte estava sentada em algum lugar, próximo da eternidade e do infinito, mas como ambos são idéias humanas, e portanto limitadas, não servem realmente para explicar o local, nem a temporalidade. Ela contemplava os últimos minutos de vida do homem.

Ele andava com as mãos no bolso, contemplando o céu escuro e pela primeira vez com a mente em silêncio. Estava cansado. Cansado de sua existência. Para ele o único sentido da vida era a morte. Somente na morte ele descobriria a verdade das coisas.

Ilusão se sentou ao lado da Morte e disse:
- Engraçado, não? A fragilidade da existência, esse crença em algo que não pode existir senão na mente humana.
Morte olhou para Ilusão, mas não disse nada. Apenas voltou a observar o homem, em seu caminhar inevitável.
- Logo ele perceberá - disse Ilusão -, mas será tarde demais.

O homem continuava a andar. A rotina que o prendia e o irritava. Tinha se livrado dela por está noite. Tinha escapado, pulado fora da nuvem que o levava ao fim do mundo. Em situações normais, o que é normal? Estaria agora dormindo, com sua mulher ao lado, para acordar e ir no trabalho pela manhã. Ele saiu, mesmo que por um dia do caminho de auto-destruição. E o que o mais assustava nisso tudo, é que ele podia ver o futuro, como um vidente. Podia ver sua decadência.

Memória se sentou ao lado da Ilusão e da Morte para apreciar o espetáculo e disse:
- Ele parece se lembrar, de quando desistiu.
- Já o achei mais interessante, quando tinha tantos sonhos - respondeu Ilusão - mas perdeu seu brilho aos poucos. É engraçado observar como ele pensa que voa, quando na verdade está caindo.
- O passado se tornou real demais para ele - disse Memória.
- Shh - sibilou Morte.
E os três voltaram a observar o último ato em silêncio.

O homem deu seu último passo. Um disparo pelas costas e ele começou a cair. Três jovens deram um sorriso. A vingança estava realizada.
Enquanto seu sangue se esvaía, o homem pensava no cachorro morto na sarjeta. O momento havia chegado para ele também. Bastava fechar os olhos e aceitá-la, aceitar o momento final. O sentido de toda a sua vida. Sorriu. Somente agora podia ver claro como o dia, a resposta que sempre esteve dentro dele. A resposta que se recusou a olhar, com medo de enfrentar seu destino.

E o céu continuava escuro.

segunda

Em uma calçada, o menino saltita, muito alegre e sorridente, a sorrir para a mãe que segura sua mão enquanto caminha com ele, com a aparente e passageira felicidade materna. Não, não, não: saltita uma ova! Ele dança... na outra calçada, Casas Bahia, som alto, Justin Bieber. O disfarce das evanescentes alegrias parece-me cada vez mais babaca, ando meio ranzinza, penso enquanto atravesso a rua, abro a mochila, retiro um saco plástico, chumbadas para pesca, ótimo, engulo metade e atiro o restante contra os televisores expostos, balbúrdia, balbúrdia, mas, antes do gerente alcançar a rua com sua cimitarra no intuito sincero de picotar-me, o fogo toma conta da loja, combustão espontânea, geladeiras, celulares, máquinas de lavar roupa, fogões, microondas, secadores de cabelo, funcionários e pedestres próximos, eu incluso, em chamas. Termino de atravessar a rua, a mãe e o menino rumam pelo calçadão até a praça dom epaminondas ou para a rua bispo rodovalho, pessoas comem pastel, decido comprar uma garrafa d'água.
Ao retornar, não há criança-alegre-saltitante, nem ouço a voz de Justin Bieber. Após algumas buzinas, percebo que o som ambiente mudou para Ke$ha. Ainda faltam setenta e cinco minutos para o horário de saída do meu ônibus. Sobra diversão. Cogito saltitar, mas trocam a música, perco a vontade. Continuo andando à toa, tudo em movimento, nada acontece.

domingo, 24 de outubro de 2010

Exercício de paciência: postergar o suicídio para deixar-se ser morto dia após dia, com lentidão, trabalho, sem esquecimento da constância. Evitar a posteridade.
Passou o primeiro. Passou o segundo. Passou o terceiro. Enquanto o quarto aproximava-se, pensou em deus, na virgem maria, na desilusão da trindade, no desuso da dialética. Lentamente, decidiu-se. O céu: azul, sem nuvens. O sol: pouco passava de meio-dia, córregos de suor pelo corpo. Com a oscilação de ímpeto que convém aos momentos rigorosamente planejados, tomou fôlego e preencheu a situação cotidiana vulgar com a sua presença: saltou, encarou o peso do ônibus : primeiro com a testa trincou o vidro, depois com o tórax causou um estrondo, último e mais contundente som de sua existência, finalmente, as pernas largaram o chão, deixando o corpo voar por alguns metros antes de comungar com o asfalto.
Uma fotografia: o motorista, entediado, esbugalha os olhos enquanto freia, sem sucesso; os passageiros saem do conforto de seus lugares, possivelmente para ganhar alguns hematomas e concussões; os pedestres, pasmos, não sabem como reagir; o corpo, estatelado, tinge o asfalto quente e escuro com um vermelho espesso.

sábado, 23 de outubro de 2010

Cesar Debord-Nunes


"Partindo de um viés teórico-metodológico bem definido, concluo que as contradições da sociedade capitalista espetacular são fulcrais, estigmas excrescentes".

"Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação".

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Queda lenta na sargeta

Sorenito andava pela rua e tropeçou bonito.
1,2,3,4,5,1,2,3,4,5
Foi caindo de leve e bateu a cabeça com força na sargeta. Seu cérebro mais ou menos deslocou-se grandemente por dentro da cabeça craniâna.
...
...
...
...
...
Seguiu andando, embora tivesse uma sensação injustificável de que não deveria sair com tanta pressa embora sentisse sua saúde funcionando muitíssimo bem. A saúde vai bem apesar do deslocamento cerebral apenas intra-craniano. Quanto ao calor daquela tarde de sexta, já não é totalmente possível dizer o mesmo.

Sorenito olhou seu rosto no espelho - o espelho estava clichemente alternativamente dependurado no tronco duma árvore velha. Sorenito não reconheceu seu próprio rosto e fingiu assustar-se, embora ninguém estivesse olhando. Sorenito atuou sem platéia porque levou traumatismo à toa.
1,2,3,3,4,1,2,3,4
...
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Sorenito agiu como Tom Cruise em Vanilla Sky.
Voltando ao assunto, esqueceu-se de si, fingiu que lembrou bem e saiu andando. O sangue molhou de bom gosto e imagens ruins o pequeno ass-falto.

Querido Diário

Hoje estou feliz. Dei minha primeira aula. Em fato, dei minha primeira e segunda aula. O tema era feudalismo. Eu estava nervoso. Comecei a falar de maneira bizarra, pausada e repetida. De repente começou um fluxo de pensamento. Me recuperei. Dei uma aula agradável a partir disso. Talvez. Não vi minha aula. Eu fui minha aula. Isso me faz ter incapacidade de julgá-la. O professor disse que foi bem.

Ah! Mas que maravilha! Pensei em tantas coisas em quanto preparava essa aula mas não consegui sizê-la, em como a Feudalidade é uma farsa, em como meu discurso tinha várias incoerências, em quanto tudo que eu falava era diferente de tudo que eu li. Mas não liguei. Deixei ser. Próxima vez, se houver, tentarei dar uma aula mais decente. Mas é complicado, resumir 3-4 séculos de história em 45 minutos.

Objetivo completo. Sou um homem melhor a partir de agora.


segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Desenho: Brutalidade e Kamelot



"Fale meu amigo
Você parece surpreso
Pensei que sabia
Que eu viria disfarçado
Em asas divinas... Em branco
Eu posso fazer
Seus desejos se tornarem reais
Mas que dupla...
Eu e você
Na jornada através da noite"

sexta

Acordei numa rede, levantei e rumei para dormir em uma cama. Pelo caminho, percebi várias coisas: a ponta do meu dedão do pé com sua unha incomodando-me, as veias de minha mão, os primeiros ônibus que já circulavam, a fome avisando que a qualquer momento eu seria tentado a tombar em qualquer canto, confortável ou não; esta conjunção de observações e circunstâncias fez-me concluir algo muito importante sobre minha existência em particular e de todos os canalhas em geral, só que, com desgosto e alívio, esqueci-me, tão logo sorri satisfeito, qual ideia genial foi esta em minha reflexão matinal.
Posto de gasolina: loja de conveniência: algum dinheiro amassado: comida. Em casa, no quarto, tirar as roupas, jogá-las numa cadeira, desabar na cama e, muito possivelmente, roncar até o teto rachar.
Subitamente, acordar, puta merda, sede. Água. Mais água, acabou a sede e acabou o sono. Ficar na cama apreciando os segundos que agora parecem demorar mais do que em outros momentos. Banho. Sair para rua e perceber que nela tudo está como esteve, ad nauseam, desde que conheço o lugar: a árvore no mesmo lugar, a calçada no mesmo lugar, o jardim no mesmo lugar, os gatos no mesmo lugar; a destoar, apenas eu com minha cara de bosta e um sorriso de canto de boca, levemente imbecil, ou, talvez, apenas abobado. Percebo um pássaro voando e, por reflexo despretensioso, estendo meu braço direito com a mão espalmada, o pássaro tromba com ela e, assustado, muda seu rumo, imaginei-me, embasbacado com a situação, fechando a mão, nunca mais abrindo-a e adotando o pássaro como meu oráculo para dias vulgares. Decidi não almoçar.
Ah, que bela tarde! Sala de aula, organismo reagindo de maneiras escusas, pessoa ou outra constatando minha cara de lesado. E o dia passou, muitas coisas ficaram não ditas, outras foram ditas sem propósito. No fim das contas o silêncio triunfou, este velho tagarela, repugnante e louvável, em uma noite chuvosa.

sábado, 16 de outubro de 2010

um ano de blog. um ano de mta coisa.




O bêbedo se colocou na minha frente. Melhor usar algumas linhas mais. Resenha? Uma coisa bem estruturada e com pretensões de crítica abalizada? Os pés perdidos em passos. Será que chove? Quem tem frio quer amor. Keep your fuckin' hands off my gals, mother fucka! Nunca ser mesquinho com as riscaduras. Engendras l’Esperánce. Mindinho era um bom moleque. Nunca li Gramsci. Auto-destruição coletiva. você sabe, sabrina, acabo onde meu corpo pode. Carolinha pau no cu! Contra a obsessão da morte, os subterfúgios da esperança revelam-se tão ineficazes como os argumentos da razão. numa situação limite de alteridade, uma palavra emitida só é perfeitamente compreensível para o receptor se ele e o interlocutor forem a mesma pessoa. Primeiro enfermeiro. Quero o divórcio. Sou tão conservador, que quando estou na cama e me rolo mais pra esquerda que pra direita durante o sono, já é revolução. A euforia e a discórdia tomaram conta do camarote. Faz tempo que não executo um exercício sincero de escrita. a verborragia é crime. Muitos foram os que torturei. Bah, nem sei o que eu to falando aqui. Neste colégio de merda/aprendi coisa pra chuchu/estudei muita matemática/comi o primeiro cu. Se interessou pela banda, iria pedir aos amigos alguns CDs emprestados, queria ouvir mais. Glossolalia de merda. pega uma vaca, filhodaputa. Ela estava viva, eu não. eu realmente não sei o que fazer. E seu nome era Discurso. Talvez eu realmente já tenha escrito alguma coisa interessante, mas se isso aconteceu eu já apaguei. Estava dado, restou existir. tal prática é então considerada desumana mesmo que se prove a ausência de dor em tal estado de consciência. O eterno demônio da humanidade. Não estou indo para lugar algum aqui. Até que o primeiro deles, primeiro em mau caratismo, bicou o pescoço do segundo, que também não era lá nenhum bom cristão, abrindo um buraco enorme. A Memória só existe quando observada. Chumbinho. a fat little insect. a garota o amava e ele sabia disso. Logo teriam gêmeos. NxZero e Jean Jacques Rousseau. Se esse escrito ficasse para posteridade precisaria de uma nota de rodapé, pra entender a piada. Ainda assim, nossa concepção de esquerdismo continuará muito menos precisa do que gostaríamos, mas, aparentemente, não há solução para isso. Meu pai levantou e decidiu que tinhamos que nos purificar. Um conto alheio. ela me disse que criasse um blog e fosse viver a deus dará. A mediunidade moderna já permite baixar Jesus. Fim. Não ia a lugar nenhum.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

considerações sobre o infinito material

na última feira universal de Chicago (1979), um artista uzbeque trabalhou sobre espirais para representar o infinito. usando tapetes circulares que não fechavam em seus próprios planos, ou seja, cada plano-tapete derivava de um primeiro e dava origem a um terceiro, tarkish isvendgaar numerou um a um os pontos que compunham os tapetes bordados dessa espiral que tinha vários quilometros de extensão. ocultando a origem e o fim de sua espiral, os números que delimitavam sua série de pontos eram o 177 e o 165.353.568.324.466.234.445.687.844.234. o infinito abstrato, a série de números, ficou perfeitamente representado. no entanto, a ideia de infinito material sofreu forte baque. ao desenterrar as pontas da incrível espiral de tapetes, descobrimos que antes da origem exposta haviam 176 pontos. no entanto, na outra ponta haviam apenas mais dois tapetes sob o solo lamacento, contabilizando apenas 1.208 pontos. no momento não sabemos o que fazer. alguns continuam tecendo os tapetes, enquanto outros percorrem o mundo em busca de mais matéria-prima para a espiral. outros, revoltados, iniciaram um movimento milenarista. outros acreditam que o que não existe não pode ser representado. eu realmente não sei o que fazer.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

baudelaire por galás .2

Les litanies de Satan
[As litanias de Satã]

O toi, le plus savant et le plus beau des Anges,
Dieu trahi par le sort et privé de louanges,
[Ó tu, o anjo mais belo e sabio entre seus pares,
Deus que a sorte traiu e expulsou dos altares,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

O Prince de l’exil, à qui l’on a fait tort,
Et qui, vaincu, toujours te redresses plus fort,
[Ó Príncipe do exílio, a quem fizeram mal
E que, vencido, sempre te ergues mais trinufal,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miseria!]

Toi qui sais tout, grand roi des choses souterraines,
Guérisseur familier des angoisses humaines,
[Tu que vês tudo, ó rei das trevas soberanas,
Charlatão familiar das angústias humanas,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

Toi qui, même aux lépreux, aux parias maudits,
Enseignes par l’amour le goût du Paradis,
[Tu que, mesmo ao leproso e ao pária, se preciso,
Ensinas por amor o amor do Paraíso,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

O toi que de la Mort, ta vieille et forte amante,
Engendras l’Esperánce, -- une folle charmante!
[Tu que da Morte, tua antiga e fiel amante,
Engendraste a Esperança – a louca fascinante!]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, é Satã, de minha atroz miséria!]

Toi qui dais au proscrit ce regard clame et Aut.
Qui damne tout un peuple autour d’un échafaud,
[Tu que dás ao proscrito esse alto e calmo olhar
Que leva o povo ao pé da forca a desvairar,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

Toi qui sais en quels coins des terres envieuses
Le Dieu jaloux cacha les pierres précieuses,
[Tu que bem saber em que terras invejosas
O Deus ciumento esconde as pedras mais preciosas,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satão, de minha atroz miséria!]

Toi dont l’oeil clair connâit les profonds arsenaux
Où dort enseveli le people des métaux,
[Tu cujo olhar desvela os fundos arsenais
Onde sepulto dorme o povo dos metais,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

Toi dont la large main cache les precipices
Au somnambule errant au bord des édifices,
[Tu cuja larga mão oculta os precipícios
Ao sonâmbulo a errar no alto dos edifícios,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

Toi qui, magiquement, assouplis les vieux os
De l’ivrogne attardé foulé par les chevaux,
[Tu que, magicamente, amacias os ossos
Do ébrio tardio que um tropel fez em destroços,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

Toi qui, pour consoler l’homme frêle qui souffre,
Nous appris à mêler la salpêtre et le soufre,
[Tu que, para o consolo eterno de quem sofre,
Nos ensinaste a unir o salitre ao enxofre,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

Toi qui poses ta marque, ô complice subtil,
Sur le front du Crésus impitoyable et vil,
[Tu que pões tua marca, ó cúmplice sutil,
Sobre a fronte do Creso implacável e vil,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

Toi qui mets dans les yeux et dans le couer des filles
Le culte de la plaie et l’amour des guenilles,
[Tu que infundes no loar e na alma das donzelas
O amor aos trapos e a paixão pelas mazelas,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miseria!]

Bâton des exilés, lampe des inventeurs,
Confesseur des pendus et des conspirateurs,
[Bastão do desterrado, archote do inventor,
Confessor do enforcado e do conspirador,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miseria!]

Père adoptif de ceux qu’en as noire colère
Du paradis terrestre a chassés Dieu le Père,
[Pai adotivo dos que, em cólera sombria,
O Deus Padre baniu do Éden terrestre um dia,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

PRIÉRE
[ORAÇÃO]

Gloire et louange à toi, Satan, dans les hauteurs
Du Ciel, où tu régnas, et dans les profundeurs
De l’Enfer, où, vaincu, tu rêves em silence!
Fais que mon âme um jour, sous l’Arbre de Science,
Près de toi se repose, à l’heure où sur ton front,
Comme un Temple nouveau ses rameaux s’épandront!
[Glória e louvor a ti, Satã, lá nas alturas
Do Céu, onde reinaste, e nas furnas escuras
Do Inferno, onde, vencido, sonhas silenciosos!
Sob a Árvore da Ciência, um dia, que o repouso
Minha alma encontre em ti, quando na tua testa
Seus ramos expandir qual novo Templo em festa!]

Tradução para o português realizada por Ivan Junqueira.

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1.


2.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

ah, se eu fosse um fascista

"nestes tempos de eleição, a repartição fica com serviço até os nódulos que incham e instumescem no pescoço já bastante vermelho por causa da gravata verde, vermelha, listrada, texturizada, que aperta demais neste período do ano eleitoral. desculpe. a contratação de pessoal temporário é necessária. além de mais fiscais, precisamos de executores, juízes, carrascos e outras diversas pessoas para preencherem as vagas extras que surgem a cada dois anos por volta de um atarefado outubro que lembra a euforia das compras de natal possibilitadas pelos temporários que o setor privado tem tanta facilidade em receber, ao contrário do que acontece no serviço público. perdão. não acontecerá novamente. com nosso legislativo tendo tornado-se atração de horário nobre da tv aberta e fechada, pública e privada, gratuita e paga, nosso trabalho fica ainda mais difícil e já somos mal vistos e perseguidos com os olhares onde quer que nossos uniformes despontem. perdão, senhor, acabo em duas frases. cada vez menos pessoas percebem a importância de coibir a verborragia. a verborragia é crime."

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Brincadeira de Criança - Cuidado com o que deseja

Brincadeira de Criança - Tigre x Gazela


Duas notas:
1-) Gazelle Punch - é o nome dado a um tipo de Gancho no anime Hajime no Ippo =P
2-) O original está em inglês, por isso no quadro 10 o personagem fala "No!!" Eu resolvi manter, porque para traduzir teria que estragar a arte eheh =P
Irremediável, nada a fazer, tudo já feito. Estava dado, restou existir. Vida entre limitações, apenas alguns limiares, compensaria o risco? Abri os olhos, lembrei-me, é domingo, dormi mais pouco.

sábado, 9 de outubro de 2010

Um olho, dois olhos, encaram o chão. Horizonte escuro, estrelas não visíveis, postes de iluminação: logo amanhecerá. Dois gatos na árvore miam, sento e observo, converso com um deles, muito amigável com seus longos bigodes diz que as alternativas são poucas, sem explicar para que as alternativas serviriam, enquanto o outro, taciturno, pula da árvore para o muro e do muro para longe de minha visão, a escassez é perpétua, continua o felino que sobrou, pois é atributo da mortalidade, e, ao piscar o olho esquerdo faz com que a árvore em que estava incendeie-se por completo, chamas azuis, percebo que algo está fora do lugar e decido não pensar mais sobre isso, cinzas confluem até mim e permaneço, paralisado, uma estátua contente em uma manhã vazia e feliz.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

"Pelas próximas 10 semanas, visando o desenvolvimento de referenciais conceituais, de conhecimentos teórico-metodológicos e de conteúdos históricos, como complemento de formação acadêmica e subsídio para o exercício da docência, cujo objetivo é torná-lo apto a integrar saberes científicos da História à sua prática pedagógica, você estará desenvolvendo algumas reflexões e atividades.
[...]
Faça uma excelente viagem pelos caminhos da História".

Se qualquer momento da existência possui uma piada em seu fundo, onde estaria a comicidade em uma sucessão de dias na qual as profundidades são cada vez mais recobertas por variações de um superficial recorrente?



"[...] e outorga-lhe o presente Diploma, a fim de que possa gozar de todos os direitos e prerrogativas legais".

Há de rir-se.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

JCMA encontra o amor puro e sincero

JesusCristoMAriaencontraAlizéeJesusCristoMAriaencontraAlizéeJesusCristoMAriaencontraAlizée JesusCristoMAriaencontraAlizée
JesusCristoMAriaencontraAlizéeJesusCristoMAriaencontraAlizée
JesusCristoMAriaencontraAlizée
JesusCristoMAriaencontraAlizée
JesusCristoMAriaencontraAlizée
http://intelectuaistransgenicossatanicos.blogspot.com/2010/04/rcma-encontra-o-amor-puro-e-sincero.html
Exercício de mistificação: resolvi acreditar em mim mesmo. Nada de ontologia do ser. Nada de tremor ou temor perante um divino sempre presente e sempre ausente. Crença em mim mesmo enquanto algo irrefletido que, independentemente de minha inércia ou esforço, guiará-me pelo caminho da glória, alçará-me para o sucesso neste mundo, até a redenção.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Tradução: "A sociedade industrial e o seu futuro", Theodore Kaczinsky, parte 2

Caso queira conferir a parte precedente, clique aqui.

"A psicologia do esquerdismo moderno

6. Quase todos concordarão que vivemos em uma sociedade repleta de problemas. Uma das mais difundidas manifestações da loucura de nosso mundo atual é o esquerdismo, portanto, discutir a psicologia do esquerdismo pode servir como uma introdução para discutir os problemas da sociedade moderna em geral.

7. O que é esquerdismo? Durante a primeira metade do século XX, esquerdismo poderia ser identificado ao socialismo. Hoje o movimento está fragmentado e não é tão fácil dizer quem pode ser considerado um esquerdista. Quando falamos de esquerdistas neste artigo, temos em mente principalmente socialistas, coletivistas, tipos “politicamente corretos”, feministas, ativistas por direitos homossexuais, por direitos à pessoas com necessidades especiais, por direitos aos animais, dentre outros. Todavia, nem todo indivíduo associado a esses movimentos é um esquerdista. O que tentamos colocar em discussão com o esquerdismo não é tanto um movimento ou uma ideologia enquanto um tipo psicológico, ou enquanto um conjunto de tipos relacionados. Logo, o que consideramos “esquerdismo” irá tornar-se mais claro no decorrer de nossa discussão da psicologia do esquerdismo.

8. Ainda assim, nossa concepção de esquerdismo continuará muito menos precisa do que gostaríamos, mas, aparentemente, não há solução para isso. Tudo o que tentamos fazer é indicar de uma maneira irregular e aproximada as duas tendências psicológicas que acreditamos ser a força motriz do esquerdismo moderno. Nós, de maneira alguma, defendemos estar contando toda a verdade sobre a psicologia esquerdista. Além disso, nossa discussão é aplicável apenas ao esquerdismo moderno. Deixamos em aberta a questão sobre até que ponto nossa discussão poderia ser aplicada aos esquerdistas do século XIX e início do século XX.

9. As duas tendências psicológicas subjacentes ao esquerdismo moderno nós classificamos como “sentimentos de inferioridade” e “excesso de socialização”. Sentimentos de inferioridade são característicos do esquerdismo moderno como um todo, já o excesso de socialização é característico de apenas um certo segmento do esquerdismo moderno; contudo, tal segmento é muito influente."

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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Frio do verão de manha~~

Joãozinho andava com problemas de sono. Sono de-mais. Não conseguia sair da cama, mesmo nas manhãs de verão.
- O frio da manhã é o desafio maior do homem!
A mãe olhava-lhe desconfiada.
Joãozinho descobriu que não tinha razões para abandonar a condição favorável de seu quarto para sair à rua feito imbecíl.
- Joãozinho, não vai pra escola hoje, lindinho da mamãe? - disse a mãe, espumando pela boca enquanto esquentava leite, café, sucrilhos e ovos.
- A cama quentinha... é o convite traiçoeiro da morte, mãe. Convite da morte - enfatizou sombrio o fim da frase e foi para o quarto jogar vídeo game.
Mas não teve jeito; passados 15 minutos foi levado, por uma necessidade invisível, a mover-se de seu conforto infantil e ir para o trabalho.
Na rua Joãozinho sentia sono, frio da manhã e raiva. A raiva de Joãozinho era fora de propósito, e quando chegava à escola seus maxilares doíam, porque Joãozinho pressionava irracionalmente os maxilares um contra o outro quando sentia raiva. Não tinha cura, e portanto Joãozinho pressionava os maxilares todo o tempo.
Joãozinho sentou no banco da praça e dormiu. Joãozinho achava muito bom dormir ultimamente.
Joãozinho entrou na fábrica, e o trabalho ia até as dez da noite. Hoje era dia de visita dos estudantes engajados.
- Oi, sr. operário! Tudo bem com você? Essa exploração que você vive...é horrível! Temos que acabar com os patrões - disse o estudante, e o estudante usava roupas velhas e sujas e barbas e cabelos e um celular com mp5, tv a cabo e blue ray, msn-hd.
Joãozinho sofreu um acidente de trabalho porque estava com sono: perdeu um braço e meio. Respondeu ao estudante, então:
- É sim, sr estudante... essa exploração pelas máquinas tá foda. - Ao ouvir isso o estudante abriu um sorriso de eu sei como você se sente, e fez uma carinha como a de quem vê um cachorrinho filhote dizer papai pela primeira vez.
-Siiim!!! sim, é isso, sr. operário! Justamente isso!
Bateu o sinal e Joãozinho pegou sua lancheira da Barbie e sua mochila. A mãe chegou de carro para buscá-lo na saida: "Como foi a aula, filho?!!" "Bom de mais mãe!!"
Joãozinho chegou em casa e dormiu bem coberto e tomou café.

Impressões - 07 - Caminhando