terça-feira, 26 de outubro de 2010

Conto - Caindo - Continuação de um Post ae

Morte estava sentada em algum lugar, próximo da eternidade e do infinito, mas como ambos são idéias humanas, e portanto limitadas, não servem realmente para explicar o local, nem a temporalidade. Ela contemplava os últimos minutos de vida do homem.

Ele andava com as mãos no bolso, contemplando o céu escuro e pela primeira vez com a mente em silêncio. Estava cansado. Cansado de sua existência. Para ele o único sentido da vida era a morte. Somente na morte ele descobriria a verdade das coisas.

Ilusão se sentou ao lado da Morte e disse:
- Engraçado, não? A fragilidade da existência, esse crença em algo que não pode existir senão na mente humana.
Morte olhou para Ilusão, mas não disse nada. Apenas voltou a observar o homem, em seu caminhar inevitável.
- Logo ele perceberá - disse Ilusão -, mas será tarde demais.

O homem continuava a andar. A rotina que o prendia e o irritava. Tinha se livrado dela por está noite. Tinha escapado, pulado fora da nuvem que o levava ao fim do mundo. Em situações normais, o que é normal? Estaria agora dormindo, com sua mulher ao lado, para acordar e ir no trabalho pela manhã. Ele saiu, mesmo que por um dia do caminho de auto-destruição. E o que o mais assustava nisso tudo, é que ele podia ver o futuro, como um vidente. Podia ver sua decadência.

Memória se sentou ao lado da Ilusão e da Morte para apreciar o espetáculo e disse:
- Ele parece se lembrar, de quando desistiu.
- Já o achei mais interessante, quando tinha tantos sonhos - respondeu Ilusão - mas perdeu seu brilho aos poucos. É engraçado observar como ele pensa que voa, quando na verdade está caindo.
- O passado se tornou real demais para ele - disse Memória.
- Shh - sibilou Morte.
E os três voltaram a observar o último ato em silêncio.

O homem deu seu último passo. Um disparo pelas costas e ele começou a cair. Três jovens deram um sorriso. A vingança estava realizada.
Enquanto seu sangue se esvaía, o homem pensava no cachorro morto na sarjeta. O momento havia chegado para ele também. Bastava fechar os olhos e aceitá-la, aceitar o momento final. O sentido de toda a sua vida. Sorriu. Somente agora podia ver claro como o dia, a resposta que sempre esteve dentro dele. A resposta que se recusou a olhar, com medo de enfrentar seu destino.

E o céu continuava escuro.

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