domingo, 31 de outubro de 2010

Revolução - Tudo ou Nada

Era uma vez, em um último domingo do mês... Seu Zé e Dona Maria acordaram logo cedo e foram exercer seu dever cívico de votar. Chegaram no colégio eleitoral às 7 da manhã para trocar figurinhas com os cumpadres, conversar sobre a vida dos outros, falar do clima,... Estavam lá esperando o portão abrir, sem saber do caos que acontecia dentro do colégio.

Lá dentro, a juíza já se desesperava: nenhum dos mesários apareceu para trabalhar! Nenhum, e já eram 7h, pelo menos o presidente de cada seção deveria estar ali. As 7h30m ela já ligava para o cartório eleitoral. Várias vezes, até ser atendida. Quando finalmente o foi, descobriu que o problema não era só dela: todas as seções eleitorais da cidade estavam com o mesmo problema! Os mesários não haviam comparecido até o momento. E logo ela descobriria, isso não era um problema municipal, nem regional, nem estadual. Era nacional.

Todos os mesários do país ao acordar despertaram a consciência de classe e resolveram que era hora de se rebelar contra o trabalho escravo obrigatório nas eleições. Mesmo os que se inscreveram para trabalhar como voluntários ganharam essa consciência que precisavam auxiliar seu companheiros em mais essa luta. E assim, todos os mesários tomaram a atitude mais progressiva e destruídora aos vestígios ditatoriais. Retornaram a cama quentinha para mais algumas horas de sono. Dormiam como no Sono de Endymion, acariciados pela benção da lua enquanto esperavam o período de turbulência passar.

Era hora de tomar alguma medida. Assim, as forças policiais foram mobilizadas. Eles deviam buscar os faltosos e trazê-los a força para o trabalho. Em ação paralela, a juíza deveria convocar compulsoriamente alguns eleitores na fila para compor as seções. Entretanto, algo misteriosamente gratificante para a revolução que tomava conta do país acontecia. Ao serem convocados a trabalhar, e ganharem todos os deveres de um mesário, Seu Zé e Dona Maria se transformavam em Companheiro José e Companheira Maria. A consciência de classe os adentrava e os transformava, e eles também tomavam a atitude revolucionária de retornar as suas casas e tomar a atitude mais revolucionária possível, dormir mais algumas horas. Não havia mais fila, na tentativa de arranjar mesários, todos se tornaram revolucionários. E a polícia também falhou. Como dormiam, ninguém atendeu as portas das casas.

E, logo, num estado de emergência, uma decisão precisava ser tomada. O que fariam? Cancelariam as eleições, puniriam severamente todos os mesários oficiais faltosos e convocariam novas? O país entrava em crise. E os militares acreditaram que era hora de uma nova ditadura. Pois era isso que o povo queria! Intepretavam erroneamente que essa rebelião contra o trabalho era um protesto revolucionário a democracia, e alguns setores começaram a organizar um golpe. Enquanto isso, várias pessoas que acordaram cedo para ir votar e trocar figurinhas, atentos a situação inexplicável da impossibilidade de fazer as seções funcionarem, foram para o espaço de discussão por excelência, o bar. E celebraram a liberdade de pensamento bebendo.

Enquanto isso no Infinito, que na realidade não é o infinito, pois o infinito é só uma palavra e por isso incapaz de explicar em toda sua plenitude esse espaço transcendental aonde se encontram forças além da capacidade de compreensão humana, Ilusão observa o caos no paizinho e sorri. O caos sempre é belo. E é o seu território de domínio, o território da Ilusão! Pois em que outro lugar, além do caos, é possível para as pessoas se embriagarem com sonhos e esperanças de acontecimentos que poderão ou não sair dali? Observar os homens almejando por algo, sem saber se isso se realizará ou não, iludidos pelo seu ideal. É a ilusão que torna um ser humano vivo.
- Os eventos fluem - disse Tempo, se aproximando de Ilusão.
- É uma pena. Ver o fim de espetáculo tão belo quanto este.
- Não há outro jeito. Os eventos irão fluir de acordo com o momento. E o momento pede o fim.
- E Morte?
- Já foi. Há muito trabalho pela frente e ela não quer se atrasar.
E assim os dois partiram.

A revolução continuava, e em todas as camas se via a luta. Os mesários estavam na fronte do combate deitados em sua cama dormindo no quentinho. Aqueles que haviam sido convocados na fila do colégio eleitoral vinham logo atrás, alguns estavam tão ansiosos pelo confronto que deitaram na calçada. O grupo de inteligência e simpatizantes se reuniam nos bares para discutir a situação. Muitos eleitores se juntavam a essa luta. E, se não fosse pelo tom acalentado pela discussão e pela violência da atitude dorminhoca, capaz que dissessem que o país estava metade em festa, metade preguiçosa.

Mas uma minoria se movia. Setores do exército entravam em tanques e marchavam para tomar o poder, enquanto políticos discutiam o que fazer quando a possibilidade de votação é zero. E exisitam alguns que rezavam, achando que tal situação era o anúncio da chegada do anticristo. Lógico que eles não poderiam saber, mas em parte estavam certos, não pela vinda do anticristo, já que ele não existe, mas pelo fim do mundo. E, sem que percebessem, marimbondos gigantes sobrevoavam os céus.

Eram enormes, e tinham rédeas, como cavalos alados, ou melhor, seriam como as rédeas de cavalos alados se eles existissem. Cada marimbondo possuía um ser com formas humanas o guiando. E eles observavam a humanidade lá do alto, sem serem vistos. Tamanha era a concentração no embate revolucionário de todas as frentes. Mas logo seu zumbido se tornou insuportável, e todos olharam. E pela primeira vez houve o silêncio e a ordem e a paz.

Ilusão que ia a frente, num dos marimbondos mais imponentes do grupo, mostrou leves sinais de irritação. Talvez não houvesse coisa que ele odiasse mais que a surpresa e o medo. Dois estados de espiríto que trazem a ordem na mente da pessoas. E a ordem, ah, a ordem é a inexistência de qualquer expectativa, esperança, sonho ou desilução. Nela tudo está pronto e garantido.

O primeiro marimbondo era guiado pela Morte, com suas melhores vestes. Tinha que se vestir bem, afinal o Apocalipse só acontece uma vez. E eram verdes, não que gostasse tanto da cor, preferia preto, mas resolveu manter a tradição. Ela ergueu o braço e todos entraram em formação. E quando abaixou foi o início. E junto com a investida de marimbondos uma chuva de bolas de fogo atingiu a terra.

E, assim, acabou a Revolução e o mundo.

Um comentário:

  1. a naturalidade dos marimbondos entrando na história me lembrou panamérica e seus caralhinhos voadores..

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