quarta-feira, 13 de outubro de 2010

baudelaire por galás .2

Les litanies de Satan
[As litanias de Satã]

O toi, le plus savant et le plus beau des Anges,
Dieu trahi par le sort et privé de louanges,
[Ó tu, o anjo mais belo e sabio entre seus pares,
Deus que a sorte traiu e expulsou dos altares,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

O Prince de l’exil, à qui l’on a fait tort,
Et qui, vaincu, toujours te redresses plus fort,
[Ó Príncipe do exílio, a quem fizeram mal
E que, vencido, sempre te ergues mais trinufal,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miseria!]

Toi qui sais tout, grand roi des choses souterraines,
Guérisseur familier des angoisses humaines,
[Tu que vês tudo, ó rei das trevas soberanas,
Charlatão familiar das angústias humanas,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

Toi qui, même aux lépreux, aux parias maudits,
Enseignes par l’amour le goût du Paradis,
[Tu que, mesmo ao leproso e ao pária, se preciso,
Ensinas por amor o amor do Paraíso,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

O toi que de la Mort, ta vieille et forte amante,
Engendras l’Esperánce, -- une folle charmante!
[Tu que da Morte, tua antiga e fiel amante,
Engendraste a Esperança – a louca fascinante!]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, é Satã, de minha atroz miséria!]

Toi qui dais au proscrit ce regard clame et Aut.
Qui damne tout un peuple autour d’un échafaud,
[Tu que dás ao proscrito esse alto e calmo olhar
Que leva o povo ao pé da forca a desvairar,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

Toi qui sais en quels coins des terres envieuses
Le Dieu jaloux cacha les pierres précieuses,
[Tu que bem saber em que terras invejosas
O Deus ciumento esconde as pedras mais preciosas,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satão, de minha atroz miséria!]

Toi dont l’oeil clair connâit les profonds arsenaux
Où dort enseveli le people des métaux,
[Tu cujo olhar desvela os fundos arsenais
Onde sepulto dorme o povo dos metais,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

Toi dont la large main cache les precipices
Au somnambule errant au bord des édifices,
[Tu cuja larga mão oculta os precipícios
Ao sonâmbulo a errar no alto dos edifícios,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

Toi qui, magiquement, assouplis les vieux os
De l’ivrogne attardé foulé par les chevaux,
[Tu que, magicamente, amacias os ossos
Do ébrio tardio que um tropel fez em destroços,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

Toi qui, pour consoler l’homme frêle qui souffre,
Nous appris à mêler la salpêtre et le soufre,
[Tu que, para o consolo eterno de quem sofre,
Nos ensinaste a unir o salitre ao enxofre,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

Toi qui poses ta marque, ô complice subtil,
Sur le front du Crésus impitoyable et vil,
[Tu que pões tua marca, ó cúmplice sutil,
Sobre a fronte do Creso implacável e vil,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

Toi qui mets dans les yeux et dans le couer des filles
Le culte de la plaie et l’amour des guenilles,
[Tu que infundes no loar e na alma das donzelas
O amor aos trapos e a paixão pelas mazelas,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miseria!]

Bâton des exilés, lampe des inventeurs,
Confesseur des pendus et des conspirateurs,
[Bastão do desterrado, archote do inventor,
Confessor do enforcado e do conspirador,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miseria!]

Père adoptif de ceux qu’en as noire colère
Du paradis terrestre a chassés Dieu le Père,
[Pai adotivo dos que, em cólera sombria,
O Deus Padre baniu do Éden terrestre um dia,]

O Satan, prends pitié de ma longue misère!
[Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!]

PRIÉRE
[ORAÇÃO]

Gloire et louange à toi, Satan, dans les hauteurs
Du Ciel, où tu régnas, et dans les profundeurs
De l’Enfer, où, vaincu, tu rêves em silence!
Fais que mon âme um jour, sous l’Arbre de Science,
Près de toi se repose, à l’heure où sur ton front,
Comme un Temple nouveau ses rameaux s’épandront!
[Glória e louvor a ti, Satã, lá nas alturas
Do Céu, onde reinaste, e nas furnas escuras
Do Inferno, onde, vencido, sonhas silenciosos!
Sob a Árvore da Ciência, um dia, que o repouso
Minha alma encontre em ti, quando na tua testa
Seus ramos expandir qual novo Templo em festa!]

Tradução para o português realizada por Ivan Junqueira.

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