quarta-feira, 23 de novembro de 2011

gustavo poli e a intriga implícita

"de santa eu não tenho nada!" - meu deus. e essa era para ser uma narrativa linear, tradicional, quase reaça. não vou mais conseguir um texto simplesmente descritivo depois disso. beijava os ladrilhos. e eu só queria isso. não podia querer mais que tudo isso. o que aconteceu ali eu não saberia explicar porque não presenciei. Apenas vislumbrei o que meus sentimentos e minha percepção criaram em minha mente: não podia distingui-lo de um desejo pueril. "amanhã é quando tudo acontece". porque me diziam isso? isso não fez sentido e tampouco faz agora. tudo acontece sempre. amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada. eu já estava ficando medíocre nesse nível quando me alertaram. saí de lá sozinho, desacompanhado, e me perdi. estou perdido, mas sei pra onde ir. um beijo pra torcida.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

italo calvino

Aconteceu-me uma vez, num cruzamento, no meio da multidão, no vaivém.
Parei, pisquei os olhos: não entendia nada. Nada, rigorosamente nada: não entendia as razões das coisas, dos homens, era tudo sem sentido, absurdo. E comecei a rir.
Para mim, o estranho naquele momento foi que eu não tivesse percebido isso antes. E tivesse até então aceitado tudo: semáforos, veículos, cartazes, fardas, monumentos, essas coisas tão afastadas do significado do mundo, como se houvesse uma necessidade, uma coerência que ligasse umas às outras.
Então o riso morreu em minha garganta, corei de vergonha. Gesticulei, para chamar a atenção dos passantes e – Parem um momento! – gritei – Tem algo estranho! Está tudo errado! Fazemos coisas absurdas! Este não pode ser o caminho certo! Onde vamos acabar?
As pessoas pararam ao meu redor, me examinavam, curiosas. Eu continuava ali no meio, gesticulava, ansioso para me explicar, torná-las participantes do raio que me iluminara de repente: e ficava quieto. Quieto, porque no momento em que levantei os braços e abri a boca a grande revelação foi como que engolida e as palavras saíram de mim assim, de chofre.
E daí? – perguntaram as pessoas. – O que o senhor quer dizer? Está tudo no lugar. Está tudo andando como deve andar. Cada coisa é consequência de outra. Cada coisa está vinculada às outras. Não vemos nada de absurdo ou de injustificado!
E ali fiquei, perdido, porque diante dos meus olhos tudo voltava ao seu devido lugar e tudo me parecia natural, semáforos, monumentos, fardas, arranha-céus, trilhos de trem, mendigos, passeatas; e no entanto não me sentia tranquilo, mas atormentado.
– Desculpem – respondi. – Talvez eu é que tenha me enganado. Tive a impressão. Mas está tudo no lugar. Desculpem. – E me afastei entre seus olhares severos.
Mas, mesmo agora, toda vez (frequentemente) que me acontece não entender alguma coisa, então, instintivamente, me vem a esperança de que seja de novo a boa ocasião para que eu volte ao estado em que não entendia mais nada, para me apoderar dessa sabedoria diferente, encontrada e perdida no mesmo instante.

“O Raio”, traduzido por Rosa Freire D’Aguiar, presente no livro Um general na biblioteca, da Companhia das Letras, p. 14-15.

domingo, 13 de novembro de 2011

Desdobramentos de psicoses mais ou menos

1- Sempre eu penso na minha morte. Penso em quem iria chorar ao lado do caixão, em quem iria sentir culpa. Quem sentiria minha falta?
Penso em quem se sentiria punido pela minha ausência, mesmo na inocência.

2- Sempre penso que você teria uma enorme dificuldade para aceitar o fato de que seu pai tem certas fantasias homossexuais.
Ele nunca admitiu isso pra si mesmo; não tem vocabulário pra isso. No entanto ele não é capaz de ver uma bicha na t.v. sem rir. Norbert Elias diz que o riso é uma forma de lidar com desconfortos de origem pouco clara, ou algo assim. Portanto é disso que se trata.

3- O vizinho do seu primo acredita completamente que a mãe dele já não se masturba há muito tempo, apesar de tudo. E, de fato, ela não se masturba. Mas de uma forma muito obscura, misturada à muita coisa diversa, é isso o que ela deseja profundamente, mas não tem vocabulário para expressar em gestos este desejo. E, segundo Santo Agostinho, o pecado está na intenção, ou algo assim. Hehe, a convicção na natureza assexuada das mães é a base sólida a partir da qual se constrói todo o mal
*: - O mal?! Puta que pariu!
#: - O que?
*: - Puta simplificação moralizante da porra!
#:- Foda-se!

4- Às vezes eu penso na morte dos meus pais. Isso vai acontecer. Ainda assim, no momento o que me preocupa é comer essas meninas da balada. Me preocupa minha independência financeira. Me preocupa receber reconhecimento de meus comparsas e de meus superiores no trabalho.
*: - Mas a vida é assim mesmo, fazer o que?
#: - E o que isso tem a ver com a morte dos seus pais?
Antes da morte dos meus pais eles irão envelhecer e adoecer. Hoje em dia as pessoas bem sucedidas pagam especialistas para cuidar de velhos doentes. As coisas são o que são...
É melhor não ter filhos, e morrer cedo, com saúde, sabe?

5- Descobri, ultimamente que A Sociedade dos Poetas Mortos é um filme de auto ajuda pra pessoas inteligentes.
#: - Nãao... não é isso. Tem várias coisas...
Por mim tanto faz.

sábado, 12 de novembro de 2011

f.

"As pessoas todas dormem com as cortinas fechadas
e despertam com o relógio", estive pensando.

4:16
4:18
4:17

Nem o tempo de piscar e as horas me aceleram.

4:43
4:48
4:44

Acordo cinco e meia.
Não me lembro do caminho até o trabalho.
O café tá gelado.
A minha máquina de escrever quebrou e
meu chefe não.

Quando chego em casa minha cabeça não funciona. Eu tentei de tudo, eu tentei de tudo, eu tentei de tudo. Não, não funciona. Não, não funciona. Não, não, nããããããão. Não funciona. Funci. Ona. Ona. Ona. Não funci, funci, funci. Não, não, não. Tá, turum tá, turum tá, turum tá, tá, tá, tá. Tchuuuuuuu prarararum pá. Tidum, tidum, tidum, tidum tadá. Tidum, tchudum dum, tchudum, tchudum dum prrrrrrrrrra, pra pá. Não, não. I miss you. Não, funci, funci, não. Não.

domingo, 6 de novembro de 2011

Cinismo e dor no estômago

A: - Eu quero que se foda, na verdade.

B: - Não, cara! Isso é niilismo! Você tem que acreditar em alguma coisa...

*Alguma coisa...? Qualquer coisa? No limite, o argumento desses donos de verdades novas coincidem com a visão de mundo das mães de família: "Você tem que acreditar em alguma coisa..."

A: - Ah tá.

B: - Sua omissão de posicionamento significa adesão inconsciente à ideologia dominante.

A: - Quero que se foda... Essa sua coisa qualquer na qual preciso acreditar para escapar do niilismo é desespero disfarçado de socialismo.

*Essas conversas de bêbados ofensivos, essas acusações baseadas em conceitos bem definidos... tudo despropósito diante da consciência separada que aliena as pessoas da realidade da morte próxima...

#Se isso não é niilismo, então o que é?

*foda-se

B: - Foda-se você!