quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sobre a fé.

São Francisco, santo padroeiro.

Wen c'est lauhll

"aquele que se recusar a obedecer a vontade geral a isso será constrangido por todo o corpo (político) - o que significa simplesmente que será forçado a ser livre [...]" - Jean-Jacques Rousseau

Um dia, há tanto tempo que não sei dizer quando foi, na boa e velha hora de brincar no parquinho da escola, exercíamos a boa e velha insanidade infantil: dezenas de crianças em um cubículo de areia, (do qual crianças com problemas respiratórios estavam banidas pela justa deliberação da mãe transmitida à professora por meio de uma agenda que devíamos portar) uma meia dúzia de brinquedos clássicos: escorregador, gira-gira, gangorra, etc. Dezenas de crianças, portanto, rolando e subindo, de todas as formas imagináveis e inimagináveis, por brinquedos, paredes, crianças, areia no chão e no ar.
Quando de repente, uma pedra atinge a professora incumbida de vigiar aqueles bárbaros mirins. Tanto é verdade que ela não cumpria satisfatoriamente sua tarefa policial, que nem viu de onde veio a pedra. Veja, não foi uma tentativa de assassinato. Foi uma pedra, melhor dizendo, um pedrisco destes de parquinho mesmo, que às vezes ficam inocentemente no meio da areia. Pedrisco atirado por um guri de... sei lá, 7 anos. Nada que pudesse machucar uma criança. Mas não interessa! O momento de expressarmos nossa incivilização foi imediatamente suspenso. Era hora de achar culpados.

Toda classe tem aquele carinha por quem as pessoas alimentam uma antipatia secreta. Pois bem, nesse caso não foi diferente. Alguns começaram a apontar este possível culpado que foi exemplarmente punido. Tempos depois novo incidente entre este aluno e a mesma professora veio a ocorrer e o caso da pedra foi relembrado inclusive por outros alunos. Mas sinceramente não tenho certeza sobre quem realmente cometeu o atentado e muito menos se houve premeditação ou intenção dolosa no ato.

P.S.: Não fui eu não!

Debate de idéias

Rodolfo diz:
putinho.
Arthur diz:
vai...tumá nu cu!!!
Rodolfo diz:
fodinha.
cortei as unhas, tá de boa.
Arthur diz:
humm assim é fácil
Rodolfo diz:
suja menos, machuca menos.
Arthur diz:
acostuma mais
..dizem..
Rodolfo diz:
..dizem..
foda é cheiro de merda. impregna. ..dizem..
Arthur diz:
compensa..dizem
Rodolfo diz:
cum pesa, cum mela.
pensamento cum tempo rã ânus.
Arthur diz:
humm..interessante
rã na montanna?
Rodolfo diz:
fazendo bobagem.
Arthur diz:
fazendo bobage e sendo feliz
feliz q nem um corno
q nem um filho da puta
Rodolfo diz:
até o mundo acabar em barranco.
morro gozadinho-como-um-corno-encostado-no-barranco.
Arthur diz:
se comes um corno, com ou sem barranco, o corno vira corneador de quem o cornea
Rodolfo diz:
corno mão-dupla.
Arthur diz:
corno sem perdão
Rodolfo diz:
não há perdão.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Variação: Post anterior, Nietzsche, Metallica

Faço uma brincadeira, mas sem a genialidade de idéias e escrita do nosso amado rcma.

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Acordou. Tivera um sonho estranho, ou seria um pesadelo? Nele estava bem mais velho, sem parte de seus cabelos e com certa barriguinha. Tinha dois amáveis filhos e uma esposa. Não entendia o porquê, tal visão deveria ser feliz, mas havia algo de sombrio nela, não compreendia o quê. Deitou-se novamente, mas, mal se re-aconchegou na cama e o despertador começou a tocar. Eram sete horas. Precisava ir para o escritório. Deu uma bufada. Mas era sexta. E toda sexta rolava um barzinho depois do expediente.

Tudo transcorrera como sempre e teria sido um dia tão normal como qualquer outro. Mas, no bar, algo estava diferente, a secretária do chefe havia finalmente aceito ir com o pessoal. Era bonita e tinham aproximadamente a mesma idade. Olhava para ela enquanto tomava sua cerveja, nunca haviam conversado, a não ser algum cumprimento ou outro. Divagava como seria sua vida com ela: já imaginava a cara de seus amigos ao vê-lo com tal beleza; os lugares aonde a levaria,... De repente se lembrou do sonho. Não completamente. Mas tudo isso deixou de fazer importância quando a viu sorrindo. Sorria para ele. Mandou todos seus pensamentos pro inferno e decidiu ir para o lado dela.

Acordou. Tivera um sonho estranho. Nele havia dormido com a secretária do chefe. Virou-se na cama e sentiu algo. Não fora um sonho. Ela estava ali, do seu lado, perfeita, podia sentir seu leve perfume, o calor do seu corpo. Sorriu como nunca. Saiu da cama com cuidado e foi até o banheiro. Lembrou-se que, alguém, em algum lugar havia escrito: “As coisas simplesmente acontecem, porra!”. E riu alto.

Logo teriam gêmeos. Ele havia sido promovido. Achava que seu salário podia sustentar a família. Decidiram que ela ficaria em casa para cuidar das crianças. Não era mais a mesma deusa de anos atrás, mas ele também havia mudado. Evitava cortar o cabelo muito curto para esconder as entradas. Também não tinha mais aquele físico de antes. Não se importava. Pensavam no futuro dos filhos.

Acordou, tivera um sonho estranho. Mas nem teve tempo de refleti-lo. Precisava levar os moleques na escola antes de ir para mais um dia de trabalho. A mulher nem estava mais cama, já havia levantado, preparar o café-da-manhã. Olhou-se no espelho enquanto se arrumava. Já não era mais o mesmo. Estava completamente mudado.

Chegou ao trabalho, cumprimentou a secretária do chefe. Ela lhe retribuiu com uma risadinha que o teria deixado excitado anos atrás. Trabalhou. Observou pela porta entreaberta do escritório enquanto um dos novos estagiários conversava alegremente com a secretária e pensou no passado. Trabalhou. O que havia feito da vida? Trabalhou. Quem era ele? Trabalhou. Vivia ainda? Trabalhou. Gastou oito horas do seu dia. Tudo mecanicamente. Viu a secretária indo embora. Deu-lhe um sorriso. Ela retribuiu. Mas precisava saber quem era. Essa noite. Estava decidido. Não voltaria para casa. Precisava de alguma verdade nessa falsidade. Fechou a porta e saiu. Dentro do escritório escuro, a ausência continuava a se expandir, infinitamente.

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"[...] Nosso destino dispõe de nós, mesmo quando ainda não o conhecemos; é o futuro que dita as regras do nosso hoje."
Nietzche, Friedrich. Humano, Demasiado Humano. SP, Companhia de Bolso, p.13.


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"Careful what you wish

Careful what you say

Careful what you wish

You may regret it"

Metallica - King Nothing


http://www.youtube.com/watch?v=gq9iCBUxeJE&feature=fvst





Variação: Sartre e The Birthday Party

Mais uma brincadeira. Trecho, música e aquilo que escrevo dessa vez não são tão (ão ão ão, eco, eco) aleatórios. Descontextualizados, com certeza. Mas a vida é algo fora de contexto, então, tudo ok.

Caso alguém queira esclarecimentos ou insultar-me gratuitamente [ou não gratuitamente, vai saber], manifeste-se nos comentários. Caso tenha alguma proposta mais pessoal, peça meu cartão ou mande-me um email.

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“Hoje foi um ótimo dia. Sexta-feira mais agradável da minha vida: após o trabalho fui com os colegas do escritório para um bar e ficamos conversando por um bom tempo. Pude conhecer melhor a secretária do meu chefe... tanto tempo que eu queria conversar com ela, finalmente criei coragem. Poderemos ser bons amigos, espero. Ou quem sabe algo mais... acho que gosto dela [...]”.

Dez anos se passaram desde que escrevi essas palavras nesse caderno. Por que fui tirar a poeira disso? Hoje, sexta-feira, sete horas da manhã, quase na hora de ir para o escritório, e eu a encarar palavras vazias. Hoje, eu, casado, dois filhos, trabalho ainda no mesmo lugar. A secretária do chefe mudou: a do diário é agora minha esposa, largou o serviço para cuidar dos gêmeos e ajuda no orçamento como pode, vende bijuterias. Eu também mudei, e muito.

Foram-se os cabelos, boa parte. Desapareceu a paciência. Não mais tenho ereções. Não olho nos olhos de minha esposa, mas ainda beijo-lhe a testa. Vejo meu vazio refletido em meus filhos.

No serviço a nova secretária está cheia de gracejos para comigo: disse no meu ouvido que gosta de pais de família e que também gostaria de mostrar-me seus dotes, saiu sorrindo e rebolando. Nenhuma parte de mim manifestou-se.

Trabalho “minhas” oito horas com a dignidade de um inseto.

Estou decidido: não volto para casa após o serviço. Preciso de confirmações, saber se estou morto, ou moribundo a vagar pelo mundo a ser força de trabalho e criar descendentes e “ser feliz” e... quanto mais penso, mais obrigações, mais objetivos, mais justificativas para a vida surgem, e tudo isso está tão opaco, soa-me tão falso.

Mantenho minha decisão: tomo caminhos estranhos e tento me perder pela cidade, paro em alguns bares e bebo alguns tragos. Quase meia-noite e jogo meu relógio o mais longe que posso. Entro em uma boate, ou sei lá o que... é tudo tão iluminado e há pessoas semi-nuas e nuas dançando, homens, mulheres, homens-mulheres, mulheres-homens, não consigo definir muito bem, minha vista está embaçada, estou embaciado. Sento-me e alguém dança à minha frente: consigo discernir, acho, um rapaz movimentando-se, encarnação da libido: suas pernas ao ar, simetricamente trançando-se pelo poste: letargia e hipnose: pênis ereto e o rapazola sorri para mim em confidência: as três pernas dele dançam mais um pouco enquanto afogo-me com meu resquício de consciência.

Acordo nu em um quarto sujo. Sinto-me bem, pois não sinto nada. Transcendi o vazio. Em algum lugar alguém pode estar me esperando, mas eu não espero mais nada de mim, desapareci, ou melhor, todo o resto do mundo desapareceu. Sorrio.

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“Sentia-me cansado e superexcitado ao mesmo tempo. Não queria pensar no que ia acontecer de madrugada, na morte. Aquilo não tinha sentido, não encontrava senão palavras, um vazio. Desde, porém, que começava a pensar em outra coisa, via canos de fuzis apontados para mim. Vivi talvez umas vinte vezes seguidas a minha execução; numa delas cheguei mesmo a pensar que o fuzilamento tinha ocorrido; devia ter dormido um minuto. Eles me carregavam para o muro enquanto me debatia; pedia-lhes perdão. Acordei em sobressalto e olhei o belga; tinha medo de ter gritado durante o sono. Ele, porém, alisava o bigode e não notara nada. Creio que me esforçando teria dormido um pouco; havia quarenta e oito horas que estava em claro e me sentia esgotado. Mas não tinha vontade de perder duas horas de vida; viriam acordar-me de madrugada, segui-los-ia tonto de sono e estrebucharia sem um ai; não queria morrer como um animal, queria compreender. Além disso tinha medo de ter pesadelos. Levantei-me andei de um lado para o outro e, para afastar aquelas idéias, comecei a pensar no passado. Uma onda de lembranças surgiu em confusão. Havia-as boas e más – ou pelo menos eu as considerava assim antes. Via rostos e fatos. Revi a fisionomia de um toureiro que havia sido morto nos cornos de um touro em Valença durante a Feira, o rosto de um de meus tios, e o de Ramón Gris. Lembrei-me de alguns episódios: como passei quando estive desempregado durante três meses em 1926, como escapei de morrer de fome. Recordei-me de uma noite passada sobre um banco, em Granada; havia três dias que não me alimentava, sentia-me enraivecido e não queria morrer. Aquilo me fez sorrir. Com que ansiedade eu corria atrás da felicidade, atrás das mulheres, atrás da liberdade... A troco de quê? Tinha querido libertar a Espanha, admirava Pi y Margall, aderira ao movimento anarquista, discursava em comícios: levava tudo a sério, como se fosse imortal.

Nesse momento tive a impressão de sentir toda a minha vida à minha frente e pensei: ‘É uma grande mentira’. Não valia nada, pois havia acabado. Perguntei-me como tinha conseguido passear, divertir-me com mulheres; não teria mexido um dedo se houvesse imaginado que iria acabar desse jeito. Tinha minha vida diante de mim, fechada como um saco e entretanto tudo quanto estava lá dentro continuava inacabado. Tentei, num momento, julgá-la. Quisera dizer – foi uma bela vida. Mas não se podia fazer um julgamento, pois ela era apenas um esboço; havia passado o tempo todo a fazer castelos para a eternidade, não compreendera nada. Não tinha saudades de nada; havia uma porção de coisas das quais poderia sentir saudades, do gosto da manzanilla, dos banhos que tomava no verão numa enseadinha de Cádiz; a morte, porém, roubara o encanto de tudo”. [1]

Música: Nick the stripper, por The Birthday Party

"insect insect insect insect incest insect incest insect

Nick The Stripper
a-hideous to the eye
a-hideous to the eye
well he's a fat little insect
a fat little insect
a fat little insect
a fat little insect
and ooooooooh! here we go again

Nick The Stripper
a-dances on all fours
a-dances on all fours
he's in his birthday suit
he's in his birthday suit
he's in his birthday suit
he's in his birthday suit
and ooooooooh! a-here we go again

Nick The Stripper
a-hideous to the eye
a-hideous to the eye
well he's a fat little insect
a fat little insect
a fat little insect
a fat little insect
and ooooooooh! here we go again

well he's a fat little insect
a fat little insect
a fat little insect
a fat little insect
he's in his birthday suit
he's in his birthday suit
he's in his birthday suit
he's in his birthday suit

insect insect insect insect"



[1] Sartre, Jean-Paul. "O muro" In: O Muro [1939]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, pp. 21-2.

domingo, 25 de outubro de 2009

a.

Se esse escrito ficasse para posteridade precisaria de uma nota de rodapé, pra entender a piada. Mas deixe-me voltar ao assunto.

Não sei exatamente o que escrever. E em poucas palavras, menos. Não tenho mais grafite e as condições me impedem de ir além. Acho que não defini o que escrever.

O pensamento é hiperlinkado. A velocidade das idéias não me permite desenvolver a escrita do pensamento.

Escrever seria um exercício pra memória se pensar não fosse uma atividade tortuosa. Ou para organizar aquelas ideias sem acento. Melhor usar algumas linhas mais.


A costura da calça se desfazia, mas a elegância das longas pernas não a escapava. Os longos cabelos, os dedos compridos, que batucavam na mesa de acordo com alguma música que meus olhos não ouviam, prendiam-me a atenção, enquanto a palestrante de sotaque engraçado falava alguma bobagem. Essas últimas linhas do caderno estão acabando e acabei não escrevendo o que queria. Não era sobre a palestra, era sobre outra coisa. Um segundo antes da primeira letra, sabia tudo o que dizer.
As minhas idéias caminham apressadamente como uma multidão em uma praça de centro de alguma metrópole. percepção, tempo, cinema, capitalismo industrial, fotografia, cidade, bonde, tecnologia, disciplina de trabalho, reforma urbana, espetáculo, controle. Continuam tortas, todas.
O que enfim quero escrever?

sábado, 24 de outubro de 2009

1, 2...

Na verdade o q eu tento fazer com esse texto eh uma experiencia..ordenar uma argumentação não em um texto academico ou objetivo..mas em um texto que contenha, no seu conteúdo e sua forma, as noçoes e idéias q se quer debater inseridas em algum outro contexto...peraih! alguem jah nao fez isso?
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Ela já não aguentava mais. Era a terceira vez que lia o mesmo parágrafo de 4 linhas: "A importância do proletariado no marxismo está ligada a crítica de Marx a noção de Estado de Hegel, no entanto...". "No entanto...no entanto, no..não..o que?". Já bastava. Depois de 5 horas lendo não poderia absorver muito mais. Se levantou e foi escovar os dentes, mas só depois de fechar o livro com uma pressa desnecessária.

Não ia a lugar nenhum. Já estava com essa idéia fixa desde o capitulo 6 do livro. A história segue uma reta, tem um caminho definido, o progresso inexorável..claro, cada idéia tem sua época. 7 anos depois de graduada ainda lembrava da frase de aluno novato. Mas não parece idiota pensar num caminho da história? Pensar que a história segue leis estritas? Sim, hoje em dia já parece besteira pensar nisso. Mas o que mais a angustiava é que ela sabia que essa era uma noção que estava muito presente no seu cotidiano. Praticamente tudo que a circundava estava impregnado, consciente ou não, dessa baboseira: desde novelas até ditos populares, desde "princípios" pessoais [mais uma baboseira] até piadas..mas o que a fazia perder a paciência eram pessoas que insistiam que o único destino do homem era sua evolução, seu progresso...sim, já havia conhecido 8 pessoas que tinham fé no futuro do homem, acreditavam que no fim da história o homem se realizaria e alcançaria sua plenitude. Tudo isso já lhe soava como discurso ultrapassado demais..a lugar nenhum! Não partimos de lugar nenhum. Não chegaremos a lugar algum.

Depois de 9 minutos escovando os dentes e divagando sobre suas angústias voltou ao livro pensando: "porque a história tem que chegar a um ponto? porque tudo tem que ascender em uma escala, rumo ao 10, como esse texto?"

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Aaaaaaahhhhhhlizée!!


Acho que um dia desses eu vou...pra França. É..isso...pra França. Aí vou sequestrar a Alizée. Compro ingresso, vou no showzinho dela subo no palco mato os seguranças, agarro ela e saio fora. Ou então, bem melhor, vou nesse picknick, frutas vermelhas, frutas macias, frutas...sil..silvestres. Pego tudo, pego geral, mando embora as amiguinhas...será que mando? é.. mando. Amor sincero. Mando embora os magrelos franceses, magrelos cornos. Aí, então, sequestro a Alizée.
Aí, "Olha, Alizée, casa comigo e me trai! Não... não, tudo bem..levo uma vida de corno." Mas eu não vou conhecer os pais dela! Isso nunca! Franceses coroas burgueses! Tudo tem limites...

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Variação aleatória inicial: Céline

Não estruturei trecho e escrita própria. Não proponho manifesto. Cito a cama quentinha, o que já basta.

Obs: o tempo gerou uma ambigüidade, mantida pela minha preguiça.

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Bernardo precisava sentir algo que lhe pertencesse. Há dias não aturava sua própria presença, menos ainda a minha, seu irmão, morto na Primeira Guerra – uma medalha e um resto de farda queimada, únicas lembranças materiais restantes, guardadas em uma gaveta, a dialogar com a poeira – memória presente assombrando todas suas madrugadas insones. O corredor escuro servia como passarela para o desfile do tempo, e ele caminhava noite adentro, vai e volta, vai e volta, até a estafa aniquilar sua vontade e o chão frio tornar-se o refúgio para a espera do pôr-do-sol. Chego e sento-me ao seu lado:

─ ...

Lábios movem-se, não há som. Encaro meu velho conhecido: hoje estou decidido; recuperarei algo. Preciso. Não posso esperar o sol. Não posso agüentar essa solidão com um fantasma morto por um obus.

Bernardo levanta-se com esforço e caminha com dificuldade até seu quarto. Nada pode ajudá-lo; só paliativos, breves instantes de consciência tranqüila antes do fim. Abre uma gaveta, atira uma medalha contra mim, o som dela batendo na parede ecoa por momentos longos demais. Resigno-me e olho fixamente para frente, aprecio a dissolução do tempo.

Ainda sobraram na gaveta um traste de pano queimado e uma velha faca artesanal, herança da família. O morto, eu e uma faca; o que poderia ser mais propício? Algo meu, recuperarei.

Ainda antes do sol nascer, antes de que eu desaparece por hoje, pude ver Bernardo colocar sua mão sobre o armarinho e cortar lentamente seu dedo indicador, sem gritos nem lágrimas, apenas com um sorriso sincero dirigido à mim, satisfeito consigo mesmo. Passou por dentro de mim, sangue escorria pelo seu caminho tortuoso até sua cama quentinha: dormiria, após muito tempo.

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“Ainda assim, o homem conseguiu desembuchar alguma coisa de articulado:
─ O segundo-sargento Barousse acaba de ser morto, coronel ─ disse de um só fôlego.
─ E daí?
─ Ele morreu indo buscar o furgão de pão na estrada das Etrapes, coronel!
─ E daí?
─ Um obus o estraçalhou!
─ E daí, Deus do céu!
─ E é isso! Coronel...
─ Só isso?
─ É, só isso, coronel.
─ E o pão? ─ perguntou o coronel.
[...]”. [1]

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[1] Céline, Louis Ferdinand. Viagem ao fim da noite [1932]. São Paulo: Cia das Letras, 1994.




domingo, 18 de outubro de 2009

Por uma contestação.

Nunca li Gramsci. Nem lerei no curto prazo. A longo não sei, mas as perspectivas não são favoráveis.
Logo, ilustro um pouco a concepção pratchettiana de história com um diálogo entre Susan e Morte. Ele é iniciado com a Susan questionando o que teria ocorrido se eles falhassem em salvar o Hogfather, um equivalente do Papai Noel no Discworld. A tradução foi feita por mim. As letras maiúsculas são as falas do Morte. Essa é uma das características do personagem no livro, todas são assim.

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- Oh, não me venha com essa. Você não pode esperar que eu acredito nisso. É um fato astronômico.
O SOL NÃO TERIA NASCIDO.
Ela se virou para ele
- Foi uma noite longa! Eu estou cansada e preciso de um banho! Não quero saber de bobagens!
O SOL NÃO TERIA NASCIDO.
- Realmente? Então o que teria acontecido?
UMA MERA BOLA DE GÁS FLAMEJANTE TERIA ILUMINADO O MUNDO.
Eles andaram em silêncio por um momento.
- Ah - disse Susan - Brincando com palavras. Eu pensei que você fosse mais literal.
EU SEMPRE SOU LITERAL. BRINCADEIRA COM PALAVRAS É O LUGAR DOS HUMANOS.
- Certo - disse Susan - Eu não sou estúpida. Você quer dizer que humanos precisam... de fantasias para tornar a vida suportável.
SÉRIO? COMO SE FOSSE UM TIPO DE PILULA MÁGICA? NÃO. HUMANOS PRECISAM DE FANTASIA PARA SEREM HUMANOS. PARA SE TORNAREM ESTE LUGAR AONDE O ANJO CAÍDO ENCONTRA O MACACO EM ASCENSÃO.
- Fada dos Dentes? Hogfathers? Pequeno...
SIM. COMO TREINO. SE TEM QUE COMEÇAR APRENDENDO A ACREDITAR NAS PEQUENAS MENTIRAS.
- Para, assim, acreditarmos nas grandes?
SIM. JUSTIÇA. MISERICÓRDIA. DEVER. ESSAS COISAS.
- Não são a mesma coisa, nunca!
VOCÊ REALMENTE ACHA? ENTÃO PEGUE O UNIVERSO E MOA ELE ATÉ FORMAR O PÓ MAIS FINO E PENEIRE NA PENEIRA MAIS FINA E, ENTÃO, ME MOSTRE UM ÁTOMO DE JUSTIÇA, UMA MOLÉCULA DE MISERICÓRDIA. E, AINDA ASSIM - Morte moveu uma das mãos. E AINDA ASSIM VOCÊ AGE COMO SE HOUVESSE ALGUMA ORDEM IDEAL NO MUNDO, COMO SE HOUVESSE ALGUMA... ALGUMA MORAL NO UNIVERSO PELA QUAL ELE PUDESSE SER JULGADO.
- Sim, mas pessoas têm que acreditar nisso, ou qual o ponto...
O MEU PONTO EXATAMENTE.
Ela tentou organizar seus pensamentos.
HÁ UM LUGAR ONDE DUAS GALÁXIAS COLIDEM POR MILHÕES DE ANOS - disse Morte, sem motivos. NÃO TENTE ME DIZER QUE ISSO É CORRETO.
- Certo, mas pessoas não pensam assim - disse Susan - Em algum lugar tinha uma cama...
CORRETO... ESTRELAS EXPLODEM, MUNDOS COLIDEM, PRATICAMENTE NÃO EXISTE UM LUGAR NO UNIVERSO AONDE HUMANOS POSSAM VIVER SEM SEREM CONGELADOS OU FRITOS, E, AINDA ASSIM, VOCÊS ACREDITAM QUE... UMA CAMA É A COISA MAIS NORMAL. É UM TALENTO ESPANTOSO.
- Talento?
OH, SIM. UM TIPO MUITO ESPECIAL DE ESTUPIDEZ. VOCÊS ACREDITAM QUE TODO O UNIVERSO ESTÁ DENTRO DE SUAS CABEÇAS.
- Você nos faz parecer loucos - disse Susan - Uma cama quentinha...
NÃO. VOCÊS PRECISAM ACREDITAR EM COISAS QUE NÃO SÃO REAIS. DE QUE OUTRA MANEIRA ELAS SE TORNARIAM? - disse Morte, ajudando-a subir em Binky.
- Essas montanhas - disse Susan, enquanto o cavalo se levantava - Elas são reais, ou algum tipo de sombra?
SIM.
Susan sabia que isso era o máximo que ela conseguiria ouvir dele.

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Referência: Pratchett, Terry. Hogfather. New York, Harper, 2008, pp. 335, 336, 337
Uma pequena nota de tradução: mantive Hogfather em vez de tentar traduzir. Provavelmente seria algo como Porco Noel ou Papai Porco. Não quis arriscar. Mas a idéia é daqueles porcos de engorda, provavelmente, tirando um sarro com o costume alimentício do Natal.
E eu traduzi Rightness por Moral numa das falas do Morte. Não sei qual seria o termo mais adequado. Provavelmente eu tente postar o texto no original nos comentários outrora, caso alguém se interesse.

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Sei que textos não dizem por si só. E até arriscaria colocar alguma interpretação dele. Mas, no momento, acredito que o Post já esteja longo demais e seja melhor deixar assim mesmo. Boa leitura, aos que lerem =P.