sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Sabadinho de Sol

Nada é tão bonito como estar trancado no quarto em uma gostosa tarde ensolarada de sábado. A janela é grande e a vista também. Porque a janela tem 1 metro e 20 e poucos centímetros, e a vista do décimo segundo andar vai até o horizonte, e antes disso, passa pela cidade inteira. Mais bonito é que no sábado a tarde a cidade inteira está vazia. É um deserto de prédios, asfalto e clichês.
Uma janela tão grande está necessariamente a apenas 1 metro e pouco do chão, ou até menos porque em baixo dela fica aquele banquinho velho de madeira, que não deve ter mais que uns 90 centímetros de puro conforto e possibilidades.
Lá fora as coisas acontecem, mas trancado no quarto...uma hora já não resta mais nada para acontecer, apesar da bela vista. Meia dúzia de livros, uns dicos ouvidos milhões de vezes...Além disso como ter concentração na leitura tendo uma vista tão grande, uma janela tão grande. Praticamente 1 metro e 20 de janela por um milhão de kilometros e 20 de horizonte e coisas acontecendo lá fora.
Doze andares um OPA! para o porteiro, e dois portões eletrônicos, separam o quarto fechado e a vida com as coisas acontecendo. Quer dizer...as coisas devem estar acontecendo, embora a vista leve a crer que só o que existe é o deserto de prédios, asfalto e clichês. Mas nunca se sabe, e então, pode ser que chegando lá não tenha mesmo nada pra fazer, não tenha ninguém à toa. Nesse caso, só restaria um retorno disfarçado ao quarto.
Trancado no quarto, porta de um lado janela do outro. Pra lá da porta é que é foda, porque as coisas não acontecem no resto do aconchego do lar. Ou seja, acontecer acontece, mas o que acontece, na verdade, é um lance estranho, de repetição. Há, de fato, outras pessoas vivendo nessa parte sombria do aconchego do lar, e por mais que pareça mentira, essas pessoas, cuja natureza está oculta do saber humano........essas pessoas repetem e repetem as mesmas belas e lúdicas atividades, o mesmo silêncio saudável, o mesmo en-tre-te-ni-men-to televisivo.
Trancado no quarto, porta de um lado janela do outro. Doze andares um OPA! para o porteiro, e dois portões eletrônicos, separam o quarto trancado e a vida com as coisas acontecendo. Um movimento simples com apoio do banquinho, 1 metro e pouco do chão até a janela, doze andares e o choque com os muros e tetos das belas casinhas lá em baixo, separam o quarto trancado e a morte com as coisas desacontecendo bonitamente ensolaradas.

3 comentários:

  1. Arthur mostrando seus dotes literários. Ficou bom e interessante.

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  2. o de maior importância é o problema da existência; o dote literário propicia elaborações diversas: realça a proposta e os motivos de um vôo andares abaixo, para um último abraço caloroso no mundo.

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  3. "Pra lá da porta é que é foda"...cara isso eh lindo..

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