sábado, 28 de novembro de 2009

Ode a Kafka

De vez em quando é necessário ser submisso.
Segue uma curta história.

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O Novo Advogado


Temos um novo advogado, o dr. Bucéfalo. Seu exterior lembra um pouco o tempo em que ainda era o cavalo de batalha de Alexandre da Macedônia. Seja como for, quem está familiarizado com as circunstâncias percebe alguma coisa. Não obstante, faz pouco eu vi na escadaria até um oficial de justiça muito simples admirar, com o olhar perito do pequeno freqüentador habitual das corridas de cavalos, o advogado quando este, empinando as coxas, subia um a um os degraus com um passo que ressoava no mármore.

Em geral a ordem dos advogados aprova a admissão de Bucéfalo. Com espantosa perspicácia diz-se que, no ordenamento social de hoje, Bucéfalo está em uma situação difícil e que, tanto por isso como também por causa do seu significado na história universal, ele de qualquer modo merece boa vontade. Hoje - isso ninguém pode negar - não existe nenhum grande Alexandre. É verdade que muitos sabem matar; também não falta habilidade para atingir o amigo com a lança sobre a mesa do banquete; e para muitos a Macedônia é estreita demais, a ponto de amaldiçoarem Filipe, o pai - mas ninguém, ninguém, sabe guiar até a Índia. Já naquela época as portas da Índia eram inalcançáveis, mas a direção delas estava assinalada pela espada do rei. Hoje as portas estão deslocadas para um lugar completamente diferente, mais longe e mais alto; ninguém mostra a direção; muitos seguram espadas, mas só para brandi-las; e o olhar que quer segui-las se confunde.

Talvez por isso o melhor realmente seja, como Bucéfalo fez, mergulhar nos códigos. Livre, sem a pressão do lombo do cavaleiro nos flancos, sob a lâmpada silenciosa, distante do fragor da batalha de Alexandre, ele lê e vira as folhas dos nossos velhos livros.

Franz Kafka. "O advogado" In O médico rural. São Paulo: Companhia das Letras, 1999 [1919], pp. 11-2. Tradução de Modesto Carone.

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Originalidade é readaptação. Reescrever é manter o mundo vinculado à humanidade.

Possível paradoxo: a escrita aparta-se do real?

Pense por si mesmo: invente sua resposta e justifique sua existência.

Pois, afinal, resta pouco. Para o quê? Descobriremos.

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