sábado, 6 de abril de 2013

Os Sonhadores, 2003 (dirigido por Bernardo Bertolucci)




O filme coloca, sobretudo, a relação entre cinema e realidade, na verdade como instâncias opostas, ou seja, o cinema como irrealidade.

Essa oposição, mais ainda, a contradição entre cinema e realidade está colocada a partir dos irmãos Isabelle e Théo, filhos de intelectuais franceses, universitários cinéfilos em Paris durante o Maio de 1968. Essa contradição apresenta-se e se desenvolve pela relação estabelecida com o personagem narrador do filme, Matthew, um jovem americano estudante daquela mesma universidade e também um cinéfilo. É fundamental para sua caracterização sua apresentação como cinéfilo, que vai às sessões de filmes e não conversa com ninguém, até conhecer Isabelle. Neste momento desdobra-se a discussão sobre a figura do cinéfilo como um tipo social que estabelece uma forma específica de sociabilidade evidentemente baseada no conhecimento sobre os filmes. A este aspecto acrescenta-se toda a discussão sobre a vida burguesa, a questão do engajamento, da liberdade de expressão, o pacifismo.

A relação entre Isabelle e Théo é apresentada tendo como destaque óbvio a sexualidade, trata-se de uma relação incestuosa, pelo menos sob uma perspectiva superficial. Outras questões estão por trás do óbvio. Isabelle e Théo apresentam-se a Matthew como irmãos gêmeos, irmãos siameses, duas partes de uma mesma pessoa. Matthew os ama como se amasse uma única pessoa, pelo menos até o momento em que se apaixona por Isabelle. É nesse momento que a contradição entre o cinema e a realidade se coloca de forma contundente, quando Matthew explicita a ilusão que predomina na relação entre Isabelle e Théo, unidos de forma inseparável em um mundo só deles, um mundo baseado na imitação de cenas de cinema, em jogos que, segundo Matthew, os impede de crescer.

Em um desses jogos Théo desafia Isabelle e Matthew a fazerem sexo na frente dele. É nesse momento que Matthew se apaixona por Isabelle. Após o sexo revela-se que apesar de toda a atitude moderna e liberada, avessa às convenções burguesas, Isabelle era virgem. Isabelle admite que apenas encenava aquela atitude que ocultava a vida privada ligada ao irmão e ao cinema. Como contraponto óbvio à ilusão do cinema, a realidade aparece em todo seu esplendor de movimento colocada nas turbulências sociais dos conflitos de rua do Maio de 1968. Caracteriza-se a situação da vida acontecendo do lado de fora enquanto Isabelle, Théo e Matthew permaneciam dentro do apartamento entretidos com jogos sexuais e discussões sobre cinema, incapazes de fazer a própria comida. Quanto a este aspecto há uma contradição aparentemente inexplicável. Desde o início, Théo é caracterizado por uma personalidade forte, quase arrogante, impetuoso em relação à transformação do mundo e à necessidade de subverter o tipo burguês de vida. A sequência do jantar em família torna evidente este traço como elemento importante da personalidade de Théo, quando ele se empenha em desqualificar a capacidade do pai, refutar suas posições, consideradas conservadoras apesar do pai ser um poeta. Théo quer misturar-se ao movimento das ruas, coloca-se nas primeiras fileiras de combates contra a polícia. Matthew, que denunciou a ilusão de Théo e Isabelle, coloca-se como pacifista, censura Théo por seu radicalismo. Ao mesmo tempo, Matthew acredita também na importância de reconhecer-se o valor dos soldados que lutam no Vietnã. Isabelle não pode suportar o amor como Matthew propõe. Ela entra em crise, não pode ter violado pelo sexo seu quarto de criança ainda preservado. Isabelle renuncia ao amor de Matthew e vai com Théo, ambos tomados pela paixão do movimento revolucionário nas ruas de Paris.

Um comentário:

  1. Esse filme é bem foda hehe.
    Eu não sei, mas vendo o filme, e nessa parte que você fala do Théo, eu fico com impressão que o Bertollucci crítica um tipo pseudo-intelectual-ativista huahua, que é o Théo, com seu discurso radicalmente revolucionário, mas que fica preso em casa enquanto a revolução explode nas ruas. E é engraçado, porque ele se acredita mais livre, mais libertário que o pai, mas, ao mesmo tempo, ele com a irmã não sabem cuidar de si mesmos, visto o estado que a casa fica quando os pais saem de cena.

    E não sei, precisaria confirmar isso, mas se não me engano, é só na primeira metade do filme que o Bertollucci intercala cenas de filmes antigos com cenas do filme. Chega um certo momento que ele para de fazer isso.O que dá a impressão de que os personagens tinham consciência do que era real e fictício na sua relação com o mundo, mas que isso se some, eles passam a viver uma ficção, principalmente quando os pais somem de cena.

    Voltando a essa figura dos pais, não sei se o Bertolucci quis colocar algo bem psicológico, mas me parece que sim. Porque é possível falar que o Théo só é revoltado e ativo no Maio de 68, enquanto a figura do pai está presente, mas quando ela some, ele abandona o movimento, cena que é mostrada quando um colega da faculdade vai falar com ele sobre o movimento, e ele o ignora. A ausência da figura do pai, torna Théo menos ativo, embora ainda tenha o discurso rigido com o qual tem diversas discussões com o Matthew.

    E, por último, me ponho a questão do quanto esses personagens são "manipulados", levados por uma massa revolucionária. Que é o final do filme. Matthew consegue manter sua integridade e maturidade, digamos assim, ao assumir seus valores, e não se integrar a massa que desafia a ordem. Mas, Théo e Isa, que não participaram da construção do movimento, por ficarem presos em casa, aderem de última hora, e vão para a linha de frente direto. Eles seriam, então, revolucionáriso de última hora, aqueles que só aderem ao movimento quando ele explode, quando a massa está ali. Mas que não participam do processo.

    De qualquer jeito, o diretor me parece querer tratar muito mais de uma questão psicológica, do que de uma questão revolucionária. Talvez, e bem talvez, é capaz que cada personagem seja alguam representação de algum conceito da psicologia, como id, ego, super-ego uhahua. Não sei. To chutando. Mas tem várias coisas que colocam essas questões psicológica, como isso que você falou, que eu não tinha pensado, como o quarto da Isa é intocado, imaculado, ali, perfeitinho, congelado no tempo. Um ponto bem obscurecido e profundo dela.

    ResponderExcluir