domingo, 22 de maio de 2011

Melancolia

Ele estava sozinho, procurando as palavras mas elas simplesmente não surgiam. Deu outro gole na bebida e deixou o liquido dourado passear pela sua boca, primeiramente no meio da língua, e não sentiu gosto de nada. Depois na ponta, e sentiu-o excitando sua língua, embora não apreciasse tanto o gosto ali, e por fim engoliu. No fundo da língua apreciou o gosto amargo e esfumaçado da bebida. A mistura dele com a sensação na língua lhe deu arrepios pelo corpo, e ele ficou alguns segundos sem pensar em nada, apenas apreciando aquele momento perdido no espaço e no tempo. No espaço e no tempo.
Em volta, as pessoas riam e conversavam alegremente, ou pelo menos pareciam alegres. E ele sentia que não pertencia aquele lugar. Olhar essas pessoas era como olhar caricaturas, exageros de existência. Sua solidão foi violada pelo garçom:
- Outra dose?
- Por favor.
E voltou aquele momento, só dele. E desejou que nunca acabasse, que o tempo não o profanasse. Mas era impossível ele sabia. Apreciou sua última dose e se preparava para ir embora quando ela se sentou ali, a sua frente, com um vestido vermelho, os cabelos negros, ondulados, soltos . Seu belo rosto. Ela lhe disse:
- Permaneça comigo, por um momento.
Ele se sentiu confuso. Todo seu corpo, todo seu inconsciente já tinha aceitado a solidão, já tinha aceitado que ia embora. Mas o pouco que restava do seu consciente lhe disse para se sentar. Depois de se olharem por um tempo, ele se sentou. O garçom se aproximou de novo e ela disse:
- Por favor, uma água para mim, e para ele pode trazer o mesmo que ele estava bebendo.
Com um aceno da cabeça, o garçom saiu. E os dois ficaram se olhando, sem dizer nada. O garçom voltou com as bebidas, colocou-as na mesa e partiu para atender outros clientes. Olhou para sua dose, e ficou um pouco confuso. Não entendia a razão de tudo isso. Ela quebrou o silêncio:
- Não precisa ficar assustado, pode tomar. É só para te agradecer.
- Me agradecer?
- Sim. Por tentar salvar minha vida - ele a olhou confuso, não conseguia se lembrar de tê-la visto antes, tentou forçar a memória, mas nada. - Mesmo tendo falho. Mas não foi culpa sua, ninguém poderia ter feito nada mesmo.
Ele riu levemente, não sabia se tinha bebido demais, ou se ela que era louca. Pegou o copo e tomou um gole.
- E quando foi isso?
- Daqui a pouco.
- Então não aconteceu ainda? - perguntou, juntando suas energias nas tentativa de entender.
- Propriamente, ainda não. Mas de certa maneira, já aconteceu.
Ele a olhou confuso. Quem era essa mulher? Ela notou a confusão no rosto dele e deu uma risadinha. Deu um gole na sua água:
- Ontem eu tive um sonho, mas não dá para dizer que é propriamente um sonho. Talvez um delírio? Não sei. Eu estava num estado de semi-consciência, deitada na minha cama. Eu olhei para o lado e havia uma pessoa ali. Me assustei, mas não conseguia me mexer. Quando olhei melhor, percebi que era eu mesma. Mas era eu em todas as idades possíveis, como se elas pudessem existir no mesmo espaço, independente do tempo. Sim, imagino que a ausência do tempo causaria isso. É como se todos nós, e todas as coisas, existíssemos em todas as nossas formas, da criação até a morte, e o tempo decidisse qual devemos assumir. Entende?
Olhou-a. Mas não disse nada, apenas fez um aceno com a cabeça e bebeu.
- Então, em seguida eu comecei a ver diversas cenas em sucessão. É dificil explicá-las e não importam tanto. O que importa é que elas avançavam rapidamente, até que começaram a diminui de velocidade e eu estava aqui, nesse bar.
- Deixe-me adivinhar: ai você me pagava uma bebida?
- Não... A gente não se encontrava, pelo menos não nessa situação. Mas mais pra frente. Um pouco antes de eu morrer.
- Morrer?
- Eu vi minha morte. Hoje é o dia em que eu morro. E gostaria de te agradecer, porque não poderei fazê-lo. Mas preciso ir. Até daqui a pouco.
Ela se levantou e foi até outra mesa, aonde um rapaz a esperava. Ela se sentou e eles conversavam alegremente. Ele ficou observando, curioso. Ela era bela. Mas qual a razão de tudo isso? Talvez uma aposta, talvez ela quisesse tirar com a cara dele. Havia bebido muito para se importar. Levantou, pagou a conta e saiu.
Chegou até seu carro no estacionamento, entrou nele. Se sentou. Estava muito bêbado para dirigir e estava cansado. Havia um carro de polícia lá fora. Resolveu esperar um pouco, até eles saírem para sair também. Encostou no banco e fechou os olhos. Quando os abriu de novo não sabia quanto tempo havia passado, o carro de polícia já não estava mais lá, nem vários outros no estacionamento. Não sabia quanto passou. Estava atordoado ainda. Procurou a chave no bolso e colocou na ignição. Quando ia ligar, ouviu passos e olhou para o lado. A mulher estava entrando no estacionamento. De algum lugar das trevas surgiu um cara que tentou pegar a bolsa dela. Ela não a soltou, e ele deu um disparo.
Abriu a porta do carro, o bandido, ao ouvir o barulho, pegou a bolsa e saiu correndo. Ele foi até a mulher. Ela estava no chão, sangrando. Eles se olharam. Ela deu um sorriso, tombou a cabeça e morreu ali, na companhia do homem.

5 comentários:

  1. what makes you think she was dead?

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  2. Hum?!
    The way she talks in the past?

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  3. sure, but let me rephrase then: what makes you think she was real and, therefore, able to die?

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  4. Maybe she wasn't. But in the mind of the male character she was real.

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  5. yeah..and that's whats matter, i guess

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