sexta-feira, 9 de março de 2012

cousa que cae

assistia todo aquele evento carnal, lascivo. admirava cada movimento ritmado e compassado e suado. era um casal como outro qualquer, mas estavam engajados ali, solenes e silenciosos, como se cumprissem uma tarefa ou um dever. cumpriam o protocolo como se soubessem cada passo de cabeça, memorizado na repetição eterna do ato. passava como um filme: o tempo real, a câmera em primeira pessoa, sem cortes e sem trilha sonora. era lindo. dava a impressão de vida. eu vivia o que estava vendo. as luzes apagadas me atiravam no telão; eu podia sentir o cheiro do ar empapado e o gosto do suor misturado a perfume. o toque gelado da pele trêmula. quero morrer e ver o filme da minha vida. celulóide etérea. ângulo onipresente. atuação impecável. deus como diretor e eu como roteirista. fotografia: o secretário de obras públicas e os pichadores da minha cidade.

filme chato. sem ação, sem narrativa. o trailer me enganou. não existe filme chato nos trailers. todos são bons, com uma história intrigante, um must-see. é isso. minha vida vai ser isso. um trailer. vou tirar o fôlego da plateia nos breves dois minutos e dez segundos. ao fim, cochichos animados, logo seguidos do silêncio em respeito a nova vida que se exibe, que compenetra, que suscita sonhos. meu filme não vai estrear.

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