quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Sim senhor!, 2008 (dirigido por Peyton Reed)

A capacidade para afirmar a vida diante do imenso e evidente despropósito da rotina e das frustrações cotidianas está colocada, neste filme, como um desafio que se torna possível a partir do compromisso esdrúxulo e sedutor de dizer sim a todas as propostas.

Obviamente, este motivo, dizer sim a todas as coisas, rende um filme, dado o estágio alcançado pela consciência generalizada de que as frustrações humanas e a sensação de falta de sentido na vida decorrem da negação dos impulsos e das resistências às oportunidades e ocasiões que aparecem mais ou menos aleatoriamente. Estas resistências têm como objetivo preservar estabilidades e estados de segurança que cada vez mais aparecem no cinema de humor-com-auto-ajuda, como modos de escravidão voluntária que só fazem atravancar o movimento natural das coisas, com isso, impedindo que os acontecimentos de uma vida sem protecionismos criem, espontaneamente, mais acontecimentos.

Obviamente que está aqui colocada uma afirmação da pensamento liberal como uma transposição plenamente adequável a vida dos indivíduos. Claro está, também, pelos próprios pressupostos do pensamento liberal, que se um conjunto de princípios aplica-se ao indivíduo – no qual subjaz a essência que define a verdade das coisas – ele se aplica também aos mais diversos níveis de associações entre indivíduos.

Dizer sim, portanto, significa estar aberto às possibilidades, livre de preconceitos e apegos tradicionais que bloqueiam as oportunidades de mudança e de aceitação das novidades. Essas novidades se mostram boas e estimulantes, fazem sentir-se vivo quem estava como morto. Mas não é tão simples, porque ao adotar seu compromisso de dizer sim, Carl percebe, e afirma categoricamente, que mesmo as coisas ruins podem produzir coisas boas. Está aberto, então a tudo, inclusive ao inesperado, ao inconsequente e ao doloroso, e isso gera, de um modo ou de outro, benefícios. Enquanto o mestre do grupo/seita de auto-ajuda que propaga o "dizer sim", não esclarece que o compromisso de dizer sim não precisa ser radicalmente posto em prática, as ocasiões de negação trazem punições como que governadas por uma força maior e transcendente que impede o retorno a negação. É esta força maior que impede de ceder ao medo, cuja disposição predominante é a negação, cujo resultado é a preservação de um estado letárgico que só pode levar a sucessivos fracassos e, consequentemente a um estado de frustração permanente.

Este momento de relativização do “dizer sim”, que ocorre já na segunda metade do filme, é decisivo para pontuar o sentido da afirmação da vida antes que chegue o momento do desfecho. É o momento em que se coloca, como implicação não explicita, a distinção entre afirmação da vida e autodestruição. É o momento em que se afirma, também, apesar de tudo, os princípios da responsabilidade, da maturidade e da honestidade. A honestidade está, sobretudo, no argumento de que as relações interpessoais, para terem valor dependem de avaliações conscientes e consequentes, que partam de uma reflexão interior. Deste modo, “dizer sim” para tudo torna, para Allison, o amor de Carl sem valor, uma vez que, ainda que na prática as coisas funcionem melhor que nunca, todas as suas atitudes foram tomadas baseadas no princípio fixo de “dizer sim”.

Ao espectador, as inspirações suscitadas ao longo do filme – “eu deveria dizer sim à vida!” – que vão aos poucos estimulando o fascínio por uma inconsequência improvável, sofrem, nesse momento uma redução de potência, que o traz de volta à realidade, no entanto de modo apenas a fazê-lo reconhecer a validade de disposições às quais ele já adere: responsabilidade, maturidade, previdência. “É preciso saber dizer não.” O princípio liberal não pode prescindir de um conjunto mínimo de forças organizadas para a manutenção da ordem, portanto. Essas forças apenas não podem ter a pretensão de controlar a totalidade das coisas, uma vez que isso coloca em risco a vitalidade natural segundo a qual oportunidades geram oportunidades.   

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