quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Ideologia como instância superestrutural ampla pra caralho

Nos dois primeiros bancos no interior de um ônibus que se desloca lentamente em meio ao engarrafamento, dois trabalhadores pelegos comentam o inconveniente:

Trabalhador 1: - Por que esse busão não anda, Jesus Cristo?

Trabalhador 2: - É que tem uns vagabundos sentados na frente da Prefeitura, fechando a rua protestando.

Trabalhador 1: - Protestando o quê?! Vai arrumar o que fazer...

Dois bancos mais atrás, dois estudantes engajados ouvem a conversa e comentam entre si:

Estudante 1: - Olha só... por que esses pobres não usam essa insatisfação para derrubar as opressões dominantes? Mas não! Ficam aí dividindo a classe, incapazes de demosnstrar solidariedade à luta ...

Estudante 2: - É.

A conversa continua nos bancos da frente

Trabalhador 2: - É o pessoal da saúde que foi mandado embora. Agora ficam aí sentados no meio da rua.

Trabalhador 1: - Saúde?! desse jeito parece mais pessoal da doença...

Trabalhador 2: -Não tem jeito, hoje em dia quem quer trabalhar tem que ser qualificado. Tem que estudar, se esforçar... Se não é mandado embora e quer reclamar. Eu saio às 4 da manhã, passo o uniforme, arrumo a casa e vou pro curso. Depois vou direto pro trabalho. Tem que ser esforçado. Só durmo no busão, do bairro até o centro.

Trabalhador 1: - Esforçado é filho de pobre que tem que ralar desde cedo, aprende a dar valor. O resto é filhinho de papai, tem tudo na mão, aí não aprende, nunca aprende a trabalhar direito. Quem não precisa se esforçar pra ter as coisas não cria amor pelo trabalho. Sem amor o trabalho sai mal feito.

Nos bancos de trás, os estudantes engajados ouvem mordidos e decepcionados os juízos dos trabalhadores pelegos.

Estudante 1: É que nem eu li naquele texto de ontem... enquanto os trabalhadores não superarem o discurso burguês do mérito individual, eles competirão eternamente entre si por migalhas no mercado do trabalho... Só estão preocupados com suas vidinhas: chegar logo em casa... enquanto isso seus iguais estão protestando por seus direitos.

Estudante 2: É.

Estudante 1: Além disso não é só filho de pobre que se esforça... depende da consciência...

Nos bancos da frente:

Trabalhador 1: - E você tem filhos?

Trabalhador 2: - Filhos?! Nesse mundo de hoje?! Como?! Hoje em dia filho não obedece pai! É o fim do mundo.

Trabalhador 1: - Obedece sim... Tem que saber criar. Sem bater, se bater perde. Você tem que saber colocar a palavra certa, ensinar respeito.

Trabalhador 2: - Acontece que hoje em dia você dá a palavra certa em casa... aí eles vão pra rua, vão pra internet, televisão... e aprendem só o que não presta.

Trabalhador 1: - Acontece... os filhos fracos de cabeça vão pela idéia errada... Tem que largar mão deles, deixa sair pelo mundo, sofrer até aprender. Mas tem que largar de filho assim e fazer outros filhos novos. Os que têm condição de ir pra frente vão aprender o certo, enquanto que o que não presta não presta. É a natureza..

Um dos estudantes colocou fones de ouvido, o outro abriu um livro.
Quando o ônibus passou ao lado do protesto dos trabalhadores concentrados em frente à prefeitura, um dos trabalhadores de dentro do ônibus levantou-se, colocou a cabeça pra fora e gritou:


Trabalhador 1: - Vão procurar o que fazer, bando de vagabundos!!


Nenhum comentário:

Postar um comentário