sábado, 12 de maio de 2012

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É o dia do jogo. Vamos narrá-lo direto da quadra. Aquela adrenalina do público, dos jogadores, minha. Uma hora e quarenta e cinco minutos antes do início da partida são abertos os portões. Todos vão chegando e se recostando. Trazem óculos de sol, bonés, protetores frescos nas faces, roupas limpinhas onde o branco é mais branco e o azul é mais azul que o céu ensolarado. Trazem namorados, mulheres, amigos, mães, filhos. Trazem comida. Meu Deus, como podem comer num dia destes? O nervosismo é grande em mim, nos jogadores. No público já não é considerável. O sol alto do meio dia desce como um manto sobre a quadra, perfeitamente perpendicular. Não existem sombras que não aquelas dos guarda-sóis montados sobre os banquinhos amarelos ainda vazios porque os jogadores ainda não saíram dos vestiários. A iluminação perfeita provida pelo belo dia permite que cada centímetro da quadra esteja bem visível da nossa cabine. Imagine do banco do árbitro. Os juízes de linha não vão errar uma hoje. Não podem errar. O público continua entrando com uma calma que não corresponde com a tensão e o clima pesado que a proximidade do jogo vai criando. Tento me acalmar meditando por alguns minutos. Quando me dou conta, o narrador, meu amigo Jarbas Jaque, já estava iniciando a transmissão e os jogadores já estavam em quadra aquecendo. "...neste belo dia de sol, vamos assistir a partida...". É isso, é agora. Ele vai me apresentar. "...que vocês vão curtir aqui com a gente, não é Álvaro Altares?". Hesito por um nano-segundo. Merda, eu engasguei na minha primeira fala na televisão. "É isso mesmo, Jarbas. Bom dia amigos do esporte, hoje um confronto que vai definir o novo campeão da...ah! verdade!". Um riso sem graça tenta encobrir meu nervosismo enquanto eu corrijo o "bom dia" para "boa tarde". Continuo minha fala como se fosse uma preleção: "...o favorito de todos os tempos enfrenta hoje a sensação desse Grand Slam, um tenista estreante que vem surpreendendo e galgando posições no ranking no entradas e que tornou-se um ótimo candidato ao título...". Foi automático. A primeira grande participação correu bem. Meu texto de apresentação estava interessante, eu falei com naturalidade, calma. Só mais algumas participações como esta e eu estou pronto para ir embora, aliviado.O grande Jarbas segue com a narração impecável. Talvez um dia eu seja como ele. "Álvaro, eu confio que Peter Duck não vai deixar o sucesso recente de Reddie Skin abalar seu ótimo tênis e sua reputação de mais de 13 títulos. Há muito em jogo, mais do que o campeonato deste Grand Slam. E você, quem acha que leva o caneco pra casa?". Nossa, essa foi inesperada. "Ah, Jaques Jarba, esses jogadores iniciantes e inexperientes podem sempre surpreender contra os grandes nomes do esporte. Geralmente trazem grande perigo nos sets iniciais e costumam superar o adversário favorito, mas devo concordar com você de que Duck não deixaria uma derrota no set inicial abalar seu jogo. A experiência de campeão o mantém focado e sabedor de que a vitória só é alcançada ao fim de todos os sets". Uau, se eu continuar assim vou tomar o emprego do Jarbas rapidinho.
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Tudo que sei é que o jogo não terminou bem. Os dois atletas disputaram ponto a ponto. O comentarista da tevê local infartou no fim do terceiro set.
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Construir um personagem durante umas tantas linhas para depois matá-lo em umas poucas. O que isso diz sobre o seu caráter?

2 comentários:

  1. tantas poucas linhas engolem tempos diversos, geralmente mais do que o planejado.
    em quantas linhas constrói-se um caráter...?

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  2. dizem por aí que menos de uma. uma frase, uma oração...são tempos de afirmação alheia, convenhamos.

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