terça-feira, 5 de março de 2013

A festa de Babette, 1987 (dirigido por Gabriel Axel)


O filme discute a relação entre as transformações dos costumes e a tendência à imobilidade das comunidades tradicionais.

Desde o início a presença de Babette na casa humilde de Martina e Philippa é um elemento de estranhamento. Babette é uma cozinheira francesa, Martina e Philippa são mulheres muito simples, profundamente religiosas, filhas do pastor de uma aldeia isolada da Dinamarca, fundador de uma igreja própria que segue dos preceitos de Cristo. Estes atributos, assim como a expressão sempre serena, as roupas sem cor, o trabalho de caridade, caracterizam as irmãs.

Quando Babette se dispõe a preparar um jantar francês para a comemoração do centenário do pastor, coloca-se a situação de contraste de realidades. A comida da aldeia é caracterizada como todas as outras coisas: sem cor, invariável e na medida do suficiente. Quando chegam os produtos encomendados por Babette, é a variedade e a diversidade que causam espanto e terror às pessoas da aldeia. Os ingredientes são apresentados em uma profusão de itens exóticos: uma tartaruga morrendo sobre a pia, uma cabeça de boi, pés de galinha, uma gaiola com codornas vivas. Esta profusão de animais e partes de animais horríveis chega ao nível do delírio no pesadelo de uma das irmãs, em que a cabeça de boi a tartaruga e todas as coisas se misturam. No pesadelo aparece também o vinho como elemento central do medo.

A natureza do horror é explicitada e traduzida pelas irmãs em termos religiosos. O desejo de agradar Babette permitindo que preparasse o jantar, acabou colocando em risco a comunidade, colocando a comunidade em contato com forças do mal. Os convidados para o jantar são os poucos seguidores restantes da religião do velho pastor. Suas considerações antes do jantar são importantes para a tensão que se criará durante o jantar e, para a satisfação das expectativas sobre o que deve vir depois. Nessas considerações os religiosos entram em acordo de que ninguém dirá uma palavra sobre a comida. Eles irão comer, mas a comida não importa, é alimento do corpo, mera prisão material e temporária da alma.

Quando é servido, evidencia-se o luxo da decoração, com grande quantidade e, variedade de candelabros, taças, pratos e talheres especializados. Cria-se o primeiro contraste em relação à simplicidade das vestes, expressões e gestos dos convidados. Um novo elemento de contraste aparece, é um novo convidado, o General Lorens vindo da corte da Suécia, é um homem que já esteve em Paris. Ele está fardado e tem a capacidade de distinguir as marcas e as safras dos vinhos, faz elogios e não esconde sua satisfação com a comida.

O comportamento dos convidados religiosos tem uma transformação gradual que conduz as expectativas criadas até seu desfecho. Eles comem, permanecem em silêncio, mas já é possível perceber em suas expressões uma satisfação que surge independente de seus esforços, prazer na comida. Seguem-se tentativas de resistência, nas quais citam a vida exemplar de fé e os ensinamentos do velho pastor. O vinho é o elemento desbloqueador final, que acelera a transformação das disposições em relação à comida.

De fato, Babette se considera uma artista e declara às irmãs, ao final do banquete, que para uma artista não há satisfação maior que fazer bem feita sua arte, portanto não se arrepende de ter gastado com o jantar todo seu dinheiro. Evidencia-se o lugar da preparação da comida como arte e o entendimento da arte como prática que transforma a partir da conquista das sensibilidades. Nesse caso, especificamente, a arte conquista em nome da civilização, do gosto francês abrindo aquelas mentes dinamarquesas obscuras.

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