sexta-feira, 16 de julho de 2010

Tradução - Trecho do livro: "Um Estudo em Vermelho"

Tradução do trecho: Doyle, Conan A. Sherlock Holmes: The Complete Novels and Stories - Volume I. Bantam Dell, NY, pp. 63 - 65, 2003


Parte 2
O País dos Santos


Capítulo 1
Sobre a Grande Planície Alcalina


Na porção central do grande Continente Norte-Americano existe um deserto árido e repulsivo, que por muitos longos anos serviu de barreira contra o avanço da civilização. Da Sierra Nevada até o Nebraska, e do Yellowstone River no norte até o Colorado no sul, há umm local de desolação e silêncio. A Natureza não apresenta um único humor através desse distrito desagrádavel. Ela se constitui de altas montanhas com neve nos picos, e vales tenebrosos e profundos. Há rios velozes que correm através dos cânions irregulares; e há enormes planícies, que no inverno são brancas por causa da neve, e no verão são cinzas por causa da areia salgada e alcalina. Todos preservam, entretanto, as características comuns de aridez, inospitalidade e miséria.

Não existem habitantes destas terras de desespero. Grupos de Pawnees ou de Blackfeet ocasionalmente atravessam-na para atingir outros campos de caça, mas, mesmo os mais corajosos dos valentes ficam felizes de perderem de vista estas planícies imponentes e de se encontrarem de novo nas suas pradarias. Os coiotes se movem furtivamente entre as gramíneas, a águia bate suas asas sobre o ar, e o desajeitado urso pardo caminha pelas ravinas sombrias, e pega qualquer alimento que consegue encontrar entre as pedras. Esses são os únicos moradores na região selvagem.

Em todo o mundo não pode haver visão mais desoladora que aquela da encosta setentrional do Sierra Blanca. Até o alcance da visão se estende a vasta terra plana, toda salpicada de áreas alcalinas, e entrecortada por grupos de arbustos contorcidos. Na extremidade do horizonte erguem-se uma longa cadeia de montanhas, com seus cumes acidentados cobertos de neve. Nessa imensa extensão de terra não há sinais de vida, nem de qualquer coisa que se assemelhe a ela. Não há qualquer pássaro no céu azul, nenhum movimento em cima da terra dura e cinza – acima de tudo, existe o silêncio absoluto. Alguém pode tentar ouvir o quanto quiser, não há qualquer sombra de som em todo este impressionante deserto; nada, apenas silêncio – perfeito e opressivo silêncio.

Foi dito que não há nada que se assemelhe a vida nessa larga planície. Isto é dificilmente verdadeiro. Olhando de cima do Sierra Blanco, pode-se ver uma trilha feita através do deserto, que se vai e se perde na extrema distância. Ela é cheia de marcas de rodas e pisoteada pelos pés de muitos aventureiros. Aqui e ali há objetos brancos espalhados brilhando no sol e se sobressaindo ao depósito amortecido de alcalina. Se aproxime e os examine! São ossos: alguns largos e grossos, outros pequenos e delicados. Os primeiros pertenciam a bovinos, enquanto os últimos a homens. Por mil e quinhentas milhas é possível seguir a rota dessa caravana aterrotizante pelos restos dispersos daqueles que tombaram pelo caminho.

Olhando para este mesmo cenário, lá estava, no dia quatro de maio, 1847, um solitário viajante. Sua aparência era tal que ele poderia ser tanto o gênio como o demônio daquela região. Um observador acharia difícil dizer se ele estava mais próximo dos quarenta ou sessenta anos. Sua face era magra e cansada e sua pele morena, parecendo pegarminho, estava repuxada sobre os ossos salientes; sua barba e seus cabelos longos e castanhos continham vários fios brancos; seus olhos estavam enterrados em sua cabeça e queimavam com um brilho anormal; enquanto a mão que carregava o rifle não tinha muito mais carne que a de um esqueleto. Conforme ele se levantou, se inclinou sobre sua arma como apoio; e ainda assim, sua silhueta alta e estrutura óssea massiva sugeriam uma constituição forte e vigorosa. Sua face pálida, entretanto, e suas roupas, que pendiam folgadas sobre seus membros ressecados, eram o que davam a aparência tão sênil e decrépita. O homem morria – morria de fome e de sede.

Ele caminhara arduosamente ravina a baixo, e de lá até uma pequena elevação, na esperança vã de avistar sinais de água. Agora a grande planície salgada se estendia em frente aos seus olhos, e o distante cinturão de montanhas inóspitas, sem qualquer sinal de alguma planta ou árvore, que pudesse indicar a presença de umidade. Em toda a larga paisagem não havia brilho de esperança. Norte, e leste, e oeste, ele observava com olhos selvagens e inquiridores, e então ele percebeu que suas andanças haviam chegado a um fim, e que ali, naquele penhasco deserto, ele estava prestes a morrer. “Por que não aqui, assim como em um leito de plumas, daqui 20 anos?” ele murmurrou, enquanto se sentava ao abrigo de um rochedo.

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