quinta-feira, 17 de março de 2011

Abismo

Marcos chegou em casa 20h cansado. Sabia que precisava escrever um relatório para amanhã, mas o sono era mais forte que ele e deixou-se deitar por alguns momentos. Acordou em direção ao trabalho, em seu carro, quando, de repente, alguém bateu em sua traseira e, devido ao empurrão, ele bateu no cara da frente. Mas continuaram seus caminhos. Sem parar.
Quando finalmente estacionou o carro, olhou o estrago. Havia amassado demais e o desespero tomou conta de seu coração. Era a primeira vez que batia, e não gostava do resultado da sua obra. Uma obra que duraria para todo o sempre. Mas não teve tempo de degustar a sensação, pois logo um automóvel furioso parou ao seu lado. O dono saiu e começou a xingá-lo, perguntar como ele bate o carro e simplesmente foge da cena. Não sabia o que responder e o homem continuava. Simplesmente disse que era culpa do carro da frente. Isso pareceu acalmar o homem que encostou-se no carro e acendeu um cigarro. Enquanto soltava fumaças delirantes, fumaças que começavam como espirais mas viravam cavalos selvagens que logo se tornavam bailarinas a se dissolver na chuva que começava.
O homem começou a andar e deixou o carro ali no meio do estacionamento mesmo. Sem se importar. Virou para Marcos e falou:
- Vou até o show aqui do lado.
Várias pessoas caminhavam em direção a uma tenda e Marcos resolveu segui-las. Chegou lá e percebeu que, só metade da construção era uma tenda, a outra metade era um palco e observou a multidão sentada em frente a ele, todos os tecidos cobrindo o lugar eram vermelhos. E Marcos ficou ali, parado do lado do estranho que acabara de conhecer, enquanto esperavam as cortinas se abrirem. O céu estava extradiornário, a lua maravilhosa, e as estrelas fantásticas. Nunca havia presenciado tanta paz. As cortinas se abriram e ali estava ela. Bela, deitada de maneira retorcida com vestes azuis no branco do chão. E começou a se levantar, e começou a dançar. Se tão leve, tão frágil, como se seu corpo fosse feito de água. Começava a amá-la.
E logo, ela estava sorrindo para ele. E, aonde estava o estranho estava ela agora, olhando-o, com um sorriso brincalhão. Não mais as vestes da dança, mas roupas casuais. Segurou o seu braço e puxou-o. Os ventos batiam em seu cabelo, e eles quase encostavam na face de Marcos. Sentiu o cheiro da moça, o que o deixou sem energias, e logo chegou a um barzinho. Sentaram-se no balcão. Ela pediu um vinho, ele um uísque. Beberam, enquanto conversavam, riam e se amavam. Atrás deles, criaturas como que saídas de uma pintura de Bosch, deleitavam-se com o ambiente. Algumas dançavam, outras tocavam e algumas apenas conversavam enquanto apreciavam sua bebida.
Naquele momento, o bar já se encontrava praticamente vazio. Apenas a banda e alguns casais. Foi quando ela decidiu se sentar no balcão e começar a cantar. Ficou maravilhado e não podia acreditar que ela era real. Mas não deixou tais questões se formarem por completo em sua mente, apenas deleitou-se com o momento, deleitou-se com a voz dela, cada vez mais potente. Toda aquela potência atingiu o frágil vidro das lâmpadas e elas estouraram. Mas, em vez de escuridão, um jorro de luz dourada e fresca começou a sair delas, como um conto de Gabriel Gárcia Marquez. Marcos se assustou e subiu no balcão, mas ela, ela fez o contrário. Mergulhou em toda aquela luminosidade. As outras criaturas pareceram não se importar. Continuaram a fazer o que faziam antes, até serem consumidas pela luz.
Marcos já estava na mais alta prateleira de bebidas, sem saber o que fazer. Quando ela emergiu de toda aquela luz. E sorria para ele, convidando a pular também. Ele contemplou aquela visão e, entre a sanidade de se manter na prateleira e a loucura de mergulhar nos braços dela, escolheu a segunda opção.
Nadaram com prazer e sem rumo, contemplando o céu, as criaturas que nadavam com eles e as ilhas. Foi numa dessas que decidiram fazer sua parada. E permaneceram ali, parados, entre duas árvores gêmeas, cheias de flores amarelas e violetas. Se olhavam e se beijavam. E logo, estavam numa montanha. Nela, Marcos conheceu o amor puro e sincero.
Quando acordou estava sozinho. Sua amada havia desaparecido e a luz secado. No silêncio e desespero voltou para casa e sentou-se na sua cama. Olhou para suas coisas, mas nada o contentava. Precisava revê-la. Pegou um pedaço de pau e quebrou a lampada do seu quarto,mas a esperança logo se tornou desespero, quando só escuridão saiu dali. A mais completa e brutal escuridão. A escuridão do silêncio. Mas não desistiu. Foi até a cozinha, pegou uma faca e cortou seus pulsos. E esperou. Logo, toda a cozinha estava cheia de seu sangue. Mergulhou nele e nadou, até encontrar novamente aquela ilha. Mas as árvores não tinham mais flores nem folhas. Apenas galhos retorcidos. E ali, entre elas, deixou sua vida esgotar-se.

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