sexta-feira, 27 de maio de 2011

Primeiro Problema da Observação

Bom, esses dias eu estava com duas idéias sobre observação. Uma delas eu esqueci, a outra lembro mais ou menos. Escreverei sobre essa. Mas como a empolgação já passou, provavelmente será uma sombra pálida daquele momento de inspiração hehe.

O primeiro problema da observação é o condicionamento que temos em nossa mente anterior ao nosso contato com o objeto. Ele vem da nossa própria vivência no mundo e cria moldes em nosso pensar, maneiras como vemos as coisas, as compreendemos e interagimos com elas, que ignoram a sua individualidade. Em outras palavras, criamos em nossas cabeças, formas que simplificam o real, e de certa maneira o destróem, o reduzem. Mas, mais complicado do que isso, é nos tornar cegos ao que realmente está na nossa frente. Paramos de ver o objeto, para ver a imagem do objeto que temos projetada em nossa imaginação, perdemos a capacidade de compreendê-lo por si.

Entrando numa questão mais específica, que é a questão do desenho. Quando olhamos para algo que desejamos desenhar, algo real, não necessariamente olhamos para aquilo realmente a nossa frente. Corremos o risco de pensá-lo em esquemas que antecedem a experiência. Esse é um dos riscos de se fazer um esboço esquemático antes da linha final, ver um objeto imaginário na nossa cabeça, um objeto que já aprendemos a desenhar em outras situações passadas, e não o objeto presente. Lógico que, é dificil criticar não se fazer um esboço esquemático antes, porque ele é o melhor método para calcular o espaço do desenho antes da versão definitiva. Mas há a possibilidade, de fazermos algo que não corresponde ao objeto.

Saindo da questão do desenho, podemos pensar como isso afeta também nossa vida nos relacionamentos com outras pessoas. As vezes, simplesmente não vemos a pessoa real a nossa frente, apenas vemos uma sombra, encoberta pela imagem que temos na nossa mente dela. Uma imagem que implica em aceitações, negações e expectativas. Então, pensemos em duas pessoas, como amigos as cobranças de um para outro são diferentes, por exemplo, de quando elas são namorados. É interessante pensar, que, nesse caso, cada uma delas tem uma idéia de amor, uma idéia de namoro, uma idéia da situação que é diferente. Essas idéias podem ser mais ou menos compatíveis, mas acho impossível serem iguais, porque cada pessoa terá uma percepção diferente, resultado de suas experiências pessoais. E ter essa percepção diferente, implica em ignorar o outro em favor do papel que você acredita, inconsciente ou conscientemente, que ele deve desempenhar. Assim, é possível se tornar cego a algumas características do outro que o definem ou algumas características chegam a ser vistas, mas como defeitos, que não são aceitáveis e por isso tem que ser mudados em favor de uma imagem que essa pessoa tem só em sua cabeça. É o que ela vê, mas ela não vê a pessoa real, ela fica cada vez mais diluída, mais fragmentada, mais destruída, para se encaixar dentro dos moldes na mente do outro. No caso eu só tratei essa questão do observar dentro da relação amorosa, mas com certeza é possível extender as várias outras interações, embora não farei isso aqui, porque seria muito exaustivo.

Então, essa é minha idéia sobre o primeiro problema da observação. Ver o objeto pelo o que ele é, não pela imagem que temos dele em nossa mente.

domingo, 22 de maio de 2011

Melancolia

Ele estava sozinho, procurando as palavras mas elas simplesmente não surgiam. Deu outro gole na bebida e deixou o liquido dourado passear pela sua boca, primeiramente no meio da língua, e não sentiu gosto de nada. Depois na ponta, e sentiu-o excitando sua língua, embora não apreciasse tanto o gosto ali, e por fim engoliu. No fundo da língua apreciou o gosto amargo e esfumaçado da bebida. A mistura dele com a sensação na língua lhe deu arrepios pelo corpo, e ele ficou alguns segundos sem pensar em nada, apenas apreciando aquele momento perdido no espaço e no tempo. No espaço e no tempo.
Em volta, as pessoas riam e conversavam alegremente, ou pelo menos pareciam alegres. E ele sentia que não pertencia aquele lugar. Olhar essas pessoas era como olhar caricaturas, exageros de existência. Sua solidão foi violada pelo garçom:
- Outra dose?
- Por favor.
E voltou aquele momento, só dele. E desejou que nunca acabasse, que o tempo não o profanasse. Mas era impossível ele sabia. Apreciou sua última dose e se preparava para ir embora quando ela se sentou ali, a sua frente, com um vestido vermelho, os cabelos negros, ondulados, soltos . Seu belo rosto. Ela lhe disse:
- Permaneça comigo, por um momento.
Ele se sentiu confuso. Todo seu corpo, todo seu inconsciente já tinha aceitado a solidão, já tinha aceitado que ia embora. Mas o pouco que restava do seu consciente lhe disse para se sentar. Depois de se olharem por um tempo, ele se sentou. O garçom se aproximou de novo e ela disse:
- Por favor, uma água para mim, e para ele pode trazer o mesmo que ele estava bebendo.
Com um aceno da cabeça, o garçom saiu. E os dois ficaram se olhando, sem dizer nada. O garçom voltou com as bebidas, colocou-as na mesa e partiu para atender outros clientes. Olhou para sua dose, e ficou um pouco confuso. Não entendia a razão de tudo isso. Ela quebrou o silêncio:
- Não precisa ficar assustado, pode tomar. É só para te agradecer.
- Me agradecer?
- Sim. Por tentar salvar minha vida - ele a olhou confuso, não conseguia se lembrar de tê-la visto antes, tentou forçar a memória, mas nada. - Mesmo tendo falho. Mas não foi culpa sua, ninguém poderia ter feito nada mesmo.
Ele riu levemente, não sabia se tinha bebido demais, ou se ela que era louca. Pegou o copo e tomou um gole.
- E quando foi isso?
- Daqui a pouco.
- Então não aconteceu ainda? - perguntou, juntando suas energias nas tentativa de entender.
- Propriamente, ainda não. Mas de certa maneira, já aconteceu.
Ele a olhou confuso. Quem era essa mulher? Ela notou a confusão no rosto dele e deu uma risadinha. Deu um gole na sua água:
- Ontem eu tive um sonho, mas não dá para dizer que é propriamente um sonho. Talvez um delírio? Não sei. Eu estava num estado de semi-consciência, deitada na minha cama. Eu olhei para o lado e havia uma pessoa ali. Me assustei, mas não conseguia me mexer. Quando olhei melhor, percebi que era eu mesma. Mas era eu em todas as idades possíveis, como se elas pudessem existir no mesmo espaço, independente do tempo. Sim, imagino que a ausência do tempo causaria isso. É como se todos nós, e todas as coisas, existíssemos em todas as nossas formas, da criação até a morte, e o tempo decidisse qual devemos assumir. Entende?
Olhou-a. Mas não disse nada, apenas fez um aceno com a cabeça e bebeu.
- Então, em seguida eu comecei a ver diversas cenas em sucessão. É dificil explicá-las e não importam tanto. O que importa é que elas avançavam rapidamente, até que começaram a diminui de velocidade e eu estava aqui, nesse bar.
- Deixe-me adivinhar: ai você me pagava uma bebida?
- Não... A gente não se encontrava, pelo menos não nessa situação. Mas mais pra frente. Um pouco antes de eu morrer.
- Morrer?
- Eu vi minha morte. Hoje é o dia em que eu morro. E gostaria de te agradecer, porque não poderei fazê-lo. Mas preciso ir. Até daqui a pouco.
Ela se levantou e foi até outra mesa, aonde um rapaz a esperava. Ela se sentou e eles conversavam alegremente. Ele ficou observando, curioso. Ela era bela. Mas qual a razão de tudo isso? Talvez uma aposta, talvez ela quisesse tirar com a cara dele. Havia bebido muito para se importar. Levantou, pagou a conta e saiu.
Chegou até seu carro no estacionamento, entrou nele. Se sentou. Estava muito bêbado para dirigir e estava cansado. Havia um carro de polícia lá fora. Resolveu esperar um pouco, até eles saírem para sair também. Encostou no banco e fechou os olhos. Quando os abriu de novo não sabia quanto tempo havia passado, o carro de polícia já não estava mais lá, nem vários outros no estacionamento. Não sabia quanto passou. Estava atordoado ainda. Procurou a chave no bolso e colocou na ignição. Quando ia ligar, ouviu passos e olhou para o lado. A mulher estava entrando no estacionamento. De algum lugar das trevas surgiu um cara que tentou pegar a bolsa dela. Ela não a soltou, e ele deu um disparo.
Abriu a porta do carro, o bandido, ao ouvir o barulho, pegou a bolsa e saiu correndo. Ele foi até a mulher. Ela estava no chão, sangrando. Eles se olharam. Ela deu um sorriso, tombou a cabeça e morreu ali, na companhia do homem.

Desabafo


high school satanic intellectual boys

broder! to pegando a silvinha. aaaah mas esperava o que do cabrón? fucking nailed her last nite! ela tem umas amigas que eu to querendo te apresentar. sabe como é! não posso pegar todas, então passo pra vocês desenferrugarem os pintos.

o digão disse que tá mordendo a silvinha. eu sei. aquela ali qualquer um quer morder. mina foda pra caralho. fiquei sabendo que ela faz fanta uva em casa. ele deve tá mentindo. de caô, como diria aquele seu primo pateta. pergunta pra ela.

entrei no perfil dela do facebook e fui ver as fotos. me decepcionei, mas acho que é porque eu esperava um album "eu, nua". ela era linda e eu estava encantado. lógico que eu não tinha nenhuma chance com ela, então inventei que tinha.

como você não acredita em mim, fera? vou fazer umas fotos dela na minha cama. te mando no celular hoje a noite. quer dizer, se eu tiver tempo pra pensar em outra coisa a não ser nela.

mas que bela merda eu fiz. caralho, porra. isso é que é mulher. SILVINHA! CASA COMIGO? NÃO, SILVINHA! NÃO BATE NO MEU CACHORRO!! VOCÊ VAI QUEBRAR O MEU PORTÃO DESSE JEITO! TE AMO! VIVO DE CORNO! ai, caralho. EU DESÇO! MAS BATE COM CARINHO!

sábado, 14 de maio de 2011

quarta-feira, 11 de maio de 2011

DISSERTAÇÃO DO PAPA SOBRE O CRIME SEGUIDA DE ORGIA


"O assassinato é uma paixão como o jogo, o
vinho, os rapazes e as mulheres, e jamais
corrigida se a ela nos acostumar-mos.
O crime é venerado e posto em uso por toda a
terra. De um pólo o outro se imolam vidas
humanas.
Quase todos os selvagens da América matam os
velhos se os encontram doentes. É uma obra de
caridade por parte do filhos.
Em Madagascar, todas as crianças nascidas às
terças, quintas e sextas feiras são abandonadas
aos animais ferozes.
Constantino, imperador tâo severo e querido dos
cristãos, assassinou o cunhado, os sobrinhos, a
mulher e o filho.
Nos mares do Sul, existe uma ilha em que as
mulheres são mortas como criaturas inúteis ao
mundo quando ultrapassam a idada de procriar.
Em Capo Di Monte, se uma mulher dá à luz a
duas crianças gêmeas marido logo esmaga
uma delas.
Quando Gengis Khan se apoderou da China
mandou degolar à sua frente dois milhões de crianças.
Os Quóias furam as costas das vítimas a
pancadas de azagaia, em seguida cortam o
corpo em quartos e obrigam a mulher do morto
a comê-lo.
Os Hurôes penduram um cadáver por cima do
paciente, de maneira a que possa receber na
cara toda a imundíce que escorre do corpo
morto, atormentando assim o desgraçado até
que ele expire.
Os Irlandeses esmagavam as vítimas. Os
Noruegueses perfuravam-Ihes o crânio. Os
Gauleses partiam-Ihes a bacia. Os Celtas
enfiavam-Ihes um sabre no esterno.
Apuleio fala do tormento de uma mulher cujo
pormenor é bem agradável, coseram-na com a
cabeça de fora, dentro da barriga de um burro
ao qual tinham sido arrancadas as entranhas.
Deste modo foi exposta aos animais ferozes." - titãs

digerindo

c'est la vie
c'est la merde

e vai descarga abaixo sonho adentro e dia a fora.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

quinta-feira, 28 de abril de 2011

regras para o bom uso da sociedade

regras para o bom uso das máquinas de café:
1.café sempre moído, a não ser que seja árabe com papoula;
2.água sempre quente. se francesa, morna;
3.coador feito de algas viventes nos dentes caninos das baleias jubartes que passam pela noruega a cada 12 anos. quando reciclados, verdes;
4.pepinos verdes fritos;
5.talos permitidos: alho poró, castanha do pará, grão-pará, grão de bico, biba;
6.braços: quebrados, se de bebê, de mar, de rapunzel, da cachorra;
7.lingerie só de renda. quando bege, make it green;
8.espaço transcendental do ser: nada muito distinto do próprio pé;
9.grãos torrados;
10.sou fraco pro ópio.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

george orwell

"O fato que precisa ser encarado é que abolir as divisões de classe significa abolir uma parte de você mesmo. Aqui estou eu, um membro típico da classe média. Para mim é fácil dizer que desejo que as distinções de classe desapareçam, mas quase tudo o que penso e faço é resultado das distinções de classe. Todas as minhas ideias - meus conceitos sobre o bem e o mal, o agradável e o desagradável, o engraçado e o sério, o feio e o bonito - são, essencialmente, conceitos de classe média; meu gosto para livros, comida, roupas, meu senso de honra, minhas boas maneiras à mesa, as expressões que uso ao falar, meu sotaque, até mesmo os movimentos característicos de meu corpo, são produtos de certo tipo de educação e de certo nicho que fica mais ou menos na metade da hierarquia social. Quando me dou conta disso, percebo que não adianta dar tapinhas nas costas de um proletário e dizer que ele é um bom homem, tanto quanto eu; se eu desejar ter contato real com ele, tenho que fazer um esforço para o qual, muito provavelmente, estou despreparado. Pois para sair do esquema de classes eu teria que suprimir não apenas meu esnobismo particular, mas também a maior parte dos meus demais gostos e preconceitos. Tenho que modificar a mim mesmo tão completamente que no fim mal serei reconhecido como a mesma pessoa. O que está implícito aí não é simplesmente melhorar as condições da classe proletária nem evitar as formas mais estúpidas de esnobismo, e sim abandonar por completo as atitudes da classe superior e da classe média em relação à vida. E quanto a isso, direi sim ou não? Provavelmente depende de até que ponto eu percebo o que se exige de mim.
Muita gente, porém, imagina que consegue abolir as distinções de classe sem fazer nenhuma mudança desconfortável em seus próprios hábitos e na sua 'ideologia'. Vêm daí as impetuosas iniciativas para romper as barreiras de classe que podemos ver por todo lado. Em toda parte há pessoas de boa vontade que acreditam sinceramente que estão trabalhando para derrubar as distinções de classe. O socialista de classe média se entusiasma com o proletariado e organiza 'escolas de verão' onde o proletário e o burguês arrependido devem cair um no braço do outro e se tornar irmãos para sempre; e os visitantes burgueses saem de lá dizendo como tudo aquilo é maravilhoso e inspirador (os proletários saem dizendo coisas bem diferentes). E há também aquele tipo de burguês piedoso e benemérito, relíquia do período de William Morris e do socialismo cristão, mas ainda surpreendetemente comum, que vive dizendo: 'Mas por que deveríamos nivelar por baixo? Por que não nivelar por cima?', e propõe subir o nível da classe trabalhadora (até alcançar o seu próprio) por meio de higiene, suco de frutas, controle de natalidade, poesia etc. Até mesmo o duque de York (hoje rei George VI) organiza um acampamento anual onde se espera que jovens das public schools [na Inglaterra, "public school" é uma escola particular de elite, com elevados custos para o aluno] e garotos da favela se misturem em termos exatamente iguais - e, aliás, de fato se misturam nesse período -, mais ou menos como os animais nessas gaiolas do tipo 'Família Feliz', onde um cachorro, um gato, duas doninhas, um coelho e três canários mantêm uma trégua armada enquanto o olho do treinador está bem firme em cima deles.
Todos esses esforços deliberados e conscientes para romper as divisões de classe são, creio, um equívoco muito sério. Às vezes são apenas fúteis, mas, quando apresentam um resultado definido, em geral só servem para intensificar o preconceito de classe. E isso, pensando bem, é o que se poderia esperar. Você forçou o ritmo e armou uma igualdade incômoda, e nada natural, entre uma classe e outra; o atrito resultante traz à superfície todo tipo de sentimentos que sem isso teriam permanecido enterrados, talvez para sempre. [...] O sujeito de classe média que vota no ILP [Independent Labour Party] e o barbudo que toma suco de frutas são totalmente a favor de uma sociedade sem classes, contanto que enxerguem o proletariado pela outra ponta do telescópio; basta forçá-los a ter algum contato real com um proletário - entrar em uma briga com um estivador bêbado em um sábado à noite, por exemplo - e eles são capazes de voltar bem rápido a um esnobismo de classe média do tipo mais vulgar. A maioria dos socialistas de classe média, porém, não tem a menor probabilidade de entrar em brigas com estivadores bêbados; e quando fazem algum contato genuíno com a classe trabalhadora, em geral é com a intelligentsia da classe trabalhadora. Mas a intelligentsia da classe trabalhadora pode ser dividida nitidamente em dois tipos. Há o tipo que continua sendo da classe trabalhadora, que vai trabalhar como mecânico, operário braçal, ou seja lá o que for, e não se dá ao trabalho de mudar seu sotaque e seus hábitos proletários, mas que trata de 'educar a mente' em seu tempo livre e milita no ILP ou no Partido Comunista; e há o tipo que de fato modifica seu modo de vida, pelo menos exteriormente, e que, por meio de bolsas de estudo do Estado, consegue subir para a classe média. O primeiro é um dos melhores tipos de homem que temos por aqui. Lembro-me de alguns que conheci; nem mesmo o tory mais rígido e conservador poderia deixar de admirar esses homens e gostar deles. O outro tipo, com exceções - D.H. Lawrence, por exemplo -, é menos admirável.
[...]
Assim, é este o resultado da maioria dos encontros entre proletário e burguês; eles deixam a nu um antagonismo real, intensificado pelos clichês do 'proletariado', os quais também são produto de contatos forçados entre as classes. O único procedimento sensato é ir devagar e não forçar o ritmo. Se você se considera, secretamente, um cavalheiro e, enquanto tal, superior ao garoto de entregas do armazém, é muito melhor dizer isso às claras do que mentir. No fim você vai ter que largar mão do esnobismo; mas é fatal fingir que largou mão dele antes de estar realmente pronto para isso.
..."

Trechos da segunda parte de O caminho para Wigan Pier, escrito em 1936, tradução de Isa Mara Lando.

terça-feira, 26 de abril de 2011

quarta-feira, 20 de abril de 2011

ridiculismo

Quando eu era criança, eu fui um dia, com minha vó, no açougue. O açougue era vermelho, limpo e seco, mas isso porque o dia era frio e tinha muito sol. Esses dias frios de sol são terrivelmente opressivos, sobretudo pela manhã.
O bairro da minha vó era desses bairros estranhos e lentos.
No açougue, eu tinha uns 8/9 anos. Entrou alguém empurrando uma cadeira de rodas, e na cadeira de rodas tinha uma menina que não se mexia. Eu ri e depois chorei. Chorei de medo.
A paralisia cerebral tornou-se a imagem fixa da desgraça humana e a evidência inconsciente da neutralidade de Deus diante das questões humanas contemporâneas.
Minha vó comprou carne moída para fazer croquete. Enquanto minha vó fazia croquete, eu jogava baralho com meu avô na cozinha, e a cozinha era fria, escura, muito grande e acolhedora.

domingo, 17 de abril de 2011

rocks to the ground (crowd)

"vamos, ora porra!". cuspia no chão o cavaleiro retirado diretamente de algum filme de bang-bang dos anos 50. na mão esquerda tinha agarrada com força uma corda que prendia a boca de um saco de couro do qual pingavam gotas cada vez maiores um líquido mal cheiroso. da mão direita, saíam duas cordas, também presas com firmeza: a rédea do cavalo e a corda que tinha a outra ponta presa ao meu pescoço. comecei a caminhar seguindo o ritmo ainda lento do cavalo. em silêncio eu jogava olhares em direção ao horizonte, sempre com respeito. tudo o que eu lembrava naquele momento era dos carinhos que ela me fez enquanto eu estava jogado no chão da prisão, quase inconsciente. e o nó que coçava na nuca e apertava na garganta só me afastava cada vez mais dela. quando eu caí a primeira vez e meu rosto ralou na areia quente e pedregosa do chão eu pude sentir aquela mão novamente. desta vez ela segurava meu punho. minhas mão atadas não permitiram mais que um roçar de meu polegar em sua pele. nunca saberei se aquele carinho forçadamente velado recebeu uma aprovação dela porque não pude ver seu rosto. o sangue que descia pela minha fronte chegara ao meu olho. fui virado com o rosto em direção ao sol por mãos mais ásperas. o cavaleiro estava pingando em minhas feridas o líquido fétido que ele levava na bolsa de couro. as feridas se fecharam no tempo de eu me levantar com alguma dificuldade. voltamos a caminhar, eu e o cavalo. chegando a um ponto da estrada que tinha uma cruz cravada num monte pequeno de pedras, tive a oportunidade e aproveitei-a: estrangulei o cavaleiro com a corda que me prendia, montei o cavalo e fugi. a bolsa de couro me serviu de travesseiro mágico durante as noites. eu sonhava com foguetes e arpões, pirâmides e guerras. eu nunca quis acordar e foi-me dado o sono letárgico eterno. com meu corpo alimentei outros seres até ter consumido meu inconsciente e eu deixar de existir porque meus sonhos já não podiam se formar. levantei e fui viver novamente. afinal de contas: é para isso que estamos aqui.