quarta-feira, 5 de maio de 2010

coruja

Em um galho baixo de uma árvore, folhas verdes, musgo, casca seca, uma coruja. Pequena, seus olhos profundos, salientes, encaravam um ponto distante ou a mim, não sabia definir, era noite, enxergava pouco e, na verdade, contentava-me com isso. Movimentos sutis de sua cabeça fixavam ainda mais minha atenção nela. O vento noturno vagaroso balançava sua plumagem, mas ela permanecia impassível, com a decisão de ficar parada, decidida, decidida por algo que eu nunca saberei o que foi, é ou será. Meus tempos verbais, a história que eu criava, executava ou planejava para minha existência, eram inúteis naquele momento, um tanto mais para a coruja do que para mim, se é que podemos julgar a inutilidade de uma vida individual, das vidas de uma comunidade, de uma espécie, da razão.
Em uma placa de sinalização de trânsito, pare, letras pretas e círculo vermelho, uma coruja. Pequena, seus olhos profundos, salientes, encaravam um ponto distante ou a mim, não sabia definir, era noite, havia alguma iluminação, o suficiente para criar algum contraste entre áreas claras e escuras. Movimentos sutis de sua cabeça fixavam ainda mais minha atenção nela. Alguns raros automóveis ainda circulavam, motoristas voltando para casa depois de mais um dia de trabalho, motoristas saindo de casa para esquecer mais um dia de trabalho. Sentei no meio-fio por não sei quanto tempo e pensei em fumar, mesmo não sendo fumante e sem gostar de cigarros. Esperei, contudo, ela não esperava, ela sabia algo que eu não consegui imaginar naquele momento, merda, perdi a paciência e saí andando.
Em uma praça, pousada na grama recém aparada, contrastando com uma ou outra estátua de algum alguém já morto, uma coruja. Pequena, seus olhos profundos, salientes, encaravam um ponto distante ou a mim, não sabia definir, era noite, estava cansado e distanciava-me cada vez mais do caminho que pretendia seguir. Movimentos sutis de sua cabeça fixavam ainda mais minha atenção nela. Fui encarado. Passou-me um frio pela espinha, uma sensação de terror, um desespero sincero, minhas pernas criaram raízes, queria fugir, correr para o mais longe possível, impossível. No olhar da coruja pude ver algo como o meu reflexo, uma imagem aparentemente distorcida, todavia, compreensível, totalmente interpretável, maleável, manipulável, falseável, somente para mim naquele momento, para muitos outros, quando saíssem do conforto do sono. Ela estava viva, eu não.

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