domingo, 20 de março de 2011

ivan illich

“O universitário foi escolarizado para desempenhar funções seletas entre os ricos do mundo”.
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“A universidade moderna desperdiçou sua oportunidade de proporcionar um excelente local para encontros que seriam, ao mesmo tempo, autônomos e anárquicos, motivados mas não-planejados e entusiastas. Escolheu, ao invés, administrar um processo que fabrica a assim chamada pesquisa e instrução”.
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“Não há dúvida que, atualmente, a universidade propicia uma combinação única de circunstâncias que permite a alguns de seus membros criticarem a sociedade em seu todo. Concede tempo, mobilidade, acesso à informação e a outros colegas, certa impunidade – privilégios não concedidos a outros segmentos da população. Mas a universidade concede esta liberdade apenas àqueles que já foram profundamente iniciados na sociedade de consumo e na necessidade de haver escolas públicas gratuitas obrigatórias de qualquer espécie que seja.
O sistema escolar de hoje desempenha a tríplice função, própria das poderosas igrejas no decorrer da História. É simultaneamente o repositório do mito da sociedade; a institucionalização das contradições desse mito; o lugar do rito que reproduz e envolve as disparidades entre mito e realidade”.
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“A escola nos inicia também no Mito do Consumo Interminável. Este mito moderno se fundamenta na crença de que o processo produz, inevitavelmente, algo de valor e, por isso, a produção necessariamente cria a demanda. A escola nos ensina que a instrução produz aprendizagem. A existência de escolas produz a demanda pela escolarização. Uma vez que aprendemos a necessitar da escola, todas as nossas atividades vão assumir a forma de relações de clientes com outras instituições especializadas. Uma vez que o autodidata foi desacreditado, toda atividade não profissional será suspeita”.
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“Quando um homem ou uma mulher aceitou a necessidade da escola, torna-se fácil presa para outras instituições. Quando os jovens permitiram que sua imaginação fosse formada pela instrução curricular, estão condicionados ao planejamento institucional de qualquer espécie. A ‘instrução’ lhes turva o horizonte da imaginação”.
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“A escola pretende fragmentar a aprendizagem em ‘matérias’, construir dentro do aluno um currículo feito desses blocos pré-fabricados e avaliar o resultado em âmbito internacional”.
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“Quando as pessoas têm escolarizado na cabeça que os valores podem ser produzidos e mensurados, dispõem-se a aceitar qualquer espécie de hierarquização. Há uma escala para o desenvolvimento das nações, outra para a inteligência dos bebês; até mesmo o progresso em prol da paz pode ser calculado pelo número de mortos. Num mundo escolarizado o caminho da felicidade está pavimentado com o índice de consumo”.
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“A escola se presta efetivamente ao papel de criadora e sustentadora do mito social por causa de sua estrutura que funciona como um jogo ritual de promoções gradativas”.
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“A escola não é apenas a nova religião do mundo. É também o mercado de trabalho de mais rápido crescimento no mundo inteiro. A engenharia dos consumidores tornou-se o principal setor de crescimento da economia. Enquanto decrescem, nos países ricos, os custos de produção, há uma crescente concentração de capital e de trabalho na grande empresa de habilitar o homem para o consumo disciplinado”.
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“A alienação, na concepção tradicional, era conseqüência direta do fato de o trabalho ter-se convertido em trabalho assalariado, o que tirava do homem a possibilidade de criar e ser recriado. Agora, os jovens são pré-alienados pelas escolas que os isolam, enquanto pretendem ser produtores e consumidores de seus próprios conhecimentos, concebidos como mercadoria que a escola coloca no mercado. A escola faz da alienação uma preparação para a vida, separando educação da realidade e trabalho da criatividade. A escola prepara para a institucionalização alienante da vida ensinando a necessidade de ser ensinado. Aprendida esta lição, as pessoas perdem o incentivo de crescer com independência; já não encontram atrativos nos assuntos em discussão; fecham-se às surpresas da vida quando estas não são predeterminadas por definição institucional. A escola, direta ou indiretamente, emprega a maior parte da população. A escola ou retém as pessoas por toda a vida, ou assegura de que se ajustarão a alguma instituição”.
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“A desescolarização está, pois, na raiz de qualquer movimento que vise à libertação humana”.
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“A escola não é, de forma alguma, a única instituição moderna que tem por finalidade primordial bitolar a visão humana da realidade. O secreto currículo da vida familiar, do recrutamento militar, da assistência médica, do assim chamado profissionalismo, ou dos meios de comunicação de massa têm importante papel na manipulação institucional da cosmovisão humana, linguagem e demandas. Mas a escola escraviza mais profunda e sistematicamente, pois unicamente ela está creditada com a função primordial de formar a capacidade crítica e, paradoxalmente, tenta fazê-lo tornando a aprendizagem dos alunos – sobre si mesmos, sobre os outros e sobre a natureza – dependente de um processo pré-empacotado. A escola nos toca tão de perto que ninguém pode esperar ser dela libertado por meio de outra coisa qualquer”.
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“Todos estamos envolvidos na escolarização, seja pelo lado da produção, seja pelo lado do consumo. Estamos supersticiosamente convencidos que uma boa aprendizagem pode e deve ser produzida em nós e que nós podemos produzi-la nos outros”.
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“Se não questionarmos a suposição de que o conhecimento é uma mercadoria que, sob certas circunstâncias, pode ser infringida ao consumidor, a sociedade será cada vez mais dominada por sinistras pseudo-escolas e totalitários gerentes da informação. Os terapeutas pedagógicos doparão sempre mais seus alunos com a finalidade de ensiná-los melhor; os estudantes tomarão mais drogas para se aliviarem das pressões dos professores e da corrida para os diplomas. Número crescente de burocratas vai arvorar-se em professores. A linguagem do homem de escola já foi escolhida pelo publicitário. Numa sociedade escolarizada, a guerra e a repressão civil encontram uma justificativa educacional”.
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“Mais e mais países recorrerão à tortura pedagógica para manter submissa a população. Esta tortura pedagógica não é usada para obter informações ou para satisfazer necessidades psíquicas ou sádicas. Estriba-se num terror ocasional para quebrantar a integridade de uma população inteira e fazer dela material plástico, moldável aos ensinamentos inventados por tecnocratas”.
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“Enquanto não estivermos conscientes do rito pelo qual a escola modela o progressivo consumidor – o principal recurso da economia – não poderemos quebrar o encanto dessa economia e formar uma nova”.

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Trechos do ensaio “A ritualização do progresso”, presente no livro A sociedade sem escolas, originalmente publicado em inglês no ano de 1971.

Um comentário:

  1. Caralho, crítica selvagem as escolas.
    Bem interesante alguns pontos que ele levanta.

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