sexta-feira, 17 de maio de 2013

2001: Uma odisseia no espaço, 1968 (dirigido por Stanley Kubrick




É a questão do devir que está colocada como discussão central. O monolito é a ponte para o devir, especificamente no momento em que é tocado pelo macaco, no início do filme, e no final, quando está próximo à nave na qual estava David, na órbita de Júpiter.

A forma como são dispostos os elementos que compõem essas conclusões vão conduzindo o entendimento do argumento por meio de associações. Ao toque do macaco no monólito, segue a sequência na qual ele olha para os ossos com expressão de quem reflete pela primeira vez. A ideia da passagem evolutiva, do devir, do monolito como ponte entre o macaco e o homem é reforçada pela música Assim falou Zaratustra, que começa a tocar no momento em que que o macaco interage com os ossos demonstrando os primeiros sinais de raciocínio. No ápice da música, o macaco destrói justamente o crânio de anta depositado junto aos demais ossos, no que imediatamente é feito o corte para a imagem da anta caindo morta. A sequência seguinte deixa evidente o argumento de que ao aprender a matar, o macaco deu seu primeiro passo na direção do homem, no momento em que aparecem, pela primeira vez, comendo carne. Tudo isso fica enfatizado em contraposição ao que veio antes, longas sequências monótonas, entremeadas por questões de sobrevivência: aos macacos nesse momento, restava espantar as antas que disputavam os arbustos que serviam de alimento a ambos. Essa condição completamente instável fica ainda mais evidente quando, ao final da sequência, um leopardo ataca um dos macacos. Esta sequência representa, certamente, milhões de anos durante os quais não era certo que o homem em seu estágio primitivo sobrevivesse ao risco de extinção. À capacidade de matar como símbolo de um momento de passagem acrescenta-se a capacidade de matar, no contexto do conflito com um grupo rival de macacos. Este conflito já havia sido apresentado antes, na forma de um ritual de preservação do território próximo à água que ocorrera durante milhões de anos da mesma forma, estática no tempo. Após o toque no monolito este conflito tem um desfecho, um passo adiante, quando o osso, usado como arma serve para matar o macaco inimigo; e é justamente este osso que, jogado para cima pelo macaco vitorioso, torna-se, por um corte brusco, uma nave no espaço. A guerra, portanto, como ponto de partida da civilização.

A segunda discussão que se coloca diz respeito ao controle que o homem tem sobre suas criações. Especificamente, Hal, o sistema de inteligência artificial que controla toda a nave onde estão Frank e David, sobre o qual se enfatiza sua perfectibilidade, o que o coloca, tendo em vista a discussão central do filme, de certo modo, adiante do homem. Este aspecto fica ainda mais evidente no momento em que inicia a tensão que conduz esta segunda parte do filme, quando o erro de avaliação de Hal sobre o funcionamento da nave é por ele entendido como, sem nenhuma dúvida, um erro humano, uma vez que a série de computadores à qual ele pertencia jamais havia cometido erros anteriormente. Simbolicamente, está colocado o dilema a respeito dos limites do progresso tecnológico, quando este pode representar um risco à existência seus criadores – debate amplamente abordado na produção de ficção científica da época. Essa discussão é colocada no momento em que, percebendo que Hal poderia estar com alguma falha de sistema, Frank e David cogitam desligá-lo. Neste momento a lei de autopreservação de Hal sobrepõe-se a lei de cooperação com os humanos, ainda mais, segundo argumenta Hal, a missão – de levar a nave até a órbita de Júpiter - era importante para ele, e os humanos, se o desligassem colocariam, em seu modo de avaliar, a missão em risco.

Todo esse desdobramento tem como fator de reflexão uma questão colocada antes, a respeito dos sentimentos de Hal. Se Hal, como máquina, poderia ter sentimentos. [ Nesse ponto eu penso – relacionando com algumas discussões do Eu robô, de Isaac Asimov – que uma máquina com atributos de racionalidade complexos até o limite, ou seja, que a programação do sistema seja capaz de emular até os mínimos detalhes o funcionamento da mente humana, tem os sentimentos como desdobramento inevitável dessa própria racionalidade. A inteligência artificial é, de fato uma reprodução da mente humana e, deste modo, seus dilemas são os dilemas humanos, só que amplificados. Essa amplificação é, justamente, a infalibilidade, a supressão da possibilidade de erros, que é, ao mesmo tempo o ideal humano e a causa dos riscos de sua destruição pela máquina: a relação entre a racionalidade humana e a racionalidade humana sem erros.]. A afirmação de que, sim, Hal tem sentimentos, está em suas atitudes desesperadas de auto-preservação, quando mata Frank e o restante da tripulação, exceto David, mas também nos closes em Hal que apesar de ser apenas uma luz vermelha, pelo modo como é produzida a imagem, dá a sensação de que Hal tem expressão. Em segundo lugar, obviamente, o lamento de Hal, quando David consegue desligá-lo. Quando a nave, tripulada apenas por David, sem Hal, chega a Júpiter, recomeça a discussão sobre o devir, que envolve a presença do monolito. Tanto na ocasião em que o monolito aparece para os macacos como nessa – e, no meio do filme, na lua – ele está alinhado com o sol e com a terra. Na sequência final ele está alinhado ainda com a nave, com Júpiter e com outros planetas. Este alinhamento propicia a transcendência que, nesse momento, na órbita de Júpiter, conduz David até sua velhice e por fim, novamente com Assim falou Zaratustra, ao devir, desta vez para um além-do-homem, a criança estelar, que retorna à órbita da terra, de    
onde a contempla.

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