sexta-feira, 31 de maio de 2013

O Homem Urso (Werner Herzog, 2005)

O filme é um documentário que reúne, numa narrativa, várias horas de filmagem produzidas por Timothy Treadwell, ativista morto em 2003. Timothy passou os últimos 13 verões de sua vida em uma remota região do Alasca. Lá estudava, observava e convivia com vários ursos pardos, produzindo material e campanhas de defesa dos ursos e seus habitats em nível nacional nos EUA. O documentário vai além de mostrar apenas a beleza das paisagens, o amor de Treadwell pelos animais e pela natureza. Também não se limita a explorar o incidente que leva à morte do ativista e de sua namorada no acampamento em outubro de 2003. As questões levantadas dizem respeito a limites entre homem e natureza; abordam o conflito entre um ideal e uma sociedade; criam oposições que são verdadeiros paradoxos, nos quais cada posição é uma armadilha.

O documentário é repleto de passagens marcantes e tocantes. Cada cena desperta uma reflexão não necessariamente bem processada pelo expectador quando outra já lhe é oferecida. Entre a meticulosidade de Treadwell na produção das filmagens, seu convívio com os ursos, seus discursos inflamados e seus contratempos no acampamento vemos florescer um protagonista involuntário. Um personagem complexo, bem desenhado, pensado em seus mínimos detalhes e completo de tal forma que despertaria a inveja de muitos roteiristas. Daqueles personagens que amo porque não sei o que são: não sei como encaixá-los num padrão maniqueísta típico de romance barato, não sei como interpretá-lo, nem consigo tecer julgamentos sobre sua pessoa. E funciona tão bem que, ao fim do filme, quase elogiei o criador do personagem. E aquela consciência de sua  veracidade, de que não se tratava de um personagem inventado, que me assombrou o filme todo (e que tentei abstrair o filme o todo), aflora. Constrange. Treadwell viveu. Circulou entre nós. Entre os ursos. Morreu. Acho que é seu fim trágico que me sugeria vê-lo como fruto de uma mente criativa brilhante.

Como praticamente toda sua vida com os ursos era registrada, o momento de sua morte também acaba gravado. A câmera, com as lentes cobertas (porque ninguém se prepara para filmar a própria morte), grava o som ambiente do ataque de um dos ursos a sua cabana. Herzog, como diretor e narrador do documentário, tem acesso às gravações mas não as reproduz. Há uma cena que mostra Herzog com fones acompanhando o áudio e depois ele conversa com uma das amigas de Treadwell, que tem posse do material deixado por ele. O diretor recomenda que esta amiga nunca mais escute aquela gravação e também não veja as fotos feitas pelas autoridades do acampamento onde foram encontrados os corpos. Ela não faz menção em momento algum de que tenha vontade de se expor aos últimos gritos de Treadwell ou às fotos de seu corpo mutilado. Na verdade, sua comoção e seu estado emocional nas cenas não sugere uma pessoa muito à vontade. E Herzog lhe recomenda destruir a fita para que ela possa se libertar e poder seguir adiante com sua vida. No fim, estou indo longe demais. Essa atitude de Herzog, essa relação que ele estabelece com o material de seu documentário e com a vida dos envolvidos, faz refletir sobre o seu (o nosso, porque não?) olhar diante da matéria bruta do filme que, no fundo, é a natureza social e a identidade humana. E, exatamente esse tipo de questão, o filme coloca o tempo todo:

Quais são os limites que nos impomos? Quais são os limites que nos impõem? Quais são os limites que cruzamos todos os dias? Quais limites deveríamos estabelecer? Relutamos, mas no final fica parecendo que o homem é o urso do homem.

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