quarta-feira, 18 de novembro de 2009

diálogo monológico

[Sol. Descampado, um pasto. Cupinzeiros. Não há árvores. Um homem com chapéu de palha na cabeça e camisa aberta sentado em um cupinzeiro. Imensidão e cercas. Dez minutos passam, vento leve, mesmo assim muito calor e barulho de guizos. Uma cascavel sai de buraco da parte mais baixa do cupinzeiro, enrola-se, mantém o guizo guizando e olha para o homem.]

[Cascavel]: Qual o problema?

[Homem]: Consertar a cerca.

[Cascavel]: Qual o problema?

[O homem cala-se por alguns minutos, pensa em uma árvore, vê os mourões da cerca, imponentes, cruzando horizontes com seu formato vertical. Guizos.]

[Homem]: Eu não sei.

[Cascavel]: E o gado?

[Homem]: Em outras pastagens.

[Cascavel]: E você?

[Homem]: Conversando com uma cascavel.

[Cascavel]: Além?

[Não há nuvens. Não há trégua do calor. Não há silêncio nem barulho nem guizos, o mundo derrete em suor e trabalho. Guizos. O homem estica os braços, lambe os beiços, escarra. Cascavel impassível.]

[Homem]: Logo mais tenho que continuar o serviço, esticar o arame, prender, um, dois, três, quatro fios de farpa.

[Cascavel]: Onde está algum significado?

[Homem]: O arame está meio bambo naquele lado.

[O homem aponta um ponto à sua esquerda ao longe. Cupinzeiros, pasto, sol e cerca. A cascavel e seu guizo despreocupada.]

[Cascavel]: Não quero mais perguntar.

[Homem]: Falou comigo?

[Cascavel]: Talvez.

[O homem salta do cupim, pega suas ferramentas e anda pelo pasto rumo à cerca. A cascavel rasteja para o seu buraco.]

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Algum som para alegrar alguém, ou não:

2 comentários:

  1. Ah, a vida... O sol e o calor e a música.

    Sentado em seu mundo observando outro mundo que se passa. Procrastina? E, nesse sentido, conversa até imaginariamente com uma cobra, buscando algum senso em algo na imensidão vazia do calor?
    Ou delira? E no delírio louco causado pelo calor é a cobra que mantém sua sanidade enquanto pode, após ter saído da escuridão fresca do buraco.
    Ou é real? E a cobra nada mais que o demônio tentando convencer o homem a abandonar essa vida, até que o calor a vence também. Vence a ambos, com sua força dilacerante. Forçados a fazerem o que lhes restam. Trabalhar e ficar na escuridão eterna do buraco, calada, até que alguém lhe de voz de novo. Pois só assim poderá gozar do prazer de falar.

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  2. cacildis... você está excessivamente interpretativo gaetaninho!
    não pensei necessariamente em delírio ou tentação demoníaca. a imensidão vazia não é simples decorrência do calor.

    talvez eu considere esse texto como um texto de ausência.

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