quarta-feira, 18 de novembro de 2009

para falar da mesma coisa sem falar do mesmo jeito

O que houve naquele dia chamou-me a atenção porque nunca tinha visto algo assim. Quando disse "mãe, to saindo!" eu não imaginava que ao bater a porta de casa ia deixar tanta coisa para trás, bem como nem sonhava com tudo que ia encontrar. O problema dessa grande aventura é que não sei como contar-lhes sem pensar quase que ao mesmo tempo "na verdade, nao é bem assim". Mas façamos um trato [assim não vamos ter grandes problemas]: tudo que lerem [ou ouvirem, já que estou a todo momento com a história na boca] parte de premissas simplistas [isso porque acho dificil que uma puta, por exemplo, seja bem representada por quatro letras, duas delas vogais (as cinco letras que mais odeio no nosso idioma, porque vivem dando sentido a esses símbolos horríveis que juntamos por esse ou aquele motivo). A carga de sentidos que a palavra traz consigo tampouco ajuda em algo; acaba sendo um grande engodo, que no fundo cumpre seu dever de representação mínima (posso explicar esse conceito depois, em outra ocasião se me permitirem) e no fundo é do que dispomos para nossa atividade; vovó já dizia "não fala mal do vaso em que caga, muleque filho da puta"].

Seguia eu meu caminho para a escola [lembro até hoje da bombonierie que tinha no caminho, onde sempre parava para comprar doce e brincar com o totó (o cachorro)] quando percebi algo estranho: senti um calafrio, o arrepio subiu por todo meu corpo e minhas meias pareceram apertadas demais. Olhei para trás. Ninguém conhecido. Eu ali, parado na calçada sentindo falta de algo. Com sete ou seis anos de idade não sabia como é perigosa uma parada não sinalizada. Levei a mão aos bolsos da bermuda vinho que minha mãe passara na noite anterior. Sim, estavam ali [o sorriso invadiu meu rosto; melhor sensação essa do sentimento incontível]. Sim, eu tinha moedas! E meu tato identificou aquele papel estranho de notas sujas com rabiscos de caneta [aquele cheiro de coisa suja e velha, mas que todos dão muito valor]! Eu sabia que era uma de 500, uma daquelas com um cara de chapéu. Corri com a mochila nas costas [a matemática, o português, o burrinho alpinista; nada disso pesava naquele momento]. Contando agora posso lembrar do som do cascalho sob meus pés durante a corrida; lembro também do som seco de quando parei com certa dificuldade quase em cima do totó na porta da bombonierie. "tia, quero dois salgadinhos de cebola e 10 plocs" [agora sei que não devia ter pedido chiclete e salgadinho porque ficam terríveis juntos na boca]. Olhei para os dois lados antes de atravessar a rua [que cruzei perpendicularmente, não diagonalmente]. Sentei no banco e esperei o sinal tocar [como sempre]. Entrei para a sala assim que pude.

Pensando agora, a primeira vez que fui sozinho para a escola foi também a primeira que deixei para trás um montão de idéias. Foi a primeira vez que me senti sozinho no mundo, que escolhi algo sozinho [no fundo a gente sabe que a escolha pelo salgadinho e pelos chicletes foram determinadas pelas outras idas a escola, acompanhado por algum responsável]. Mas a experiência carrega todo seu valor. Posso ter pensado [ou escrito, ou dito] que naquele dia minha vida mudou. Exageros inerentes à atividade representativa. Mas foi como me senti até perceber os limites da liberdade. E é como me sinto sempre que uma vida diferente me atinge como um tapa.
E depois de um tapa na cara você pode dar a outra face ou mudar sua face.

3 comentários:

  1. A grande experiência e uma escolha pelo uso de uma de colchetes e parênteses, que travam a leitura. Ao contrário de nosso ITS Rcma, ITS Zé prefere uma escrita mais travada. O que é interessante pois são as falas divagadas de um narrador pouco focado na trama em si, mas que viaja em sua própria mente por várias idéias em vez de focar simplesmente na história a ser contada.

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  2. no fundo eu achei q ficou um texto de auto ajuda hehehe mas td bem...
    quantos aos colchetes devo confessar que tenho sim uma tendencia a desenvolver outros temas na cabeca eqto to escrevendo e uso esse artificio pra expresalos..
    num blog q eu jah parei d atualizar tem um bom tempo eu tava desenvolvendo essa ideia de textos entre parenteses e colchetes..
    pequenomentecapto.blogspot.com
    inclusive em um dos textos eu uso os colchetes d uma forma q nao trave a leitura...hehehe
    deem uma olhada..sao uns textos que eu nao gosto mto mas td bem..

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  3. o seu fundo é de auto-ajuda zé, deixe-me vê-lo qualquer dia?!

    gaetano vai escrever uma ensaio de crítica literária sobre "os ITS" qualquer dia desses, estou até vendo, hehe. vou querer autógrafo.

    divagar com colchetes e parênteses no meio da narrativa é divertido e não necessariamente trava a leitura, mas, para isso, requer-se algum tempo e várias releituras e adaptações.

    Com fluxo de consciência é possível divagar em um texto até mesmo sem os colchetes [mas exige um bocado de cuidado na escrita e pode "travá-la" ainda assim].

    Mas travamento não é impedimento nem falta de qualidade [e beleza, o que não pode faltar, tratando-se de José Antonio, O Bundão-Mor].

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