quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Variação: Agrippino de Paula e Derrida

O Deus de Leibniz não conhecia a angústia da escolha entre possíveis. Eu sentia-me inteligente e maroto. Maroto, mas não em atos pensava as minhas possibilidades. Meu Logos não dispunha minhas possibilidades em atos sem antes passar pela angústia da escolha. Saí da casa do Coveiro. O Coveiro não queria discutir metafísica no meio do carteado. “A vacância é a situação da literatura”, disse-me a Puta Amiga na última vez que brinquei com ela. Corri para a casa da Puta Amiga querendo brincar. Eu, Puta Amiga e meu membro rijo rolando pela noite era o meu projeto. Entrei afoito na casa da Puta Amiga e corri para o seu vestíbulo. Puta Amiga lânguida e nua olhou-me, mas já estava acompanhada pelo Empresário. O Empresário investia seu membro rijo em vários orifícios da Puta Amiga em uma confusão de esperma, gemidos e corpos. Corpos de crianças esquartejadas povoavam o vestíbulo. Corri com meu membro rijo para o Rio. O Rio corria suave e brumoso e suas margens agradavam-me e suas águas fediam enquanto iam para o Grande Mar. Gozo um rio de esperma no grande Rio. Meu esperma torna-se o fluxo líquido do Rio e vai tórrido fecundar o Grande Mar. Não quero imaginar as proles da minha insensatez. Filhos insensatos, gerados do meu líquido viscoso do meu sólido ser, repugno-os. Subo no bonde agarrando sua rabiola e vou para o Centro. Entro no bar para encontrar meu nada e minha consciência e seu pathos e encontro o Garçom Inconstante que sorri para mim trazendo garrafas e mais garrafas de uísque sem rótulo. O uísque evapora na minha corrente sanguínea enquanto converso com o Garçom Inconstante sobre o lugar da linguagem, das palavras individuais e da escritura e da empiria e das impossibilidades do ser em si. O Garçom Inconstante concorda, discorda, esbraveja, tudo somente com gestos burlescos ao mesmo tempo em que quebra as garrafas vazias do uísque sem rótulo. Sorrimos, eu e o Garçom Inconstante, e corremos pelos prados verdejantes após sairmos pelas portas do fundo do bar. Já é outro dia e sinto náuseas e o Garçom Inconstante fugiu. Vomito os acontecimentos do dia anterior na terra virgem e vejo todas minhas escolhas angustiadas adentrarem na terra virgem fertilizando-a. Deito nessa bela paisagem idílica do meu vômito na terra virgem e durmo um sono de vigília, com os olhos abertos esperando o pior de mim e de tudo.

------------

“[...] Eu estava salvo, entrei em casa, acendi a luz do quarto e sentei extenuado na cadeira frente à mesa. Eu respirei fundo alguns instantes tentando recuperar o fôlego, e ouvi um barulho no quintal e saí. Um grande número de macacos desenhavam caretas nas paredes. Eu gritei irritado com os macacos e corri perseguindo um deles, quando apareceu um senhor redondo e gordo de calças curtas dizendo que ele era o chefe dos macacos. Eu falei irritado com o imenso gordo de calças curtas e boné, e disse que os macacos estavam desenhando nas paredes. O imenso gordo de calças curtas puxou um apito do bolso e apitou. Os macacos saltaram dos telhados e das árvores e eu vi as caretas desenhadas nas paredes Eu interrompi o gordo de calças curtas que repreendia os macacos e disse que estavam ótimos os desenhos, e que a careta desenhada na porta ficava muito bem, e que ele comandasse para os macacos que continuassem a desenhar nas paredes, portas e janelas. Eu saí na rua acompanhado de um dos macacos e um indigente bêbedo se colocou na minha frente. O bêbedo se colocou na minha frente. O bêbedo pretendia conversar comigo e com o macaco e eu procurava atravessar para o outro lado da rua. O indigente continuava insistindo, e nós dois estávamos irritados e deprimidos com a conversa do bêbedo. Eu e o macaco paramos frente a uma barbearia, e eu entrei na barbearia para escapar da conversa insistente do bêbedo que procurava convencer o macaco, que o ouvia atentamente, de alguma coisa a respeito da política internacional [...]”.
José Agrippino de Paula. PanAmérica. São Paulo: Max Limonad, 1988 [1967], pp. 124-5.


“Consciência de ter algo a dizer como consciência de nada, consciência que não é a mendiga mas a oprimida do todo. Consciência de nada a partir da qual toda a consciência de alguma coisa pode enriquecer-se, ganhar sentido e figura. E surgir toda a palavra. Pois o pensamento da coisa como o que ela é confunde-se já com a experiência da pura palavra; e esta com a experiência em si. [...] Se a angústia da escritura não é, não deve ser um pathos determinado, é porque não é essencialmente uma modificação ou um afeto empírico do escritor, mas a responsabilidade desta angústia, dessa passagem necessariamente estreita da palavra na qual as significações possíveis se empurram e mutuamente se detêm [...] Falar mete-me medo porque, nunca dizendo o suficiente, sempre digo também demasiado. E se a necessidade de se tornar sopro ou palavra aperta o sentido – e a nossa responsabilidade do sentido – a escritura aperta e constrange ainda mais a palavra. [...] Angústia também de um sopro que se detém a si próprio para entrar de novo em si, para se aspirar e voltar à sua fonte primeira. Porque falar é saber que o pensamento deve tornar-se estranho a si próprio para ser dito e exposto. Então pretende, ao dar-se, reapossar-se de si. [...]”.
Jacques Derrida. “Força e significação” in: A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 2005 [1967], pp. 20-1 e nota 18.

2 comentários:

  1. Repito e direi, que aqui vejo uma estética da sexualidade. Mas é um texto rápido, ágil e insano, o que o torna de leitura divertida e rápida.
    Huahaha. Que merda de comentário esse.

    ResponderExcluir
  2. sexualidade é parte, mas não tudo e não o mais importante, se é que consigo vislumbrar alguma hierarquia nesse texto.

    "leitura rápida e divertida"... rápida pode até ser, sei lá...... mas a "diversão" depende muito de quem lê.

    mas, quanto a escrever: esse texto foi divertido.

    ResponderExcluir