sexta-feira, 19 de março de 2010

Palavras - O problema da Cor Amarela (Ou o Acordo Coletivo)

Como você explicaria para uma pessoa que não vê cores o amarelo? E como você explicaria para uma pessoa que nunca comeu uma maçã o gosto dela? Não é explicável. O que existe é um acordo social, e vale ressaltar esse caráter coletivo, que determina uma característica, uma cor. Uma pessoa cega, ou daltônica, estaria limitada nesse acordo. Mesmo que elas entendessem a palavra, não compreenderiam seu significado na totalidade. Embora, se pensarmos um pouco mais, a compreensão da totalidade, a compreensão limite, ou a compreensão universal, talvez seja algo impossível. Em outras palavras, duas pessoas, expostas a uma mesma palavra não necessariamente terão a mesma percepção dela. Isso porque cada pessoa carrega experiências pessoais que são refletidas na sua interpretação de algo, mesmo que esse algo seja uma cor, uma experiência simples.

Para tentar perceber essa experiência simples, podemos pensar num problema de tradução. Imagine que, ao ler um texto em francês, surja a palavra jaune. Procurar sua definição num dicionário francês-francês resultaria: "Qui est d´une couleur placée dans le spectre entre le vert et l´orangé er dont la nature offre de nombreux examples (or, miel, citron)"; há outra definição que é interesante anotar: "race jaune: race humaine, en majeure partie asiatique, caractérisée par des yeux bridés et une peau d´un brun clair." No primeiro exemplo mencionado, tem uma tentativa de classificar a cor de maneira científica, que é o lugar que ela ocupa dentro do espectro envolvendo todas as cores. Mas, isso não diz muita coisa para a pessoa comum. Então, o dicionário se preocupa em oferecer exemplos da natureza, como o ouro e o mel. Ou seja, somos remetidos a experiências visuais de nossa vida, no caso, uma das características de determinados objetos que o classificam como de cor jaune. Mas, se os exemplos mencionados nunca tivessem sido vistos pela pessoa que lê a definição, ela não teria como saber de que cor se trata. No caso, uma tradução pode ser uma boa maneira de obter a resposta: amarelo. Nesse caso, você se remete a uma experiência intermediada pela sua língua. Embora isso pareça algo óbvio e simples, também existe o caráter político da palavra e, por isso, eu fiz questão de pegar a segunda definição. Nela, a cor amarela remete a cor de uma raça humana, no caso a maioria asiática. Ou seja, apesar de parecer simples, as palavras possuem um imaginário maior vinculado a elas do que o simples reflexo de elementos da natureza.

Voltando um pouco e retomando a questão do gosto. No caso de bebidas, como Vinhos ou Uísques, é comum ver resenhas que identificam os vários sabores presentes nelas, como o gosto de carvalho, baunilha, fumaça, frutas vermelhas,... É uma tentativa de, através de palavras, passar a experiência. Entretanto, mesmo sabendo os sabores existentes numa bebida, não sentimos ou apreciamos os mesmos. Pois, embora essas resenhas tenham implicitas nelas que todos os sabores estão presentes na bebida, sentir algo é apreciá-lo na sua individualidade. E, se sabores são ignorados, quer por falta de conhecimento, prática ou o que quer seja, eles não existem para essa pessoa ou para sua experiência. E, mesmo a tentativa de definir os sabores de uma bebida implica em remeter a outros sabores. Como, dizer que o gosto de carvalho está presente ali. Ou seja, a tentativa de definir o gosto de uma bebida, no caso, é a tentativa de relacioná-lo como diversos outros gostos. Mas, uma leitura dos gostos presentes não trazem, para a pessoa, a experiência do gosto de um Uísque. Assim como, voltando a cor, a leitura da palavra amarelo não tras toda a experiência dessa palavra para quem a ouve ou lê, principalmente se essa pessoa não estiver imersa no mesmo ambiente social que quem a produz E, é por isso que eu ousaria dizer que, um xingo em outra língua, é menos efetivo do que na própria. Pois, é necessário ter a experiência ofensiva da palavra para compreendê-la em sua profundidade.

Vemos então que é a compreensão das palavras requerem um acordo coletivo do que elas sejam e essa compreensão perpassa a experiência social. Poderíamos dizem que as palavras evoluem em sentido conforme passam a ser usadas em novas contextos, adquirindo novas experiências e novas maneiras de compreendê-la. Por isso, algumas palavras podem passar de um sentido pejorativo para um sentido positivo, assim como o contrário é possível. E até mesmo a incorporação de novos significados acontece. Palavras não são, então verdades, mas variáveis. Embora tragam em si um objeto real, a compreensão desse objeto passa pela experiência pessoal. E por isso, podemos arriscar a seguinte afirmação: numa situação limite de alteridade, uma palavra emitida só é perfeitamente compreensível para o receptor se ele e o interlocutor forem a mesma pessoa. As palavras tem em si o desafio então, o desafio que vem com o Acordo Coletivo: ou seja, a cultura, a sociedade, o costume, os grupos sociais criam a concordância em algo, e tentam limitar o máximo a sua interpretação e, assim, tornar a comunicação mais clara possível. Criar novos significados é a maneira de se rebelar contra esse autoritarismo.

5 comentários:

  1. questão de "ordem": o acordo coletivo precede a experiência social, ou a experiência social estabelece o acordo coletivo?
    ou o acordo coletivo sobre o uso e as significações da linguagem é mais um aspecto da experiência social?
    a experiência social é caracterizada primeiramente como interação entre indivíduos ou como interação entre comunidades/grupos/classes [em outras palavras: experiência social considerada como experiência individual ou coletiva?]?
    acordo coletivo entre indivíduos que não se entendem?!

    ResponderExcluir
  2. Vou criar individualmente um novo significado para a palavra "amarelo" e me rebelar contra o autoritarismo: amarelo=gostoso. Agora passarei a usar a palavra com esse sentido na experiência social até q se torne um acordo coletivo.

    ResponderExcluir
  3. Tenho que confessar que eu viajei um pouco para concluir esse texto ahuahuahuau Deixei os pensamentos sairem sem filtro.

    ResponderExcluir
  4. Viaje a vontade, Gaetano, mas escreva. O excesso de filtros põe os ITS à beira da crise...

    ResponderExcluir
  5. por falar em desprender-se de filtros: vocês estão cada vez mais amarelos, um abraço.

    ResponderExcluir