domingo, 16 de janeiro de 2011

Spinoza explica a Kelly Key sobre o porquê de ser o conhecimento a única forma verdadeira de fruição da existência

Então, Kelly, desde que a experiência me ensinou ser vão e fútil tudo o que costuma acontecer na vida cotidiana , e tendo eu visto que todas as coisas de que me receava ou que temia não continham em si nada de bom nem de mau senão enquanto o ânimo se deixava abalar por elas, resolvi, enfim , indagar se existia algo que fosse o bem verdadeiro e capaz de comunicar-se, e pelo qual unicamente, rejeitado tudo o mais, o ânimo fosse afetado; mais ainda , se existia algo que , achado e adquirido, me desse para sempre o gozo de uma alegria contínua e suprema. Digo que resolvi enfim porque à primeira vista parecia insensato querer deixar uma coisa certa por outra então incerta. De fato, via as comodidades que se adquirem pela honra e pelas riqueza , e que precisava abster-me de procurá-las, se tencionasse empenhar-me seriamente nessa nova pesquisa. Verificava, assim, que se, por acaso, a suprema felicidade consistisse naquelas coisas , iria privar-me delas; se, porém , nelas não se encontrasse e só a elas me dedicasse, também careceria da mesma felicidade . Ponderava, portanto , interiormente se não seria possível chegar ao novo modo de vida, ou pelo menos à certeza a seu respeito, sem mudar a ordem e a conduta comum de minha existência , o que tentei muitas vezes, mas em vão. Com efeito , as coisas que ocorrem mais na vida e são tidas pelos homens como o supremo bem resumem-se, ao que se pode depreender de suas obras , nestas três : as riquezas , as honras e a concupiscência . Por elas a mente se vê tão distraída que de modo algum poderá pensar em qualquer outro bem. realmente , no que tange à concupiscência , o espírito fica por ela de tal maneira possuído como se repousasse num bem , tornando-se de todo impossibilitado de pensar em outra coisa; mas , após a sua fruição , segue-se a maior das tristezas , a qual , se não suspende a mente, pelo menos a perturba e a embota. Também procurando as honras e a riqueza , não pouco a mente se distrai, mormente quando são buscadas apenas por si mesmas, porque então serão tidas como o sumo bem . Pela honra , porém , muito mais ainda fica distraída a mente , pois sempre se supõe ser um bem por si e como que o fim último , ao qual tudo se dirige. Além do mais, nestas últimas coisas não aparece, como na concupiscência , o arrependimento . Pelo contrário, quanto mais qual ­ quer delas se possuir , mais aumentará a alegria e conseqüentemente sempre mais somos incitados a aumentá-las. Se, porém , nos virmos frustrados alguma vez nessa esperança , surge uma extrema tristeza . Por último, a honra representa um grande impedimento pelo fato de precisarmos, para consegui-la, adaptar a nossa vida à opinião dos outros , a saber , fugindo do que os homens em geral fogem e buscando o que vulgarmente procuram. Como , pois , visse que tudo isso obstava a que me dedicasse ao novo modo de vida , e, mais ainda, tanto se lhe opunha que eu devia necessariamente abster-me de uma coisa ou de outra , achava-me forçado a perguntar o que me seria mais útil ; porque , como disse, parecia-me querer deixar um bem certo por um incerto. Mas , depois de me haver dedicado um tanto a esse ponto, achei em primeiro lugar que se, abandonando tudo , me entregasse ao novo empreendimento, deixaria um bem por sua natureza incerto, como se depreende claramente do que foi dito, por um também incerto, ainda que não por sua natureza ( pois buscava um bem fixo ), mas apenas quanto à sua obtenção . Entre ­ tanto, mediante uma assídua meditação , cheguei a verificar que então , se pudesse deliberar profundamente , deixaria males certos por um bem certo. Via-me, com efeito , correr um gravíssimo perigo e obrigar-me a buscar com todas as forças um remédio, embora incerto; como um doente que sofre de uma enfermidade letal , prevendo a morte certa se não empregar determinado remédio , sente-se na contingência de procurá-lo, ainda que incerto, com todas as forças , pois que nele está sua única esperança . Em verdade, tudo aquilo que o vulgo segue não só não traz nenhum remédio para a conservação de nosso ser mas até o impede e freqüentemente é causa de morte para aqueles que o possuem e sempre causa de perecimento para os que são possuídos por isso.

Diversão do início do Tratado da Correção do Intelecto, de Baruch Spinoza.

2 comentários:

  1. Nossa, só o título e a foto já me mataram... de tanto rir haha.

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  2. Mas visto que é necessário viver enquanto cuidamos de o conseguir [o fim: a suma perfeição humana] e nos esforçamos por colocar o intelecto no caminho reto, somos obrigados antes de tudo a supor como boas algumas regras de vida, a saber:
    I. Falar ao alcance do vulgo e fazer tudo o que não traz nenhum impedimento para atingirmos o nosso escopo. Com efeito, disso podemos tirar não pequeno proveito, contanto que nos adaptemos, na medida do possível, à sua capacidade; acresce que desse modo oferecerão ouvidos prontos para a verdade.
    II. Dos prazeres somente gozar quanto basta para a consecução da saúde.
    III. Por último, procurar o dinheiro ou outra coisa qualquer só enquanto chega para o sustento da vida e da saúde, imitando os costumes da sociedade que não se opõem a nosso fim.

    OU, como pensou Pascal

    Os homens são tão essencialmente loucos que não ser louco significaria a expressão de outra forma de loucura.

    OU,

    Baba baby.

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