domingo, 15 de agosto de 2010

Morte de merda

Alfredo era um homem muito velho. No fim da vida já não tinha mais forças para administrar sua grande propriedade rural, como sempre fizera. Na verdade, Alfredo sabia bem que não duraria muito mais tempo. Não suportava a idéia de que após sua morte, já próxima, deveria deixar suas terras ao filho, que também se chamava Alfredo e que o odiava.
Naquele tempo não havia justiça, e Alfredo explorava os trabalhadores de suas terras como bem desejava.
Com o andar lento e dificuldades para respirar, o velho caminhava pelo bosque, até que parou diante do lago. Irma, uma camponesinha bonitinha e ingênua, como são todas as camponesinhas, chamou sua atenção.
- Que faz aí, menina?
-Ah! É que sempre andei descalça. Agora ganhei estes sapatos e meus pés doem. - respondeu sorrindo.
Irma estava com os pés dentro da água segurando o vestido para não molhá-lo. Alfredo estava salivando em excesso e com os olhos fixos em Irma.
-Vem aqui, menina. Preciso da sua ajuda.
Irma, sorrindo ingenuamente, saiu correndo em direção ao patrão. Irma agiu deste modo porque todas as camponesinhas são ingênuas e obedecem ao patrão como se sua ordem fosse lei.
Foram até o estábulo.
-Ordenhe aquela vaca, menina.
-Mas não é hora de ordenhar, patrão - de fato, eram umas três da tarde...
-Ordenhe mesmo assim!
Alfredo estava descontrolado, andava de uma lado para o outro, observando atentamente o trabalho de Irma. Os movimentos precisos das mãozinhas de Irma, que tão jovem, já aprendera perfeitamente o ofício da ordenha, mesmo fora de hora. Alfredo suava. Irma estava descalça e com a saia erguida até os joelhos. Alfredo descalçou os sapatos e afundou os pés - intencionalmente - num monte ainda fresco de esterco de vacas. Pensou na morte que teria e na vida que teve, explorando aqueles miseráveis camponeses para deixar, no final, tudo a um filho cretino.
Então chegou perto de Irma, abriu a braguilha e disse:
-Pega...
Sorrindo ingenuamente, Irma secou a mão no pelo da vaca, e pegou.
Depois de um ou dois minutos, Irma disse:
-Sr. Alfredo, não sabe que é impossívei ordenhar um touro? hihihi!
Alfredo riu como se fosse velhinho simpático e saiu. Voltou a andar em círculos e depois voltou à merda.
-Menina, você sabe qual é a pior coisas que existe?
Irma pensou um pouco e disse:
-É quando não chove.
-HAHAHA! Não! Isso não é a pior coisa.
Irma riu ingenuamente.
-A pior coisa é quando não sobe mais! - disse o patrão - Merda. Merda e leite, menina. Essas vacas - e deu um tapinha no dorso da vaca - estão cheias de merda e leite. Essa é a pior coisa: merda e leite dentro da minha cabeça.
Alfredo segurou a cabeça entre as mãos, como se quisesse estourá-la.
-Menina, volte para o campo. Seus irmãos camponeses estão fazendo festa, cantando, dançando. Quando a música parar diga que o patrão está morto.
-Está bem! - disse Irma com sorriso bonitinho, e saiu correndo para realizar o pedido do patrão.
Então aconteceu a festa dos camponeses. Imediatamente após a última nota do violino, Irma gritou:
-O patrão está morto!!!
O mestre camponês foi até o estábulo ajeitar as coisas. Resmungava furioso:
-Velho desgraçado! Fudeu todo o estábulo! Assustou as vacas! Roubou os camponeses durante a vida toda e não foi capaz de morrer como patrão! Nem parece o patrão!
Alfredo balançava de um lado para o outro conforme as vacas esbarravam em seu corpo sem vida, enforcado por uma corda que pendia do teto.

Descrição/Variação de uma sequência do filme 1900 de Bernardo Bertolucci

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