terça-feira, 31 de agosto de 2010

charles baudelaire

Le reniement de Saint Pierre
[A negação de São Pedro]

Qu’est-ce que Dieu fait donc de ce flot d’anathèmes
Qui monte tous les jours vers ses cher Séraphins?
Comme um tyran gorgé de viande et de vins,
Il s’endort au doux bruit de nos affreux blasphèmes.
[O que faz Deus dessa onda infame de heresias
Que se ergue a cada instante até seus Serafins?
Como um tirano afeito aos vinhos e aos festins,
Dorme ele ao som de nossas ímpias litanias.]

Les sanglots des martyrs et des suppliciés
Sont une symphonie enivrante sans doute,
Puisque, malgré le sang que leur volupté coûte,
Les cieux ne s’en sont point encore rassasiés!
[Os soluços dos mártires e supliciados
São qual uma cantata embriagadora e augusta,
Pois, apesar da dor que a volúpia lhes custa,
Jamais deles os céus sentiram-se saciados!]

-- Ah! Jésus souviens-toi du Jardin des Olives!
Dans ta simplicité tu priais à genoux
Celui qui dans son ciel riait au bruit des clous
Que d’ignobles bourreaux plantaient dant dans les chairs vives.
[-- Recorda-te, Jesus, no Horto das Oliveiras,
Oravas, ajoelhado e humilde, os olhos cavos,
Àquele que no céu sorria ao soar dos cravos
Que te enterravam carne adentro mãos grosseiras.]

Lorsque tu vis cracher sur ta divinité
La crapule du corps de garde et des cuisines,
Et lorsque tu sentis s’enforcer les épines
Dans ton crâne où vivait l’immense Humanité;
[Quando viste escarrar em tua divindade
A imunda corja dos soldados e meirinhos,
E sentiste afligir a ponta dos espinhos
Teu crânio onde vivia a imensa Humanidade;]

Quand de ton corps brisé la pesanteur horrible
Allongeait tes deux bras distendus, que son sang
Et sa sueur coulaient de ton front pâlissant,
Quand tu fus devant tous posé comme une cible,
[E quando teu corpo exausto o horrível peso
Os teus dois braços alongava no madeiro,
O suor e o sangue a ungir-se a fronte por inteiro,
Quando ante todos te tornaste alvo indefeso,]

Rêvais-tu de ces jours si brilliants et si beaux
Où tu vins pour remplir l’éternelle promesse,
Où tu foulais, monte sur une doute ânesse,
Des chemins tout jonchés de fluers et de rameaux,
[Pensavas tu nos dias cheios de esplendores
Em que surgias anunciando o reino eterno
E percorrias, sobre um asno fiel e terno,
Caminhos que eram só de ramos e de flores,]

Où, le coeur tout gonflé d’espoir et de vaillance,
Tu fouettais tous ces vils marchands à tour de bras,
Où tu fus maître enfin? Le remords n’a-t-il pás
Pénétré dans ton flanc plus avant que la lance?
[Em que, a alma pródiga de audácia e de esperança,
Aos vendilhões do templo açoitavas o dorso,
Em que tu foste o mestre enfim? Dize: o remorso
Teu flanco não rasgou mais fundo do que a lança?]

-- Certes, je sortirai, quant à moi, satisfait
D’un monde où l’action n’est pás la soeur du revé;
Puissé-je user du glaive et périr par le glaive!
Saint Pierre a renié Jesus… il a bien fait!
[-- Quanto a mim, isto é certo, eu saio satisfeito
Deste mundo onde o sonho e a ação vivem a sós;
Possa eu usar a espada e a espada ser-me o algoz!
São Pedro renegou Jesus... Pois foi bem-feito!]



Obs: a tradução para o português é de Ivan Junqueira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário