sábado, 18 de junho de 2011

Diálogo 9 - Transcendência

- Então, falando nisso, ontem aconteceu algo muito estranho.
- O que?
- Então, sabe quando você está dormindo, mas não está completamente? Você fica num estado de semi-consciência e tal?
- Acho que sim..
- Isso tem acontecido muito comigo nos últimos dias. Eu sinto que estou acordado, estou consciente dos meus arredores, mas não consigo me mexer. No começo eu entrava em pânico, e tentava lutar contra isso até eu despertar de vez.
- Tenso, heim?
- Um pouco! Mas eu comecei a tentar a aceitar esse estado, tentar me controlar! No começo é bem difícil. Imagens começam a aparecer e elas parecem reais e eu entro em pânico e acordo. Aí...
- Reais, como assim?
- Então, é meio que uma alucinação, entende? São imagens que aparecem, mas não são realmente reais, mas parecem ser. Memórias, ilusões, medos, realidade começam a se misturar. Por exemplo, quando você está desperto você sabe que está sozinho no quarto, mas não no estado de semi-consciência. Ali você começa a sentir que tem alguém por perto, mas é só seu medo se manifestando. Mas ele se torna real a ponto de você entrar em pânico. E, como você não consegue se mexer, a sensação de desespero, insegurança é brutal.
- Acho que entendo. Vi em um filme uma vez, que para nossa mente, sonho e a percepção sensorial são, no fundo a mesma coisa. São imagens em nossas cabeças e é nosso cérebro que determina o que é real ou não quando estamos despertos. Mas, no meio de um sonho, essa seleção não ocorre. Então, para nossa mente, as imagens do sonho são reais. Por isso sentimos brutalmente os sonhos.
- Sim, algo assim. Faz sentido. Mas acho que tem algo a mais.
- O que?
- Algo além do estado de sonho.
- Hum.
- Então, não cheguei no fim da minha história ainda! Como eu tava te dizendo, as imagens começam a aparecer, e mesmo que objetivamente elas não sejam reais, você acredita que são. Mas eu comecei a dominar isso. Comecei a concentrar na minha respiração, e tentar ignorar, acalmar meus sentimentos. E deixar minha consciência desvanecer, se apagar. É uma sensação bem estranha, você começa a escutar um zumbido estranho pelo ouvido, que não sei explicar. Seu corpo começa a se arrepiar, e sua mente começa a imergir na escuridão. Sua consciência começa a sumir. E não é fácil lidar com isso! Não sei, é meio que uma sensação de morte. Se é que dá para dizer isso. E você entra em pânico e acorda. Mas ontem eu consegui controlar. Eu imergi na escuridão completamente.
- Como assim? O que aconteceu?
- Eu acordei.
- ...
- Bom. Não acordei no sentido de despertar. Mas num sentido mais amplo entende? Como se eu realmente tivesse ganho consciência. Ou talvez eu a tivesse superado. O fato é que, de repente, tudo ficou claro para mim. Não sei quanto tempo se passou, sinceramente, mas eu fiquei ali, deitado na cama, de olhos fechados, imerso. Como se eu tivesse entrado em algum lugar obscuro, e eu não precisava mais de palavras, porque eu sentia tudo. E eu conseguia ver todas minhas memórias, andar por elas, revivê-las, abandoná-las. E eu sentia, conseguia sentir tudo, ao mesmo tempo que não sentia nada. Mas eu sentia, não pensava. É dificil.
- Cara, que drogas você andou usando?
- É díficil por em palavras! Mas foi uma experiência única. E eu abri os olhos! E pude ver na escuridão e eu percebi que a escuridão, na realidade, é apenas outra luz. Uma luz que nos condicionamos a não enxergar! Percebi que o mundo, o mundo que acreditamos real é apenas uma simplificação tola, e uma simplificação que acreditamos fazer sentido. E ai aconteceu algo fantástico.
- Foi aquele seu chá com uísque?
- Não cara.. Eu não tava usando nada. E eu ponho pouco uísque no chá você sabe.
- Sei.. Aham.
- Então, deixa eu terminar. Porque eu levantei. Levantei naquele estado, que não sei como chamar, super-consciência talvez? Eu levantei, olhei em volta e olhei para tras, porque eu queria acender a luz, e sabe o que eu vi? Eu vi a mim mesmo, deitado na cama e tomei um susto! Eu estava separado de mim mesmo!
- Caraaa.. Caraaa. O que você colocou no seu chá?
- Eu estava ali, me observando. Mas, o mais estranho é que eu não me assustei, pareceu tudo tão óbvio, tão natural. Tudo fazia tanto sentido. Mas foi então que eu senti as verdadeiras trevas, a verdadeira dor. Eu comecei a ser sugado. Algo começou a me puxar. Eu me senti como se estivesse sendo sufocado, e de repente... eu fui expelido, torturado, aprisionado. E eu estava acordado novamente. Respirando de maneira ofegante, todo suado, na minha cama. E tudo parecia tão pálido, tão falso. E eu me sentia limitado. Não conseguia mais ter acesso aquelas coisas, eu não conseguia mais. Eu não conseguia lembrar quase nada do que eu havia experienciado. Parecia tudo como um sonho.
- Mano! Cê ta loco!
- Todos estamos...

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