sexta-feira, 24 de junho de 2011

Os Três Niveis do Amor das Flores no Rochedo ou Considerações Sobre a Navalhada, a Punhalada e a Facada

I. A Navalhada da Decepção

Jorge chegou no apartamento de Eduardo de maneira inesperada. Ele acabava de sair do banho quando recebeu a mensagem que Jorge logo estaria ali. Na realidade, sabia que ele viria, só não sabia o horário.
- Então - começou Jorge, depois que já estavam na cozinha, cada um com um copo de cerveja na mão - descobri algo. Algo que vai te animar.
- O que?
- Você precisa ver com seus próprios olhos.
- Fala logo!
- Não! Preciso de mostrar, se não você vai fugir como sempre faz. E, o loco, já vai abrir outra garrafa? Ta tomando muito rápido!
- Eu preciso beber.
- O que aconteceu?
Ficaram em silêncio por algum tempo. Eduardo queria contar ao amigo, só não sabia como. Os pensamentos fluíam em sua mente de maneira desordenada. Uma memória ia para outra, enquanto sentimentos dispares dançavam sobre elas. E tudo isso precisava ser condensado em palavras. Meras palavras. Jorge esperava, enquanto olhava para o amigo. Uma de suas qualidades era saber dar o silêncio para as pessoas quando precisavam. Não sentia a necessidade de ficar falando como um louco. Era isso que fazia dos dois grandes amigos. Eduardo era bem inteligente, mas tinha problemas para passar em palavras suas idéias, o que o fazia demorar, as vezes, para conseguir comunicar algo.
- Então - começou, depois de alguns minutos, enquanto ia pegar a terceira garrafa de cerveja - é a Cristina de novo cara. Sempre ela. Por que eu não consigo esquecê-la? Eu a amo.. Essa é a verdade. A amo mais do que gostaria. E tipo, você me entende não? Eu tento. Eu só gostaria que ela me considerasse um amigo, mas não sei, por mais que a gente converse ela parece me considerar um nada. E ontem, ontem foi foda.
- O que aconteceu?
- Eu descobri que ela vai fazer uma festa de aniversário esse final de semana. Ela convidou todo mundo, menos eu, todo mundo! E ontem eu fiquei com ela a tarde inteira, e ela não mencionou nada. Acredita nisso? E sei la. O que me irrita mais, é que eu converso bastante com ela, conto coisas para ela, que sei la, são coisas que eu só teria coragem de contar para você. E ela me trata como se eu não existisse. Esse esquecimento dela é uma facada pro meu coração.
- Te entendo. Mulheres são cruéis mesmo. Mas você não pode deixar ela te abater assim cara.
- Eu tento. Tento mesmo, mas só a visão dela despedaça meu coração. É muito forte.
- Mas você tem duas opções só, ou você diz tudo para ela ou larga disso.
- Eu tento, mas se eu não consigo que ela se importe comigo como amigo, como esperar que ela se importe comigo como algo mais? Eu realmente tento.
Dessa vez foi Jorge que foi pegar uma outra garrafa de cerveja. Aproveitou o momento para dar um silêncio estratégico.
- Quais tão mais geladas aqui?
- Pega as do fundo.
- Então - começou Jorge, voltando para a mesa - você tem que curtir mais a vida, sair mais. É que você fica limitado no seu mundo, ai ela parece a única opção. Sair e conhecer pessoas, é o que você precisa.
- Não tenho animo, nem curto tanto assim sair, você sabe.
- Chega disso. A gente vai sair, e vai ser hoje!
- Sair aonde?
- Você vai ver, já marquei com o pessoal, o Marcos e o André vão também. Vai ser uma boa oportunidade para gente trocar umas idéias e curtir.
- Sei la..
- É sexta-feira poxa! Você trabalha amanhã? Não! Então, vamo lá! Chega de ficar deprimido e solitário em casa. Vai te ajudar a refrescar a mente.

Algumas horas depois, eles estavam dentro de um astra cinza rumo a algum lugar que Eduardo não sabia aonde era. Mas que os outros, principalmente Jorge, pareciam muito empolgados em ir. Foi só quando entraram naquela rua ali que ele percebeu. Mas já era tarde demais.
- Porra, vocês tão me levando pro puteiro? - falou Eduardo, realmente irritado e com um sentimento de fuga no seu coração. Queria voltar para casa imediatamente, sem pensar.
- Cara, essa casa é das boas! A gente descobriu ela ontem! O nível das mulheres aqui é muito foda! Compensa cada centavo! - disse Marcos.
- Porra! Não quero saber! Caralho. Mancada isso ai! - tentou argumentar Eduardo, mas percebia que os outros nem ligavam.
- Cara, vamos ae. Vamos curtir! Você não precisa pegar nenhuma puta não. A gente nem ta muito afim também. Vamos ficar mais no barzinho tomando uma só e olhando uns peitinhos! Olhar é de graça hehe - disse Jorge.
- Eu não curto essas coisas, po! Vocês sabem disso. Relaxo! Vamos embora. - Eduardo estava realmente frustrado com a situação, queria pular fora do carro, seu coração batia bem rápido.
- Cara, como eu disse, vamos ai só para tomar umas, é de boa! Você não precisa comer nada se não quiser. Vai ficar tomando sozinho em casa? Vamos ae!

Depois de uma longa discussão, finalmente os três conseguiram levar Eduardo para dentro do puteiro, e eles ficaram ali. Procuraram uma mesa, e ficaram tomando umas, enquanto olhavam o movimento no local. Algumas mulheres quase totalmente sem roupas dançavam no palco, outras passavam exibindo suas curvas pelas mesas, provocandos os homens ali. Jorge, André e Marcos pareciam curtir bastante o ambiente. Só Eduardo que estava mais quieto que o de costume. Estava extremamente irritado, considerava os amigos uns traídores. Não confiaria mais neles. Nem um pouco. André e Marcos até vá, mas não esperava isso de Jorge. Nunca de Jorge. Olhava para ele com raiva, mas o amigo retribuía com um olhar sorridente e passava uma mão boba numa das moças em volta.
Em certo momento, Eduardo precisou ir ao banheiro e foi quando estava saindo dele que aconteceu. Trombou com Cristina, ali, saindo do banheiro feminino do lado. Aquelas roupas que ela vestia, ou melhor, aquelas roupas que ela não vestia, aquela maquiagem e aquele lugar, só podiam significar uma coisa. E foi nesse momento que Eduardo sentiu uma navalhada de decepção estilhaçar seu coração.

II. A Punhalada da Rejeição

- Cristina?! - falou com uma voz baixa, mas forte. Ia perguntar para ela o que ela fazia ali, mas a resposta era tão óbvia, que nem terminou de abrir a boca ao fazê-lo.
Ela olhou para ele, soltou uma baforada do cigarro que fumava.
- Olá - disse, como se tivessem se encontrado casualmente entre as prateleiras de um supermercado - Tudo bom? Estou atrasada, depois a gente conversa.
A indiferença dela o irritou. Ela sabia o que ele sentia, ele tinha certeza disso. Não era possível não saber. Ele era um cara óbvio em relação aos seus sentimentos, não sabia disfarçá-los. Se fosse outra situação, ele engoliria essa indiferença dela. Mas ali, misturados a decepção que sentia, não aguentou. Segurou-a pelo braço. Queria a atenção dela. Mas nisso um homem grande de terno os separou.
- Algum problema? - disse o homem.
- Nenhum. Eu só perdi o equilibrio e ele me ajudou a não cair - disse Cristina - Mas agora tenho coisas a fazer - disse ela, e andou até um canto, aonde um homem de uns 50 anos, bem vestido a esperava. A pegou pelo braço e os dois foram para o local aonde ficavam os quartos dando umas risadinhas.
Eduardo ficou em silêncio enquanto observava tudo isso. Voltou para a mesa aonde os amigos estavam, não sem passar no bar antes.
- Estamos pensando em ir embora, já que você nem está curtindo muito - disse André, nisso reparou no copo de uísque na mão de Eduardo - Ou será que você está mudando de idéia?
- Vamos ficar - disse, e virou a dose numa só e pediu outra.
- Encontrou algum rabo de saia que te interessou por ai? - disse Jorge.
Eduardo o olhou. Será que o amigo sabia? Teria trazido ele aqui de propósito? Ficou o olhando, olhando aquele sorriso maroto. Todos sorriam naquele lugar, sem se importar com sua alma em ruínas, com seu espírito em decadência. E em algum canto ali, ela ria também, ria enquanto alguém a comia. A imagem daquele senhor com o bigode entre as pernas dela o desesperava. Sua alma gritava em fúria, e ele descontava na bebida. Em vez de pedir outra dose, pediu a garrafa. Cerveja era muito fraca para aquela agonia.
Suas memórias e seus sentimentos voavam, como se estivessem vivos. Sua pele se arrepiava com as idéias que tomavam conta de sua mente. Ele sempre tentou compreender porque ela não o tratava como amigo. Ele sempre quis essa respostava enquanto esperava por ela. Sempre esperando como um tonto. E tudo que ele pedia a ela, no fundo de seu coração, é que ela esperasse por ele uma vez. Uma vez. Que ela demonstrasse algum interesse por ele. Mas no fim, a verdade era que ele nem existia para ela. A navalha da indiferença retalhava o interior do seu peito, sem misericórdia alguma. E uma lágrima escorreu pelo seu rosto. Os amigos o olhavam atonitos, e tentavam entender o que aconteceu. Mas ele ignorava as vozes deles. Apenas falava para deixar ele em paz. Foi quando Jorge disse:
- Cara, ela nunca ia dar o cuzinho para você mesmo! Vamos comer umas putas e se divertir!
Eduardo se irritou e agarrou a gola do amigo em fúria. Sentiu olhos virando na direção da mesa. Dois homens de terno vinham rápido em direção a ela. Mas ele soltou logo. Sabia que sua raiva não era em relação ao amigo. Não, o amigo só tinha aberto os olhos dele. Os olhos para a verdade que ele nunca quis ver. Pensava nessas coisas, enquanto Jorge dizia que estava tudo bem para os segurança.
- Ela é uma das mais caras aqui. 400 a hora com ela. - disse Jorge.
- Por que cara? Por que?
- Se eu te dissesse você acreditaria? Você tem que esquecer ela.
- Do que estão falando? - Perguntou André.
- Nada não - disse Jorge.
- Pelo jeito nosso amigo aqui quer uma puta muito cara pro salário dele - disse Marcos, e jogou uma nota de 100 na mesa - Pegai! Te ajudo a pagar!
André fez o mesmo. Jorge olhou para os dois peixinhos, olhou para o amigo, e tacou um cheque de 200 reais na mesa enquanto dizia: "Pronto. Vá viver seu sonho."

III. A Facada do Amor

Eduardo olhou para a grana, e para os amigos. Mas não disse nada, apenas encheu seu copo mais uma vez e começou a beber. Sua alma estilhaçada não permitia a ele esboçar nenhuma reação. André e Marcos logo saíram da mesa para aproveitar a noite com duas putas nas quais estavam de olho por um tempo, Jorge falou que cuidaria de Eduardo enquanto eles estivessem fora.
- Foi mal cara. Eu queria te falar, mas você não acreditaria - Eduardo ficou quieto. A única maneira com que expressava algo era o levantar e baixar do copo - Eu fui falar com ela ontem, quando vi ela aqui. Fiquei bem surpreso, bem surpreso mesmo! E cara, eu falei para ela, falei tudo sobre você, como você é apaixonado por ela e tudo mais, que ela precisava dizer para você que não te ama, assim você poderia ficar mais sussegado e esquecer ela.
- E ai? - Havia certo brilho nos olhos de Eduardo ao ouvir as palavras do amigo. O primeiro sinal de vida que ele dava desde que descobriu a verdade das coisas.
- Bom. Eu sei que é dificil. Mas ela deu uma risada e disse que sabia de tudo, que você era claro como o dia - Eduardo levou a mão no coração. Jorge não precisava de muito para saber que a punhalada do menosprezo entrava ali. - E que ela não ia dizer nada. Que ela gostava de você, assim, atras dela.
Eduardo ia encher outra dose, mas Jorge tirou a garrafa de perto e falou prum garçom levar ela embora, mesmo a protestos de Eduardo.
- Você já bebeu muito hoje cara. Eu queria mesmo ter te dito essas coisas. Mas você não ia acreditar, ia achar que era só eu tentando te incentivar a esquecê-la. Mas é isso, essa é a verdade das coisas. Quando o André e o Marcos voltar a gente vai embora.
Ficaram ali, em silêncio, os dois. Sem mais sorrir. A risada estava morta. Em certo momento, Eduardo se levantou e foi ao banheiro. Ficou ali além do tempo da mijada, apreciando sua própria dor. Quando saiu viu que Cristina e o homem haviam acabado. Ele provavelmente já tinha enfiado e tirado a vara de dentro dela várias vezes nessa hora que ficaram juntos. A raiva de Eduardo voltou a brotar. Ele foi até a mesa, aonde Jorge esperava, pegou a grana e falou:
- Eu vou tê-la. Nem que seja por uma noite. Aquela vadia, puta, vou gozar dentro dela.
Ele foi. Irritado. Esticou as duas notas e o cheque e disse:
- Agora vai ser comigo!
- Já tenho um cliente marcado para daqui 10 minutos. Você não vai conseguir nada comigo hoje. - ela deu um sorriso para ele, enquanto acendia um cigarro.
- Pago o dobro do que você vale!
- Não.
- O triplo! Pago o triplo!
- Não.
- Puta que o pariu! Você é puta ou não é?! Vou ter pagar quatro vezes mais, mas você vai dar para mim!!!!
- Não - disse ela com um sorriso no rosto, enquanto soltava uma baforada no rosto dele.
- Você dá para todo mundo caralho! Por que você não quer dar para mim?
Ela se sentou numa mesa vazia, e apontou para a cadeira a frente. Eduardo, tremendo de raiva se sentou, e os dois ficaram se olhando.
- Para você, o preço é diferente.
- Quanto? Me diz seu valor que eu pago.
- Quero seu coração.
Eduardo ficou parado. Sem entender, confuso. Aquelas palavras quebraram qualquer expectativa que ele poderia ter.
- Quero seu coração - disse ela - Porque não cobro dinheiro de quem amo.
O coração de Eduardo palpitava, teria ele entendido certo?
- Me ama?
- Sim. Meu expediente acaba daqui uma hora, depois que eu atender aquele senhor - apontou para um velho que caminhava em direção a eles.
Eduardo a olhava confuso para ela
- Como assim?
- É só para você saber - Ela se levantou e cochichou no ouvido dele - Saber a hora que pode me acompanhar até em casa - e foi até o velho, pegou no braço dele, e o levou até o quarto.
Eduardo voltou até a mesa sem perceber que sorria. Jorge o estranhou:
- E ai cara?
Eduardo não disse nada. Ficou apreciando a alegria em seu coração. Logo, Marcos e André estavam ali, prontos para ir embora.
- Podem ir - disse Eduardo - Eu vou esperar por ela.

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Esse conto foi escrito em conjunto por Caetano e Zeh (que pensa em um final alternativo hehe)

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