segunda-feira, 28 de junho de 2010

ponto final

De passagem frequentei sem gosto a escola desde a infância, depois de muito tempo, ou melhor, depois de muitos esporros de meu pai e cintadas de minha mãe, decidi que era mais razoável esforçar-me no mínimo pela obtenção de um diploma de mediocridade, ou melhor, confundo-me demais em meus pensamentos, um diploma medíocre de conclusão de primário, ensino médio, curso técnico, orgulho para alguns, papel timbrado, prefiro papel higiênico. Pouco lembro do que estudei, esforcei-me por lembrar de esquecer todo dia tudo o mais rápido possível, meu trabalho diário e constante funcionou perfeitamente para isso.
De passagem trabalho como empacotador de compras de uma grande rede de supermercados, ainda por cima faço parte do time de futebol da empresa, lateral direito, com chances de ser chamado para um possível time profissional a ser formado em um futuro de mentira, talvez próximo. Não descuido, sou atento, nunca misturo produtos de limpeza com alimentícios em sacolas de madames, embalo com cuidado, em duas sacolas, a bebida para estudantes universitários que nem olham para a minha cara. Tenho cara, não tenho rosto, isso meu avô já afirmava com seu sorriso sem dentes, quando ainda era vivo e esculhambava com meu pai e consequentemente comigo, dizendo-nos que éramos um grande erro, montes de merda, cachorros, imprestáveis e por aí em diante, ficava assim o tempo todo da nossa visita mensal de uma hora ao asilo beneficiente dos franciscanos.
Todo dia vou embora no ônibus das 23:27. Desço no ponto final, antes do retorno para o terminal, perto de uma ponte, embaixo passa o rio Paraíba, lembro que não sei nadar, passo a ponte, mais 200 metros e estou em casa. Tenho tempo para cagar, tomar um banho e dormir. Esqueci novamente de comprar papel higiênico. Preciso pagar a pensão para minha ex-mulher semana que vem. Tudo bem, limpo o cu no chuveiro e não esquecerei do papel amanhã, certeza. Meu filho está com três anos, pimpolho saudável, mora com alguma tia, preciso visitá-lo. O cansaço recrimina qualquer outra lembrança, apago a luz e deito. Lá se vai mais um dia. De manhã risco o dia anterior no calendário para não me perder, se é minha folga, volto para cama e durmo até não aguentar mais de fome.
De passagem pularei da ponte qualquer dia desses.

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