quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Maldade .2

Marianinha era a mina mais gostosinha da classe. Entretanto ela queria matar-se de verdade.
Marianinha era realimente muito inteligente, o que é raro hoje em dia. Além disso, ela tinha muitos amigos, e isso não tem nada de raro.
Marianinha conversava com o mendigo imaginário da rua e dizia como seria o dia de sua morte:
- Preciso reparar meu cérebro, senhor mendigo! Com o cabo da colher pelo meu belo nariz.
- Larga mão de ser fitinha, mina! Essas imagens violentas são puro exagero estético que camuflam a falta de conteúdo de tudo que tu diz!
- Você é apenas um mendigo e não sabe porra que eu sou a mais inteligente da classe!
Marianinha deixava o mendigo imaginário da rua falando sozinho e ia para seu quarto ouvir sua banda preferida, Emerson, Lake and Palmer.
A família de Marianinha gostava verdadeiramente dela e tinha orgulho verdadeiro porque ela era a mais gostosinha da escola. Por essa razão é que Marianinha, apesar de tudo, frequentemente adiava os planos para sua pequena morte; porque o amor da mamãe era grande demais para, de uma hora para a outra, passar a ser dedicado simplesmente ao vazio.
Tudo isso não é de surpreender. Mas o amor da vovó acabou, certo dia, sendo meio-foda. "Vem aqui! deixa a vovó dar um abraço!" Depois disso, Marianinha percebeu que o cuidado de seus familiares não era razão suficiente para o impedimento de suas intenções sangrentas cerebrais, mas, ao contrário, era, na verdade, motivo mais que suficiente para botar pra fuder de uma vez.
Chegou então da casa da vovó, fechou-se em seu quarto, Emerson Lake and Palmer. Fez uma carreirinha de facas bem afiadas que roubara da cozinha enquanto a mamãe assistia Ana Maria Braga. Cheirou a carreirinha de facas e as facas esculpiram seu cérebro brilhante e bonitinho, até que ele tomasse a forma de um saco de lixo. O corpo de Marianinha tombou e esparramou-se imediatamente pelo tapete Hello Kitty com livros de Beckett.
O mendigo imaginário da rua, por acaso, estava parado no portão. Tomou um gole modesto de pinga, porque, afinal, tem todo o tempo do mundo para esvaziar a garrafa, e falou sozinho - porque os mendigos não precisam se justificar por falarem sozinhos - com desprezo:
- Mina fitinha! Carreirinha de faca nem existe! Nem é verossímil! Essa juventude sem criatividade, com mal gosto narrativo, acredita que basta unir elementos díspares em situações implausíveis para compor um quadro fantástico com alguma validade psicológica ...

2 comentários:

  1. pode ser díspar e implausível com pretenso psicologismo... deixemos neuroses vagamente de lado, pois, convenhamos, tapete Hello Kitty com livros de Beckett e ELP ao fundo é sublime, *ui*.

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