segunda-feira, 20 de junho de 2011

Duas considerações sobre arte

1- Considerações sobre a concepção romântica da música

A: - Olha só, apesar da sua estupidez insensível e da sua cegueira voluntária diante da evidência da espiritualidade que move a existência, quando você toca essas músicas clássicas eu vejo que existem em você, apesar de tudo, sentimentos elevados que você deveria expressar com mais frequência, viu?

B:- Olha só, apesar do seu palavrório pretencioso e monótono a ponto de causar náuseas mesmo no mais bunda mole dos seres humanos, eu devo dizer que sua avaliação sobre a música não passa de uma puta bobagem. Música é basicamente matemática: cada nota ocupa uma certa posição no violão - instrumento musical material e datado -, e eu junto essas notas de acordo com lógicas preestabelecidas, e eu determino o tempo entre uma nota e outra, e eu determino com a intensidade da palhetada o ritmo e as diferenças de timbre, e você enche d'água seus pequenos olhos ingênuos, acreditando que está diante da comprovação da existência de um princípio eterno e imutável colocado por Deus na arte que se faz possível, apesar da prisão material que é o efemeríssimo corpo humano.

A: - Então você acha que não há motivações emocionais na criação musical!? Então...

B: - Vai... vai... calaboq!!

2- Considerações sobre a atuação no filme Garotas do ABC (Carlos Oscar Reichenbach - 2003)

A: - Eu acho que esse filme é uma merda porque os atores são muito ruins do caralho!

B: - Ah é?! E que porra você entende sobre atuação dramática?!

A: - Eu entendo que um ator representa um papel; então esse ator deve atuar de modo que sua expressão pareça natural.

B: - Pessoas como você assistem filme apenas por distração, e na minha terra isso tem um nome que você vai gostar muito de ter associado à sua pessoa: ALIENAÇÃO!!
[um prato voou na parede]
B: - Pouco me importa que você atire os pratos nessa parede imunda! O que estou dizendo é que você vê uma porra de um filme esperando que ele seja uma porra duma cópia da realidade! Uma porra do que sua mente alienada considera realidade, ou seja, um encadeamento de fatos lógicos compostos por elementos coerentes e ligados de modo a compor um esquema de começo, meio e fim. Você espera que a expressão, assim como a luz a música e o cenário pareçam naturais. Esse seu conservadorismo estético não tem nada a ver com o que você acredita ser natural; tem a ver, na verdade, com a sua espectativa inconsciente de se sentar para ver um filme e ter diante dos olhos aquilo que a tradição hegemônica cinematográfica te faz acreditar ser filme de qualidade e expressão do real-natural.

A: - Então isso quer dizer que a expressão é apenas um elemento que pode ser empregado de diversas formas para a composição da narrativa fílmica, papai?

B: - Claro, filhinho... a expressão não é neutra; não pode ser tratada simplesmente como um aspecto invariável a partir do qual se desdobra todo o resto. Ela mesma é um elemento discursivo.

A: - Ah! que bom então papai! Acho que agora eu entendi, viu!

B: - Te amo, filho! Agora vai tomar seu leitinho que já é hora de voltar à escola!

A: - Oba! eu queria muito mes... ... .. .......... ......

... .

Um comentário:

  1. Porra mano! O Rodolfo e você tão subindo demais o nível desse blog!! Huahaha. Muito genial esses diálogos, a genialidade de dizer algo que está ali, mas nos recusamos a ver talvez. Curti bastante, principalmente o segundo. Essa sacada de que o filme não precisa tentar ser real, já que nunca será uma uma cópia da realidade é demais. E a maneira como é dita, poesia pura haha. E tem o fator de humor também, o pai ensinando ao filhinho.. hehe. Você será um bom pai Arthurzão, vai ensinar ao seu filho as verdades das coisas ahah. Muito foda.

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